A rainha dos robôs zoados
Os robôs intencionalmente inúteis da inventora sueca Simone Giertz viraram um sucesso na internet – e talvez sirvam para mais do que uma boa risada
Simone exibe seus projetos tecnológicos num canal de YouTube, que já passou dos 200 mil seguidores. Alguns dos vídeos foram vistos mais de 1 milhão de vezes. Por exemplo, um deles mostra uma máquina de picar legumes que esfaqueia vegetais tão violentamente que pedaços de abobrinha e cenoura voam pelos ares junto com lascas da tábua de cortar. Outro exemplo marcante é um braço mecânico desenvolvido para passar batom. Ao final da demonstração, o rosto da inventora é um imenso borrão vermelho.
Há também o capacete-escova de dente, cujo uso regular tem o poder de deprimir seu dentista. Melhor então não tentar animá-lo usando a Máquina de Aplausos de Simone: o distinto odontólogo talvez fique ainda mais aterrorizado depois de assistir às entusiásticas mãos de borracha batendo violentamente uma na outra até se soltarem da estrutura metálica.
Os chamados shitty robots (ou, em tradução livre, “robôs cagados”) já eram uma subcultura na internet quando Simone tornou-se fã deles e começou a brincar com eletrônica, dois anos atrás. Agora, a sueca de 25 anos é considerada a rainha dos robôs cagados. Mas Simone prefere o título inventortainer (inventora + entertainer), criado para ela por um amigo. Em seus vídeos, ela não se limita a demonstrar sua mais recente criação tecnológica – sua interação com os autômatos é entremeada de explicações aparentemente sérias do funcionamento, piadas sobre cocô e avisos de que os espectadores não podem receber de volta o tempo desperdiçado assistindo aquilo.
E, por falar em tempo, Simone chegou 40 minutos atrasada à nossa entrevista, algo bem raro na Suécia. Ela perdeu a hora porque não escutou o despertador – uma desculpa difícil de digerir, considerando-se que esta é a mulher que criou a Máquina de Acordar, que consiste numa mão de borracha que enche sua cara de tapa na hora em que o despertador toca.
– Obviamente, eu não usei a Máquina hoje – explica Simone, após finalmente chegar ao nosso encontro. – Eu tinha deixado-a aqui na minha oficina, para consertar, depois de um acidente na hora de acordar. Meu cabelo enroscou no mecanismo.
Procrastinação elaborada
Simone diz que gosta de imaginar como robôs poderiam ajudá-la a concluir tarefas chatas.
– Mas no fundo é só um jeito muito elaborado de procrastinar as coisas que realmente tenho que fazer. Eu devia comer mais vegetais? Está difícil acordar de manhã? Em vez de resolver essas questões, porque não criar um robô cagado para lidar com elas?
Mas por que robôs cagados? Se é para dedicar tanto esforço a um projeto, por que não tentar construir máquinas que realmente funcionem?
– Eu acho meio careta fazer coisas úteis. Essa mania de buscar utilidade coloca uma pressão desnecessária na gente que acaba atrapalhando a criatividade. Por isso, resolvi tirar a utilidade da minha equação.
Simone acha que dessa maneira a coisa fica muito mais interessante. E engraçada.
Robôs são hilários. Tão sem humor, tão sinceros. Se eles forem programados para fazer alguma coisa, vão fazer sem parar, nem se importar se as coisas estão dando certo ou errado.
Simone Giertz
Um outro amigo dela cunhou o slogan de seu blog: “um antídoto para seu medo da Skynet”. É uma referência à terrível inteligência artificial da série de filmes O Exterminador do Futuro, que oprime a humanidade com robôs cruéis e eficientes interpretados por atores como Arnold Schwarzenegger. Já as criações de Simone estão mais para Mr. Bean: simultaneamente fofos e irritantes.
– O melhor jeito de lidar com nosso medo de uma revolta dos robôs contra a humanidade é aprender o que eles são de verdade. E o melhor jeito de aprender é começar a construí-los.
Ainda que não tema exterminadores do futuro, Simone acredita que precisamos conhecer melhor as tecnologias.
– Há uma revolução acontecendo no mundo. Com o hardware e o software cada vez mais acessíveis, o desenvolvimento de máquinas está se democratizando muito. Acho importantíssimo que as pessoas comecem a construir coisas, mesmo que não sejam engenheiras.
Simone, por exemplo, não é. Chegou a estudar engenharia, mas um ano no Instituto Real de Tecnologia, em Estocolmo, foi suficiente para convencê-la de que aquilo não era para ela. Em vez disso, optou por ir estudar na faculdade alternativa Hyper Island, que é voltada para ajudar as pessoas a “realizarem seu potencial” e, assim, “mudarem o mundo”. Foi ali que ela começou a dedicar longos períodos a pesquisar assuntos que a interessavam, muitos deles aparentemente inúteis.
