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No fundo do Brasil

O mergulhador e cinegrafista Lawrence Wahba conta como foi filmar a vida submarina de regiões ainda inexploradas da costa nacional.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h02 - Publicado em 31 mar 2003, 22h00

Valéria Lages

Poucos brasileiros conhecem as longínquas ilhas oceânicas nacionais de Trindade e Martim Vaz, os arquipélagos de São Pedro e São Paulo e atol das Rocas. Esquecidas na maioria dos mapas e perdidas no meio do Atlântico, a vida submarina das raras espécies de peixes e outros animais que vivem nessas regiões nunca havia sido filmada em detalhes. “Por serem tão distantes da costa, esses lugares têm ecossistemas riquíssimos, como oásis num verdadeiro deserto azul”, diz o cinegrafista submarino paulista Lawrence Wahba, que dirigiu dois documentários sobre os locais, reunidos no vídeo Expedição Brasil Oceânico.

Antes de conseguir filmar seu primeiro documentário independente, Os Segredos Submersos do Atlântico (fruto de uma travessia até a África numa escuna), Lawrence fez mais de 115 reportagens para a televisão. Desde então, ele foi co-produtor das séries Em Busca dos Grandes Tubarões, Dive Adventures, Planeta Oceano e Pantanal, tornando-se um dos maiores exploradores da vida submarina dos mares e rios brasileiros.

Instrutor de mergulho desde os 19 anos, ele falou à Super das surpresas que teve ao filmar nessas regiões e das situações perigosas que viveu em mais de 3 mil mergulhos em 26 países.

Qual é a sensação de mergulhar onde nunca ninguém esteve, como nos bancos oceânicos da ilha de Trindade?

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É gratificante viver no século 21, quando o homem já chegou até a Lua, e saber que há tantos lugares inexplorados no nosso planeta, principalmente no mar. Nunca houve expedição de mergulho, vídeo ou foto aos bancos Davis e Vitória, localizados entre 35 e 40 metros de profundidade nas proximidades da Ilha de Trindade. Essas regiões não estão demarcadas nem nas cartas náuticas. Nesse mergulho, me surpreendi ao encontrar três tubarões-lixa de mais de 2,5 metros de comprimento.

Além de peixes raros, a Expedição Brasil Oceânico registrou alguma espécie nunca antes catalogada?

A maioria das espécies que vivem nessas ilhas já havia sido catalogada, mas não documentada. Nosso objetivo era trazer essas imagens para o público. Nos arquipélagos de São Pedro e São Paulo, registramos uma espécie de peixe-borboleta, outra de donzelinha e uma de bodianos que só existem naquela região e foram catalogadas pelo biólogo Alastair Edwards, em 1982. Encontramos também peixes ciliares brancos e azuis, que ainda não foram estudados de maneira definitiva, e estamos agora esperando a confirmação para saber se essas espécies são novas ou apenas de cores diferentes.

Como você já havia mergulhado nessas regiõs anteriormente, percebeu alguma mudança na vida submarina?

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É perceptível a diminuição de tubarões e lagostas próximo da ilha de Trindade e dos arquipélagos de São Pedro e São Paulo. Acho que isso decorre do grande número de barcos pesqueiros na região. Também acredito que essas áreas sofram o reflexo da pesca industrial realizada em todo o Atlântico. O entorno desses arquipélagos deveria ser considerado reserva marinha e determinados tipos de pesca deveriam ser limitados. Feita de forma indiscriminada, a pesca ameaça espécies que só existem nesses locais. Já no atol das Rocas, a pesca foi desativada e as espécies começam a retornar. A reserva biológica é bem administrada pelo Ibama e a Marinha apóia a fiscalização feita pelos guarda-parques comandados por Zélia Brito.

Como é mergulhar no Pantanal?

Mergulhar em água doce é muito diferente. Afinal, você fica ao lado de animais como jacarés, piranhas e cobras, como a sucuri-amarela, que pode atingir 3 metros. O que mais me surpreendeu foi descobrir que a arisca capivara, maior roedor do mundo, salta no fundo dos rios em vez de nadar, como se pensava. Além dessa imagem, consegui outra cena nunca antes documentada: o grande peixe piraputanga esperando para se alimentar das frutas derrubadas das árvores por macacos-prego.

