Vivêssemos 200 anos?
Tal preocupação já existe, diz ele. Embora seja geriatra, metade de seus pacientes tem pouco mais de 40 anos.
Renata de Gáspari Valdejão
A longevidade é uma das conquistas mais notáveis da humanidade. Em 1900, uma criança, ao nascer, tinha uma expectativa de vida de 33,7 anos, média essa que, hoje, já é de 68 anos e, em 2025, será de 75,3 anos. Mas, como toda conquista, a vida longa também tem seu preço. “Estamos assustados com isso”, diz Antonio Quelce, presidente do Conselho Estadual do Idoso de São Paulo. “No futuro, teremos um batalhão de idosos e a sociedade – hospitais, médicos – precisa estar preparada.” Estudos demográficos dão conta de que, por volta do ano 2050, 2 bilhões de pessoas (quase um quarto da população mundial) terá mais de 60 anos, ultrapassando o número daqueles com menos de 14. Com tanta gente para usufruir da aposentadoria e tão poucos para pagar impostos, há receio de um colapso.
Se essa perspectiva já assusta, imagine o que ocorreria se vivêssemos 200 anos. Na opinião do geriatra Clineu de Mello Almada Filho, da Universidade Federal de São Paulo, os serviços oferecidos hoje aos idosos poderiam falir se o envelhecimento ocorresse na velocidade atual. “Na Europa, o envelhecimento da população vem acontecendo aos poucos. Aqui, está sendo muito rápido”, diz.
Provavelmente, teríamos que nos aposentar mais tarde, não só para sustentar a Previdência, mas para mantermo-nos ocupados. “Muitos aposentados não conseguem se engajar em outra atividade, mesmo que não remunerada, e isso é causa de muitos casos de depressão. É saudável ter alguma atividade”, afirma Denise Furlani, psicóloga e psicoterapeuta da Clínica Psicológica da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
Saúde, aliás, seria a preocupação número um dos bicentenários. Hoje, quem passa dos 65 anos tem 90% de chance de ter uma doença associada à idade. Aos 200 anos, o corpo teria apenas um restinho daquela capacidade natural de reação que é acionada em momentos de estresse. Segundo Almada Filho, o ser humano vive cada vez mais próximo do seu limite biológico de longevidade. “Nosso organismo não foi feito para durar nem 100 anos.”
Para que vivêssemos dois séculos, portanto, a prevenção de saúde teria que ser revolucionada. “Seria possível detectar antecipadamente a maioria das doenças”, afirma Almada Filho. Tal preocupação já existe, diz ele. Embora seja geriatra, metade de seus pacientes tem pouco mais de 40 anos.
Mas como seria possível viver 200 anos se, hoje, as pessoas com metade dessa idade já têm a saúde tão comprometida? O segredo seria envelhecer mais devagar. Na verdade, isso também está acontecendo, à medida que a expectativa de vida aumenta. Uma pessoa de 40 anos hoje é fisiologicamente mais jovem do que alguém com a mesma idade há um século.
Começamos a envelhecer assim que paramos de crescer, no final da adolescência. As células se tornam menos eficientes e os processos normais de reparação do organismo, mais lentos. Os tecidos e vasos sangüíneos se enrijecem, os pulmões e os músculos do coração se distendem e os ligamentos se esticam. Aos poucos, aparecem as doenças ligadas à idade, como catarata e câncer.
“O envelhecimento está sendo retardado pela medicina, pois é possível prevenir inúmeros males que assombravam os idosos. Não apenas males de ordem física, mas também de ordem social, como o isolamento e a inatividade intelectual, que aceleram o envelhecimento”, diz Maria Candida Soares Del-Masso, coordenadora da Universidade Aberta à 3ª Idade da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Fosse como fosse, o envelhecimento daria a luz a um mundo mais calmo e pacífico. É fato que o índice de violência de uma população é diretamente proporcional à quantidade de jovens. Não por acaso, 67,9% das mortes de jovens brasileiros, com idade entre 15 e 24 anos, devem-se à violência. Um planeta repleto de velhinhos seria calminho como um baile da terceira idade.