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“Vamos viver até os mil anos”

O PhD em biologia Aubrey de Grey defende que logo teremos a tecnologia necessária para acabar com o envelhecimento. A SUPER conversou com ele.

Por Lucas Pasqual, de Belo Horizonte*
Atualizado em 20 ago 2017, 00h56 - Publicado em 18 ago 2017, 17h23

O cientista inglês Aubrey de Grey acredita que poderemos viver por séculos. E sem sofrer com os transtornos da velhice: ele defende que a juventude será estendida de forma indefinida. Só vai morrer mesmo quem sofrer algum acidente fatal – e mil anos, estatisticamente falando, é um tempo razoável para que isso aconteça com você.

De Grey participou na última quarta (16) do FIRE, evento de marketing e empreendedorismo digital organizado pela Hotmart em Belo Horizonte. Para uma plateia de quase duas mil pessoas, o pesquisador apresentou os estudos antienvelhecimento que moldaram sua carreira no campo da gerontologia nos últimos 15 anos, à frente da ONG Fundação SENS, nos EUA. Ele diz que a tecnologia em desenvolvimento será capaz de inverter o relógio biológico – pessoas de meia-idade passariam a ficar mais jovens, e seguiriam assim para sempre.

“Há um enorme sofrimento que vem com a idade”, diz De Grey, que afirma: “O envelhecimento é a pior do que doenças ou guerras.”

O biólogo define o envelhecimento como uma cadeia de três elementos interligados, conforme a figura abaixo:

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“O envelhecimento é uma consequência física, não biológica”, diz De Grey. O fato é que o metabolismo humano ainda não foi completamente decifrado pela medicina – não sabemos exatamente como os danos que as células acumulam com o tempo causam o envelhecimento. Já a patologia (ou seja, a medicina) age sobre o problema já estabelecido. A (ambiciosa) proposta da Fundação SENS, então, é decifrar o metabolismo para antecipar-se aos danos celulares. É eliminar as doenças ligadas ao envelhecimento, como câncer, Alzheimer e cardiopatias, direto pela raiz, tornando os tratamentos convencionais obsoletos.

Ao longo das duas últimas décadas, a equipe de De Grey mapeou 7 grandes causas do envelhecimento, e elaborou quais terapias do futuro poderão resolver cada uma delas. Veja:

Quanto tempo para essa tecnologia ser posta à prova? De Grey diz que suas pesquisas só precisam de financiamento – a ciência já teria o conhecimento, hoje, para colocar a teoria em prática. Segundo ele, há 50% de chance de conseguirem implementar as primeiras terapias nas próximas duas décadas e, nesse primeiro momento, já elevar a expectativa de vida dos pacientes em 30 anos. “Quando isso acontecer, os formadores de opinião ao redor do mundo, gente como a Oprah Winfrey, vão dizer ‘Bem, então vamos começar os tratamentos’. E aí, será impossível para qualquer político ser eleito sem que sua campanha defenda uma guerra contra o envelhecimento.”

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De Grey conversou com a SUPER, no papo que você confere a seguir:

O que você acha que mudou na ciência desde que você começou suas pesquisas sobre envelhecimento?
Houve enormes mudanças. Quando comecei nesta área, 20 anos atrás, ninguém tinha ideia do que fazer a respeito do envelhecimento. Todo mundo estava estudando e tentando entender melhor a questão, mas ninguém sabia exatamente o que poderíamos fazer. Eu consertei isso. Me custou 5 anos, mas finalmente, em 2000, eu bolei um plano bem realista. É isso que é o SENS. Então veio o segundo problema: muitos dos cientistas mais bem preparados não se viam como pesquisadores antienvelhecimento. E eu identifiquei como o trabalho deles poderia ser relevante. Então tive que persuadi-los de que deveriam estar trabalhando nisso. Tudo isso mudou de lá para cá. Mas um terceiro problema persiste. O principal: custa dinheiro fazer biologia, fazer pesquisa médica. Não temos nem perto do suficiente. Estou gastando todo o meu tempo em frente às câmeras, em palcos, com microfones, tentando fazer as pessoas entenderem, primeiramente, que isso é o problema mais importante da humanidade, e, em segundo lugar, que é um problema que podemos solucionar, se nos dedicarmos. Mais recentemente, houve uma grande mudança: cada vez mais pesquisas podem ser feitas em empresas privadas. Com isso, nós podemos seduzir as companhias, dizendo que elas vão lucrar no futuro. Enquanto ONG, sem fins lucrativos, a SENS não tinha acesso ao dinheiro que precisava. Agora, com o apoio de startups, nós temos.

Como você se interessou em desafiar o envelhecimento?
Me interessei quando percebi que quase mais ninguém estava interessado. Durante toda a minha vida, até meus vinte e poucos anos, tive a impressão errada de que todo mundo entendia que o envelhecimento era o problema mais importante de todos. Achei que cientistas estariam trabalhando nisso. Eu era programador, trabalhava em outro tipo de problema. Eu queria desenvolver uma inteligência artificial que tornaria desnecessário o trabalho em si. Quando eu tinha 26 anos, conheci uma bióloga, nos casamos, e com ela aprendi muito. Por fim, entendi que nós nunca falávamos sobre envelhecimento. Aos poucos, notei que ela e todos os outros biólogos que conhecíamos pensavam que o tema não era tão interessante, não era tão importante… Isso me deixou horrorizado, até que decidi: “bom, não tenho escolha, preciso mudar de área [de pesquisa]”.