Como foi seu primeiro contato com os tubarões?

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Quando vi um tubarão pela primeira vez, aos 18 anos, em Fernando de Noronha, fiquei fascinado. É o mais perfeito ser do mar, líder na cadeia alimentar, com 400 milhões de anos de evolução. Enxerga muito bem devido a cristais de guanina nos olhos, tem o olfato apurado e ainda conta com tubos capilares no focinho que permitem detectar campos magnéticos como o da batida do coração de uma presa. Cheguei a passar cinco meses mergulhando ao lado desses animais.

Como manter o sangue frio ao mergulhar com tubarões?

No início, não sabia qual seria a reação do animal e meu coração quase saía pela boca. Uma vez, em Galápagos, devido à forte correnteza, demorei para chegar a uma zona protegida de recifes, onde os tubarões locais não atacam. Quando vi, estava cercado por mais de 20 deles. Nadei feito louco. Poucas horas depois, mergulhei de novo para não ficar encucado com os bichos. Até hoje, vi mais de 500 tubarões de mais de 40 espécies. Só em um mergulho nas Bahamas, eram 120. Aos poucos, fui conhecendo as espécies. O curioso é que um tubarão de 30 centímetros, como o charuto, pode ser perigoso, enquanto o tubarão-baleia, de 15 metros, maior peixe do mundo, é inofensivo, se alimenta apenas de plâncton.

Qual foi a situação mais arriscada que você passou como mergulhador?

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Foi em 1990, ao lado de amigos na chapada Diamantina. Mesmo sem técnica de mergulho em cavernas, descobrimos uma ligação subterrânea entre as grutas da Pratinha e Azul. Hoje sou mais responsável, mas nem sempre podemos controlar todos os fatores. No ano passado, nos arquipélagos de São Pedro e São Paulo, me deparei com o raro fenômeno das correntes descendentes. Ser empurrado para o fundo num local de 600 metros de profundidade é assustador. Tive que escalar as pedras submersas para voltar à superfície. Outra vez, mergulhando sem exergar quase nada nos rios escuros e lamacentos da Amazônia, dei de cara com um jacaré de mais de 3 metros. Já enfrentei também ciclone na Austrália, rabada de filhote de baleia, corte profundo de arraia e mordidas de polvo, garoupa e até de tubarão – ainda bem que usava luvas de aço. Mas acho que lidar com gente é mais perigoso do que com bicho. Perigo mesmo é sentir um revólver na cabeça. Várias vezes senti esse tipo de calafrio enquanto trabalhava. Em uma favela nas Bahamas, um homem quase me cortou ao meio com um facão porque não queria ser filmado.

Quais os melhores locais do mundo para se filmar embaixo d’água?

Gosto muito de Galápagos (Equador), Papua-Nova Guiné (Indonésia), Columbia Britânica (Canadá) e península Valdez (Argentina). O lago Baikal, na Sibéria (Rússia), o maior do mundo, foi uma surpresa. Apesar do inverno de 40 graus negativos, há muita vida que só existe ali, como as focas nyerpas. No verão, com água entre dois e quatro graus, fazia tanto frio que mal conseguia apertar os botões da câmera. O Brasil tem as praias mais bonitas do mundo, mas o Atlântico é pobre em diversidade. Meus pontos preferidos para mergulho no país são os arquipélagos de São Pedro e São Paulo, pela bela formação geológica, Parati e a baía da ilha Grande (RJ).

Lawrence Wahba

• Tem 34 anos, mora em São Paulo, torce pelo Santos e viaja sete meses por ano.

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• Instrutor de mergulho desde os 19 anos, já trabalhou como marinheiro, garçom e salva-vidas.

• Cursou oito semestres de cinema na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), em São Paulo.

Frase

“Mergulhar ao lado de tubarões em Fernando de Noronha é bem menos perigoso que o risco de ser assaltado com um revólver em São Paulo”

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