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É oficial: o Brasil bateu no fundo do poço. E lá não tem mola

Não tem mesmo caminho fácil para sair do buraco no qual nos metemos. Mas veja pelo lado bom: este poço fundo pode ser a maior oportunidade da nossa história.

Por Denis Russo Burgierman
Atualizado em 31 out 2016, 19h05 - Publicado em 23 Maio 2016, 18h45

Com votos de menos e problemas demais na Justiça, Temer não tem condições de liderar nada. E isso pode ser bom.

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Depois de um governo horrível, marcado pela oficialização da entrega de todos os galinheiros brasileiros às raposas, e por uma gestão trágica da economia, a presidente caiu. O processo de impeachment tem sido horroroso de se ver e trouxe a chocante constatação de que nossos congressistas, os mais caros do mundo, são também os piores. Três a cada cinco deles têm problemas com a Justiça e quase nenhum liga para o interesse público.

E o problema não é só Brasília: o chorume escorre pelo Brasil todo. Enquanto o Rio se prepara para celebrar uma Olimpíada no meio do esgoto e dos escombros de obras mal planejadas, São Paulo desce o cacete em estudantes que cometeram a canalhice de reclamar do sagrado direito de roubar merenda escolar. Enquanto resíduos tóxicos de mineração fluem pelos rios, contaminando tudo, mosquitos espalham epidemias pelas nossas periferias superpopulosas, sem água encanada nem esgoto tratado. Enquanto a ilusão do pré-sal vai evaporando em meio ao maior escândalo de corrupção da história, o clima muda no País inteiro e ameaça o futuro dos nossos filhos.

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Com o colapso das cidades, do clima, do trabalho, da educação, da política, da economia, da indústria, da mídia, da segurança pública, do futebol, o stress explode e as grandes cidades brasileiras batem recorde de distúrbios mentais. As relações afetivas, que são a base sobre a qual qualquer nação se estrutura, passam por uma crise terrível – milhões de amizades foram desfeitas nos últimos meses num clima generalizado de desconfiança, ressentimento e ódio.

Não importa se você saiu às ruas de vermelho ou amarelo, ou se faz parte da grande maioria que só queria levar a vida em paz sem ser sacaneado. Numa coisa quase todos concordamos: estamos no fundo do poço.

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Fundos de poço são lugares ruins. São também oportunidades ótimas. Aliás, se compararmos com exemplos históricos, até que nosso poço é rasinho.

Pense no buracão infernal no qual a Alemanha caiu ao longo do século 20. O país foi reduzido a escombros, tanto literais (cidades demolidas por bombas) quanto metafóricos (fantasmas do nazismo e da Guerra Fria assombrando todos). A humilhação e a ruína, no entanto, foram os nutrientes que fizeram germinar uma nova Alemanha – esta que você conhece, antimilitarista, multicultural, inovadora, transparente, sustentável. O trauma doeu, mas foi o incentivo que os alemães precisavam para construir um consenso e, a partir dele, novas instituições que garantam que certas coisas jamais voltem a acontecer.

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Não é só alemão que consegue fazer isso. Nossos vizinhos da Colômbia também estiveram nas profundezas do poço, 20 anos atrás. Após uma guerra civil exterminar a bala todo mundo que se recusou a se corromper para o narcotráfico, as instituições foram destruídas. Uma geração de jovens talentosos fez as malas e foi embora. Mas desse mergulho às trevas nasceu um país que valoriza inovação, onde a ideia de “interesse comum” significa algo, e esquerda e direita são capazes de concordar sobre o básico.

Outro exemplo: quem vê o poderio dos Estados Unidos nem pensa que, 150 anos atrás, eles também estavam de joelhos, desmilinguidos por uma guerra civil, ameaçados de deixar de existir como país. Se não fosse esse trauma, os americanos não teriam tido a energia de reimaginar a ideia de República. Nasceu ali um novo sistema, cheio de pesos e contrapesos, com grande autonomia para cada Estado e liberdades garantidas, de maneira a proteger o cidadão do excesso de poder governamental.

Nenhum desses países é o paraíso na Terra (algo que aliás não existe), mas todos aproveitaram problemas graves para tornarem-se nações melhores.

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Só que nada garante que um país afundado no poço vá conseguir sair dele. Uns jamais superam seus traumas e se acostumam ao cheiro de esgoto. Geralmente, são aqueles que não encontram força para escarafunchar as gavetas e exorcizar os fantasmas.

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Claro que ajuda quando há lideranças capazes de apontar caminhos. O presidente interino, Michel Temer, obviamente não é isso. Sem apoio popular (só 2% dos brasileiros votariam nele), chega ao cargo mais alto da nossa democracia depois de somar apenas 700 mil votos em seu nome ao longo de 30 anos de carreira política – não daria para vencer o pastor Everaldo numa eleição presidencial. Se tem poucos votos, Temer tem muitos problemas na Justiça. É investigado pela operação Lava Jato, tem suspeitas de crime eleitoral, de receber propina, de vender cargos, de ter apoiado o impeachment para se proteger e de ter cometido as mesmas pedaladas fiscais que derrubaram Dilma. Montou um governo cujo índice de criminalidade só não é maior que o do Congresso.

Mas talvez seja melhor assim. Não será mesmo um presidente que nos tirará do poço. Seremos nós, exigindo mudanças na cultura e na política, varrendo os canalhas e os incompetentes e redesenhando nossos sistemas mais básicos, como fizeram Alemanha, Colômbia e Estados Unidos.

O primeiro passo é encontrar consensos: coisas que nós todos vamos exigir juntos. Coisas tipo: a revogação imediata de todos os privilégios, dos benefícios diferenciados para cada grupo, do banheiro exclusivo para juiz, dos carros oficiais com motorista, da verba para comprar ternos, das regras de licitação excludentes, das carteiradas. Ou: a exigência de um projeto moderno de educação pública, acessível a todos, que torne o Brasil mais eficiente, eficaz, produtivo, inovador. Ou ainda: o fim do sistema político dependente das construtoras e empreiteiras, que financiam as campanhas e depois enchem os governantes de mimos, e torram a nossa grana em grandes obras terrivelmente destrutivas. Outro: incentivos fortes para tirar a maioria dos políticos profissionais do ramo e estimular membros da sociedade civil a participar mais diretamente. Ou mais: a busca de um novo modelo de produção, que privilegie a inovação e o empreendedorismo e que preserve e valorize as maiores riquezas do Brasil, que são os recursos naturais e a diversidade cultural.

Alguém discorda disso? Chegou a hora de exigir, então. Não vai ser mole, até porque quem está no poder quer mais é manter as coisas como estão. Mas não foi mole também para a Alemanha, a Colômbia e os Estados Unidos. 

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