Títulos e meias
Outra experiência que mudou a vida de Simone foi o ano que ela passou vivendo em São Francisco, nos EUA, trabalhando numa empresa de tecnologia chamada Punch Through Design, que desenvolve equipamentos para conectar aparelhos ao telefone celular. Seu trabalho era inventar coisas divertidas para fazer com os produtos da empresa e escrever tutoriais. Seus cartões de visita daquela época variavam – às vezes eles diziam que ela era uma creative technologist, às vezes uma tech evangelist. Ou, ainda, uma community manager.
– Eu sei. Eu mudo meu título profissional tanto quanto troco de meias. Agora gosto de chamar a mim mesma de “inventora” e “youtuber”, porque parece algo tirado de uma história em quadrinhos, tipo Professor Pardal.
A oficina dela fica num conjunto comercial no centro de Estocolmo, a capital sueca, que é habitado por várias empresas que lidam com tecnologia e inovação. Ela divide o escritório com um grupo de pessoas que, como ela, não hesitam em embarcar em projetos absurdos.
– Que bom que você não veio na semana passada, quando um dos caras aqui estava tentando fermentar café com arenque. Cheirava cocô…
Num dos cantos da oficina havia um contrabaixo. Do outro lado, uma cadeira elétrica – não funcional, felizmente. No meio do apartamento há uma sala toda verde desenvolvida para se compor música usando as ondas cerebrais. O pequeno banheiro oferece oito diferentes aromas de sabão e tem sensores de movimento que acionam música cada vez que alguém entra ou sai pela porta.
Em meio a tanta extravagância, destaca-se a última invenção de Simone, que ainda não está pronta: um capacete equipado com mãos mecânicas que apanham pipocas de dois baldes e enfiam-nas na boca do usuário/vítima.
– Tudo o que você tem que fazer é abrir a boca. Isso é bom, já que ninguém quer ter que mover suas próprias mãos. Isso seria chato e antiquado, já que nós vivemos no futuro. Certo?
Hum, certo…
Um mundo melhor
Pergunto a Simone como é a reação das pessoas a sua estranha obra.
– Em geral, é surpreendentemente positiva – diz. – Mas tem também quem se incomode com o que consideram ser um desperdício de tempo. Eles dizem que eu deveria usar minha inteligência para tornar o mundo um lugar melhor. Aí eu respondo “mas é isso que estou fazendo”. Ha ha.
E há aqueles que não entendem que os robôs não são sérios. Sua ineficaz máquina de cortar vegetais foi recebida com comentários do tipo “já há processadores de comida no mercado e eles funcionam bastante bem…” Há também as pessoas que não entendem, mas tentam ser gentis.
– Eles dizem coisas tipo “você não acertou dessa vez, mas eu sei que um dia vai conseguir. Um dia você vai fazer um robô que preste”. Esses me fazem rir e partem o meu coração ao mesmo tempo.
As reações às obras são tão variadas que Simone nunca sabe o que esperar. A empresa que inicialmente apoiou o projeto do capacete de pipoca, por exemplo, acabou perdendo o interesse e se retirando. Aí apareceu Adam Savage, o ex-apresentador do programa de TV MythBuster, que não só adorou a ideia e se envolveu no desenvolvimento, como acabou convidando a jovem sueca para ser coapresentadora de seu canal no YouTube, o Tested. Simone aceitou o convite e está de malas prontas para se mudar de volta a São Francisco, para trabalhar com Savage.
– Então o capacete de pipoca vai aparecer no Tested, mas não no meu canal.
Para ir aos Estados Unidos, Simone terá que deixar o barco onde vive, ancorado num dos muitos cais de Estocolmo. Os espectadores de seus vídeos conhecem bem a casa-embarcação, já que muitos dos vídeos foram gravados lá, e as histórias da vida flutuante são uma constante no canal do YouTube.
– Se você vive numa casa ou apartamento em terra firme, as pessoas têm algumas expectativas. Viver num barco é um pouco como fazer robôs cagados. Pense por exemplo no meu exaustor: um tubo que sai do balcão da minha cozinha e passa por um buraco que eu mesma cortei no teto. Você nunca poderia ter uma tranqueira dessas num apartamento, mas, num barco, as pessoas olham, ficam impressionadas e dizem “wow, que solução criativa”.
Mais robôs cagados
Conheça mais alguns destaques da obra de Simone:
1. O Robô Que Lava Cabelos
Benefício extra: a possibilidade de morrer eletrocutado.
2. A Máquina Comentadora
Uma cabeça que tecla aleatoriamente num teclado, para redigir comentários e “lutar as batalhas digitais por você”.
3. O Drone Cabeleireiro
Um drone voador, uma tesoura afiada. O que pode dar errado?