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Vai de rodízio ou à la carte?

Em 2014, uma tendência se consolidou: produtos digitais estão cada vez mais sendo vendidos do mesmo jeito que a maioria das churrascarias serve carne: em sistema de rodízio. Mas isso não quer dizer que o modelo esteja decidido.

Por Pedro Burgos
Atualizado em 31 out 2016, 19h03 - Publicado em 1 dez 2015, 22h30

Não se sabe qual foi a primeira churrascaria a adotar o modelo “pague uma vez e coma o quanto quiser”, mas ninguém duvida de que foi uma grande ideia. Se o preço é justo, é bom negócio tanto para quem vende quanto para quem come. O mesmo modelo, depois de fazer sucesso com sushi e pizza, virou moda para vender filmes, música e outros conteúdos pela internet. É essa a aposta da Netflix, que já tem mais de 50 milhões de assinantes no mundo. As pessoas pagam uma mensalidade relativamente baixa (menos de R$ 20 por mês) e podem ver milhares de filmes e séries a hora que quiser no smartphone, no notebook, na TV ou no tablet.

O chamado serviço de streaming (do termo em inglês para “transmitir dados”) tem ajudado os estúdios a enfrentar a pirataria, e algumas pesquisas mostram que nos países onde o Netflix chega o tráfego ilegal de dados diminui. Ou seja: parece que as pessoas topam abrir mão do torrent ou do DVD de 5 reais se a alternativa legal for prática e barata.

O mesmo acontece com a música. Serviços como Spotify, Deezer e Rdio permitem ouvir dezenas de milhões de músicas, em alta qualidade, e baixar tudo para o celular por menos que o preço de um CD por mês. Alguns oferecem até a opção de acessar tudo de graça, com intervalos comerciais. Os artistas e a gravadora ganham dinheiro a cada execução de suas músicas – mais de 70% do faturamento do Spotify vai para o pagamento de royalties.

Parece a solução perfeita no mundo pós-CD. Parece. Mas nem todo mundo está feliz com esse novo cenário porque, mesmo com o crescimento dos serviços de streaming – o Spotify saltou de 10 para 15 milhões de assinantes em 2014 -, o faturamento da indústria musical continua caindo. Justamente porque muita gente que pagava à la carte pelos downloads em serviços como o iTunes, da Apple, passou a adotar o rodízio mais barato do Spotify. As vendas de música, em todos os formatos, movimentou em 2014 menos que a metade de dez anos atrás, o que é assustador.

Por isso, os serviços de streaming, que eram tidos como a salvação da indústria, começaram a ser vistos como vilões por alguns artistas. A principal porta-voz dos descontentes é a americana Taylor Swift. Ela foi a sensação da música pop do ano que passou: teve o clipe mais assistido do YouTube e, em uma época na qual quase ninguém compra álbuns, vendeu mais de 1 milhão de cópias apenas na semana de estreia de seu 1989. É a melhor estreia no mundo desde 2002.

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Dias antes de 1989 ser lançado, Taylor decidiu tirar suas músicas do Spotify, o que fez com que a única maneira legal de ouvir suas novas músicas fosse comprar o disco. O gesto não foi só uma sacada de marketing mas também um protesto. A cantora diz que o valor pago aos artistas pelos serviços de streaming é minúsculo: dependendo do contrato, entre US$ 0,006 e US$ 0,0084 (de 1 a 2 centavos de real). Um músico só consegue ganhar o equivalente a um salário mínimo nos Estados Unidos (cerca de 3.300 reais) se sua música tocar 4 milhões de vezes por mês no Spotify. Para ganhar o mesmo valor com CDs, bastaria vender 3.800 cópias.

O Spotify se defende, em seu blog, dizendo que já pagou mais de 2 bilhões de dólares em royalties e que, quanto mais assinantes houver, maior será o bolo a dividir entre os artistas. Ou seja, eles pedem paciência. E não só para os músicos, mas também para seus investidores, já que em oito anos de vida o site ainda não deu um tostão de lucro, o que gera dúvidas sobre a sustentabilidade da empreitada.

Do lado do streaming de vídeo, há outro tipo de problema: quanto mais gente assina o Netflix, mais caro fica para a empresa o acordo com as produtoras de filmes e séries. Não é à toa que o catálogo seja tão cheio de velharias – é o que dá para pagar. A produ- ção de séries próprias, como as aclamadas House of Cards e Orange Is the New Black, é na verdade uma necessidade – comprar os direitos para transmitir uma série de sucesso custa uma fortuna, mais caro que produzir. Para melhorar a oferta de novidades, o Netflix teria que cobrar mais. A empresa até fez esse experimento no último trimestre, aumentando sua assinatura em dois dólares. O resultado: nunca cresceu tão pouco, e suas ações caíram quase 30% nos últimos meses do ano.

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O Netflix pode, no fim das contas, ser só mais um canal de um novo tipo de TV, e não a solução para tudo. Em abril, a HBO deve estrear sua versão 100% por streaming, totalmente fora dos pacotes de TV a cabo. Não será barato, mas as pessoas poderão ver séries superproduzidas como Game of Thrones, ao mesmo tempo que passam na TV. No Brasil, a Globo tem um serviço semelhante, pago. O futuro pode ter, então, vários bufês – para diferentes paladares. E a turma de apetite grande vai ter que pagar muitas mensalidades.

O modelo rodízio agora está sendo testado com outros conteúdos. A Amazon lançou no Brasil no fim do ano passado um serviço de assinatura de livros digitais. Por 20 reais, o consumidor pode baixar o que quiser de um acervo de 700 mil e-books. A Sony apresentou em janeiro o PS Now: por 20 dólares por mês, o gamer desfruta de um catálogo de 102 jogos. A Abril, empresa que edita a SUPER, também está experimentando com o serviço de bufê – no iba Clube, por R$ 20, é possível baixar quatro títulos de revista por mês, em quantidades ilimitadas.

Esses novos serviços têm sido bem aceitos pelo público e estão tirando dinheiro dos equivalentes à la carte. O iTunes, talvez o maior deles, perdeu 13% das vendas no ano passado. Mas isso não quer dizer que o problema esteja resolvido. Antes de comemorar o sucesso, as empresas de streaming terão que arrumar um jeito de fazer a conta fechar. Há décadas, as churrascarias rodízio sabem que só há duas maneiras de fazer isso: cobrar mais do freguês ou diminuir a qualidade da comida.

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