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E Se… Tivéssemos usinas de fusão nuclear?

Com usinas que emulam a forma como o Sol gera calor, haveria energia limpa e infinita. Mas a conta de luz seguiria alta, claro.

Por Tiago Cordeiro
Atualizado em 22 nov 2019, 16h36 - Publicado em 21 nov 2019, 19h52

Usinas nucleares são fontes de energia limpa, de certa forma, já que simplesmente não produzem CO2, como as termelétricas. O problema são os acidentes radioativos, claro. Chernobyl que o diga. Já uma usina de fusão não traria esse risco. Uma usina assim fundiria átomos, em vez de rompê-los, como fazem as usinas nucleares de fissão. Trata-se de um processo infinitamente menos radioativo.

O combustível ali seria o deutério, uma variação do hidrogênio, que pode ser extraído a partir da água comum. Tudo muito limpo, seguro e altamente produtivo: bastaria fundir 5 litros de água do mar por hora para abastecer a demanda energética do Brasil inteiro.

A fusão nuclear é pesquisada desde os anos 1950 – ela está na base das bombas de hidrogênio, por exemplo. Mas, para gerar energia de forma controlada, o processo é bem mais complexo. Ainda assim, já sabemos gerar energia utilizando esse processo. Até mesmo adolescentes, como Jackson Oswalt, morador de Memphis, nos EUA, conseguiram produzir eletricidade fazendo fusão nuclear na garagem de casa.

Só tem um (grande) porém: a quantidade de energia elétrica utilizada para realizar a fusão é muito maior do que a gerada. Ou seja: ela é inútil como produtora de eletricidade. Centenas de pesquisadores e dezenas de empresas lutam para solucionar o problema. Alguns conseguiram obter quantidades ínfimas de rendimento positivo, mas nada que justificasse a implantação comercial de usinas de fusão. Se os (muitos) detalhes técnicos fossem resolvidos e tivéssemos máquinas de fusão nuclear eficientes, seria o paraíso: o mundo entraria em uma nova era, de energia limpa e virtualmente infinita.

Solução concreta

É triste, mas é a verdade. Depois de décadas aprimorando a geração de eletricidade a partir das fontes eólica e solar, nosso planeta ainda depende da produção suja. No mundo todo, 38% do total de energia consumida ainda vem da queima de carvão, seguida pelos 23% do também sujo gás natural. As fontes renováveis (hídrica, que reina no Brasil, mais a eólica e a solar) ainda respondem por apenas 23% do total, somadas.

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Por mais promissoras e mais ambientalmente corretas que sejam, as fontes eólica e solar não estão crescendo no ritmo de que o planeta precisa. Mesmo a China, que vem investindo pesado em painéis fotovoltaicos, ainda depende do carvão para gerar 14% de toda a sua cota continental de energia. A IEA prevê que, em 2040, os combustíveis fósseis somados ainda vão atender a 59% da demanda energética do planeta (que, aliás, continua crescendo).

Enquanto as fontes renováveis não conseguem tomar o posto de principais fontes de energia, o mundo continua queimando, ano após ano, perto de 8 milhões de toneladas métricas de carvão, que, em sua forma mais usada, a mineral, é extraído de minas. Dois terços de toda a extração do minério é aplicada em usinas de eletricidade.

Acontece que o minério não é renovável. No ritmo atual de consumo, se o aquecimento global não tornar o planeta inviável para a vida humana, a soma das fontes conhecidas de carvão vai durar no máximo mais 110 anos, na previsão da IEA. E 110 anos passam rápido. Ou seja: o cenário atual precisa de uma mudança drástica, uma nova forma de gerar eletricidade.

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E tem as usinas nucleares de hoje, claro. Atualmente, elas respondem por 10% da geração global, e poderiam minimizar os males da dependência de carvão. Mas o caso é que, a cada acidente de grandes proporções, como Chernobyl ou Fukushima, a indústria na qual Homer Simpson trabalha vê os investimentos despencarem, e os planos de expansão acabam nas gavetas. Com a fusão, que não traz riscos de tragédias nucleares, o cenário seria outro.

Plasma controlado

Uma usina de fusão deve simular o que acontece dentro do Sol. Para fundir átomos, é preciso gerar muito calor, no mínimo 15 milhões de graus Celsius. Nesse estágio, surge um quarto estado da matéria, o plasma, dificílimo de gerar e de manter. Depois de seis décadas de desenvolvimentos, alguns formatos de usinas foram testados. O mais comum é conhecido como tokamak, um acrônimo em russo para a expressão “câmara toroidal com bobinas magnéticas”.

Um tokamak tem a forma de um donut gigante, capaz de controlar o fluxo de plasma. Se esse for o formato consolidado para as futuras usinas de fusão nuclear, elas seriam edifícios de ao menos 30 metros de diâmetro, capazes de abrigar a estrutura que vai produzir o plasma.

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Construir algo assim, por enquanto, é caro: o maior tokamak conhecido, desenvolvido na França por um consórcio de países desenvolvidos, o International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER), já custou US$ 14 bilhões e ainda não está pronto. É de se imaginar que, mesmo que essas usinas passem a produzir mais energia decentemente e se popularizem, manter uma estrutura dessas não vai ser barato.

Mas o preço não significa que as usinas de fusão ficariam restritas a poucos países. O Brasil mesmo tem três tokamaks experimentais, inteiramente construídos por aqui, um na USP, outro na Unicamp e mais outro no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Enfim, quando (e se) a fusão nuclear se aperfeiçoar, teremos dado um passo gigantesco rumo à mitigação das mudanças climáticas. Mas os boletos da conta de luz seguirão salgados como sempre foram – certas coisas, afinal, não mudam nunca.

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