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Na sua apresentação, você menciona as “sete causas da morte”. Como você chegou até elas?
Bem, essa foi a parte fácil, pra falar a verdade. Quando comecei a pensar na possibilidade de que nós poderíamos não apenas desacelerar os danos, mas consertá-los, precisava de algum tipo de classificação. As coisas que eu estava classificando já eram conhecidas, todos já estudavam a natureza do envelhecimento há um bom tempo. Então foi mais uma questão de colocá-las em grupos que fizessem sentido.

E você disse que não acredita que há uma oitava causa…
É o que parece. Quer dizer, não podemos ter certeza absoluta. Mas tenho feito experiências, tenho trabalhado muito para identificar um oitavo problema, caso ele exista.

Você pode explicar como as suas terapias vão funcionar?
Quando essas terapias forem desenvolvidas, elas serão, do ponto de vista da pessoa que as recebe, similares a outros medicamentos que conhecemos hoje. Por exemplo: algumas serão baseadas em células-tronco, bem complicadas, mas quem receber [as terapias] não vai saber dessa dificuldade. A pessoas só vai tomar uma injeção. O mesmo vale para terapias de genes.

Todos vão poder receber as terapias? Ou elas serão destinadas a determinadas faixas etárias?
Não tem muito sentido dar um tratamento antienvelhecimento para uma pessoa de 25 anos porque suas células ainda não sofreram danos. Se ela esperar 10, 20 anos, ainda haverá tempo e a terapia terá avançado, com melhorias e menos efeitos colaterais. Eu diria que qualquer um com mais de 50 certamente precisará deste tratamento.

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Provavelmente haverá implicações, mudanças no mundo, quando tivermos acesso a esses tratamentos. Você pode comentar um pouco sobre isso?
Claro. E isso vai ser logo, talvez nos próximos cinco anos. Porque aí, quando as pessoas realmente acreditarem que vão viver muito mais do que pensavam, elas vão querer um tipo diferente de aposentadoria, um tipo diferente de plano de saúde, ou de seguro de vida. Tudo vai funcionar de maneira bem diferente, elas vão pensar melhor sobre quando ter filhos, ou se vão ter filhos mesmo. Essa é a época em que tudo estará mudando, e a mudança será muito brusca.

Como você acha que a religião vai lidar com isso?
Não haverá nenhum problema para a religião, do mesmo jeito que não houve nenhum problema quando falamos de evolução, por exemplo. No começo, as pessoas pessoas ficaram meio “peraí, era por isso que eu acreditava em Deus, a vida é impossível sem Ele”. Mas de repente parecia que era possível, sim. No final, não importou, porque mesmo que você acredite na evolução, você ainda pode acreditar em Deus. Eu acho que vai ser exatamente a mesma coisa aqui. Só pra lembrar, nós não vamos impedir as pessoas de morrerem. E Deus é onipotente, o que significa que ele pode muito bem te matar, não importa quão saudável você seja. Nós não estamos mudando os planos de Deus; estamos fazendo o oposto, na verdade. Envelhecer causa muito sofrimento, e a Bíblia e o Corão e qualquer outro [livro sagrado] dizem claramente que nosso dever é minimizar o sofrimento, certo? Em outras palavras, seria um pecado não fazer isso [as terapias].

E como o planeta vai reagir?
O meio ambiente, você diz?

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Isso.
Não teremos nenhum problema. Hoje, temos pessoas demais, e o aquecimento global, e tudo isso. Mas não porque há sete bilhões de pessoas [no mundo], e sim porque há sete bilhões de pessoas poluindo muito por causa das limitações tecnológicas atuais. Claro, isso tudo já está mudando. No momento em que tivermos aumento no número de habitantes, nós já teremos energia solar bem mais barata que carvão, dessalinização da água, sequestro de carbono, carne artificial, e por aí vai. Estaremos poluindo menos, o que significa que a capacidade do planeta estará aumentando, e vai aumentar mais rapidamente que o crescimento populacional.

Você acha que as novas forças políticas, como Donald Trump, vão causar algum tipo de atrito?
Eu não acredito que haverá qualquer tipo de problema, nem que políticos de qualquer lado vão se meter. Quase toda a pesquisa científica e o comércio acontecem em democracias. Se as pessoas quiserem isso, elas vão votar a favor. Políticos terão que fazer o necessário, talvez estabelecer incentivos comerciais para que empresas disponibilizem o tratamento, ou não serão reeleitos.

Você planeja usar a terapia em si mesmo?
Com certeza. Como todo mundo, eu também não quero ficar doente. Mas espero não ser a primeira pessoa [a usá-la] – em terapias experimentais, você não quer ser o primeiro.

 


 

Uma versão do livro Ending Time, escrito por De Grey em 2007, está sendo traduzida para o português, com lançamento previsto para 2018.

*O jornalista Lucas Pasqual viajou a convite do FIRE 2017.

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