Gabriela Aguerre e Claudio Angelo
Acompanhe a SUPER na viagem mais contrastante do planeta: da paisagem idílica dos recifes de coral ao cenário pavoroso das trevas abissais.
Se peixe tivesse opção, qual desses dois lugares ele escolheria para morar? Um jardim cheio de plantas e animais ou um porão sombrio, onde raramente há alimento? A resposta é óbvia. Não precisa nem ser peixe para ficar deslumbrado com essa paisagem de sonho. Já o monstrinho esquisito aí à esquerda, flutuando no breu… humm, cruz-credo!
Os peixes não estão nem um pouco preocupados com a nossa opinião. Eles existem e adquirem uma determinada forma em conseqüência dos mecanismos de adaptação ao ambiente. Vamos conhecer, agora, como funcionam esses ecossistemas e olhar de perto os bichos que, com sua beleza e sua feiúra, tornam o mundo dos oceanos ainda mais fascinante.
Cenários opostos
No mesmo oceano convivem criaturas tão diferentes quanto estes dois peixes-borboletas dos corais e o peixe-víbora dos abismos
Um oásis azul, ao seu alcance
A imagem paradisíaca do mar como um lugar repleto de peixinhos coloridos, conchas e siris não é um sonho. Esse cenário existe de verdade, mas só num tipo bem particular de ecossistema: os recifes de coral. Eles estão para os oceanos como as florestas tropicais estão para a superfície terrestre. Verdadeiros santuários ecológicos, as regiões de corais abrigam um terço de todas as espécies de peixes.
Os recifes são estruturas enormes, que só prosperam em águas quentes, entre 20 e 30 graus Celsius. Compõem-se de imensas aglomerações de um bichinho chamado pólipo, com meio centímetro de diâmetro, em média. Os pólipos são seres rudimentares, sem cérebro nem coluna vertebral. Alguns são macios. Outros, duríssimos, têm um esqueleto à base de cálcio. Comem plâncton, que absorvem pela filtragem da água que passa por suas minúsculas bocas.
Os corais formam colônias que aumentam sem parar, pois os novos indivíduos se instalam sobre os esqueletos dos seus antepassados, já mortos. Em muitas espécies, os pólipos se reproduzem sozinhos. O filho é um clone que brota de um pedaço do corpo. Outros corais praticam o sexo, à maneira dos peixes. As fêmeas lançam os ovos na água, onde são fecundados pelo macho.
Durante muitos séculos, acreditou-se que os corais fossem vegetais. Quem descobriu que eram bichos foi o naturalista francês Jean-André Peyssonel, que começou a estudá-los em 1723. Quando apresentou suas conclusões à Academia de Ciências, em Paris, foi alvo de chacota. Mas o futuro lhe deu razão.
Hoje os recifes são o ecossistema marinho mais procurado pelos mergulhadores. Eles, em si mesmos, oferecem um espetáculo impressionante. A Grande Barreira da Austrália, o maior de todos os recifes de coral, com 2 800 quilômetros, supera em grandiosidade qualquer construção humana. Ela começou a se formar há 25 000 anos.
Esse incrível animal coletivo só encontra um inimigo: o homem. Por causa da poluição, mais de dois terços deles correm o risco de se extinguir no prazo de cem anos. Dez por cento já foram tão danificados que nada mais pode ser feito para salvá-los. Os 90% restantes ainda têm uma chance. Depende de nós.
O papagaio que não fala
Alguns peixes se valem dos recifes como abrigo, escondendo-se entre suas ramificações. Outros, os predadores, utilizam os corais como uma reserva de caça. Mas há uma espécie particular de peixe que se serve dos próprios corais como alimento. O peixe-papagaio usa sua mandíbula, com placas em forma de bico, para mordiscar pedaços de coral, que são digeridos em seu estômago superresistente. Outro peixe que come corais é o ouriço-do-mar, que parece um porco-espinho.
Feito miragem
As mais de 1 000 espécies de coral assumem formas inesperadas, numa paisagem de sonho. É até difícil acreditar eles são animais
Beleza ameaçada
A poluição já destruiu 10% dos recifes de coral. Se nada for feito, dois terços dos que ainda existem desaparecerão nos próximos cem anos
Para chamar a atenção
A cor indiscreta de alguns peixes serve para eles identificarem membros de uma mesma espécie ou, ainda, para reconhecer o sexo oposto
Flores do mal
Apesar da aparência inofensiva, estes pólipos escondem ferrões que paralisam suas presas
Quase neurônios
Nos sulcos do coral-cérebro vivem minúsculos crustáceos
Falsa samambaia
Os corais são formados por minúsculos animais. Mas alguns parecem plantas. Como este, do tipo estrela-emplumada
No pescoço
Os esqueletos dos corais vermelhos, como estes, espanhóis, viram jóias
Um animal coletivo
Corais de espécies diferentes se reúnem para formar colônias, que muitas vezes dão origem a recifes
Escovinha
Os pequenos tentáculos do verme-de-cerda marinho ajudam a segurar a comida que ele leva até a boca
Vem cá, bebê!
O peixe-pescador lança sua isca luminosa para atrair a larva do Anoplaster
Aparência diabólica
A boca do Anoplaster cornuta tem dentes proeminentes e superafiados para devorar qualquer criatura que passe na sua frente. Afinal, não é todo dia que aparece comida
Glutão insaciável
Esta enguia tem um estômago descomunal, para engolir presas com até o dobro do seu tamanho
Parque jurássico
Nas zonas abissais vivem parentes dos peixes primitivos, como este peixe-espada
Os bichos pavorosos da eterna treva
Autor da Divina Comédia, o poeta italiano Dante Alighieri (1265-1321) imaginou o fundo dos infernos como um lago gelado e escuro. Na Idade Média, época de Dante, os abismos marinhos ainda não eram conhecidos. Mas o inferno do poeta bem poderia ser um deles.
As zonas abissais são os ambientes mais inóspitos do planeta. A 4 000 metros de profundidade, as temperaturas ficam em torno de 2ºC o ano inteiro. A escuridão é total. A pressão da água é tão grande que esmagaria uma baleia. O leito do fundo é uma camada de limo composta de cadáveres de bichos e plantas da superfície. Nesse deserto infernal de água escura, os habitantes só poderiam mesmo parecer uns demônios. São os peixes abissais, criaturas monstruosas e vorazes que brilham nas trevas.
Seus corpos são disformes e transparentes, compostos quase totalmente de água para resistir à pressão, centenas de vezes maior do que a suportável por um mergulhador. Eles têm bocarras proeminentes, com dentes afiados como navalhas. Alguns têm estômagos e mandíbulas que esticam para abocanhar presas com até o dobro do seu tamanho. Devoram tudo o que encontram pela frente, sem dó. É a lei da sobrevivência. Como não há plâncton nos abismos, a comida é escassa. Sem saber quando será a próxima refeição, os demônios do mar procuram aproveitar ao máximo o que aparece ao seu alcance. Para fisgar as presas vale todo tipo de ardil. Espécies como o peixe-pescador têm um órgão luminoso na barbatana que atrai suas presas para a morte.
Além da falta de comida, esses animais também enfrentam dificuldades para encontrar parceiro. Isso explica os estranhos costumes sexuais de algumas espécies. O peixe-diabo, por exemplo, torna-se completamente dependente de sua cara-metade.
O macho, bem menor que a fêmea, gruda no corpo dela para o resto da vida, servindo apenas com um depósito de sêmen. Cada fêmea carrega três ou quatro machos, parasitas incapazes de sobreviver por si mesmos.
A luz nas profundezas
Os peixes abissais brilham igual aos vagalumes
A única luz das zonas abissais é a que emana dos corpos dos peixes e crustáceos. Eles têm células luminosas no estômago, nos olhos e em órgãos diferenciados do corpo, os fotóforos. Lá, a luciferina, proteína que também existe nos vagalumes, reage com o oxigênio e produz luz. Algumas espécies têm bactérias luminescentes no intestino.
As chaminés negras do abismo
As paisagens das regiões profundas do oceano trazem outras surpresas, além da aparência bizarra dos peixes abissais. Imagine a reação dos pesquisadores que, em 1977, a bordo do submersível Alvin, encontraram um dos ecossistemas mais malucos do mundo, a 2 500 metros de profundidade, nas ilhas Galápagos, no Pacífico.
Lá existem mexilhões gigantes, de até 30 centímetros, florestas de minhocões brancos de dois metros de comprimento, com tentáculos vermelhos e peludos, e incríveis chaminés vulcânicas expelindo enxofre. Elas foram a descoberta mais importante da biologia marinha do século XX. Ao redor das chaminés, a água chega a atingir até 300ºC. Por ali saem jatos de enxofre e partículas vulcânicas dissolvidas, que vão sendo depositadas nas rachaduras. Assim são formados os tubos. O enxofre e as partículas que vem do fundo colorem a água de preto. Por isso, receberam o nome de “chaminés negras”.
O enxofre também serve de alimento para as colônias de bactérias que habitam os minhocões, os vermes tubiformes gigantes. É a quimiossíntese, o processo que, na falta de luz, tornou-se a base da cadeia alimentar da comunidade que colonizou um dos pedaços mais infernais dos oceanos. Alguma dúvida?
Descoberta
Um submersível não-pilotado recolheu as primeiras amostras de uma chaminé negra em 1976, nos Galápagos
Comunidade
Minhocões brancos e compridos, de 2 metros de comprimento, habitam vulcões submarinos
Concha gigante
No interior do supermexilhão, há bactérias que produzem seu próprio alimento