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65 anos. Em cada perna

Muitos bebês deste fim de milênio chegarão brincando aos 130 anos. A ciência prevê descobertas para o próximo século que ajudarão a driblar a morte e garantir uma velhice com saúde e vitalidade.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h02 - Publicado em 31 mar 1999, 22h00

Carlos Dias

Quando a deusa da alvorada, Eos, pediu a Zeus que concedesse imortalidade a seu amado, Títon, ela se esqueceu de incluir um detalhe fundamental: a juventude. Seu desejo acabou sendo levado ao pé da letra e o príncipe de Tróia foi condenado a uma infinita velhice num corpo cada dia mais decrépito. A mitologia grega resume bem o desprezo da humanidade pela decadência que o tempo traz ao organismo. Ninguém quer uma longa existência a esse preço. A ciência, porém, está a ponto de converter a maldição de Títon numa bênção. Uma série de pesquisas está induzindo a formação de uma nova e numerosa geração de centenários do século XXI, aliviados do insuportável fardo da doença e da dependência.

“A probabilidade de chegar aos 130 anos, ou a até mais, é evidente e não tem nada de ficção científica”, disse à SUPER o físico americano Michio Kaku, professor da Universidade da Cidade de Nova York e autor do livro Visions, uma coleção de previsões espetaculares para o mundo nos próximos 100 anos. “Já existem sólidas e consistentes experiências em laboratório que certamente vão levar a descobertas capazes de fazer o ser humano atingir essa idade.”

Por trás da maior parte dessas pesquisas de vanguarda está a Genética. “Ela vai transformar toda a Biologia e a Medicina no começo do milênio”, afirmou à SUPER o prêmio Nobel de Química de 1980, Walter Gilbert, professor de Biologia Molecular da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Mas, ainda que a ciência não dê sequer um passo a partir de hoje, o mundo vai ficar muito mais velho de qualquer jeito. O que ela já fez nas últimas décadas é suficiente para que, pela primeira vez na História, o número de idosos ultrapasse o de jovens até 2050 – e, o que é melhor, com a saúde que Eos não pediu a Zeus.

Os caminhos em direção à quarta idade

Nem vai ser preciso esperar muito. Daqui a uns vinte anos, o médico vai lhe pedir um exame de sangue e, em vez de alguns números impressos numa folha de papel, você vai receber do laboratório um CD-ROM com o mapa completo de seus 100 000 genes. Esse “manual do proprietário” vai avisar sobre suas deficiências, como propensão a problemas cardíacos ou câncer, muito antes de elas terem a chance de se manifestar.

Isso poderia parecer delírio se não fosse dito pelo geneticista Walter Gilbert. Ele é considerado o pai do Projeto Genoma, que daqui a quatro anos deve concluir o mapeamento do código genético humano. “Até 2030, teremos medicamentos eficientes como o Viagra, só que para melhorar a memória, fortalecer músculos e ossos e revitalizar a pele”, prevê. É apenas o começo. Testadas em animais, pelo menos quatro linhas de pesquisas vão ajudar a estender a permanência do ser humano na Terra, criando, na prática, uma quarta idade. São estudos que procuram não só a prevenção e cura de doenças como também formas de interromper o processo natural de envelhecimento (veja infográficos na página 44). Segundo Kaku, em vinte anos será possível trocar de pele e de ossos, fabricados em laboratório com células do próprio paciente e, portanto, sem riscos de rejeição. “Até 2050, talvez a maioria dos órgãos possa ser feita em proveta”.

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Essa ousadia dos cientistas transpõe a marca tida como limite da longevidade humana. “Ao longo da História, há registros de gente com 120 anos, mas esse é apenas um número mágico, sem comprovação científica”, explicou à SUPER a professora de Genética Marília Cardoso Smith, da Universidade Federal de São Paulo.

Por enquanto, as experiências com animais são alentadoras. Os cientistas já dobraram o tempo de vida de moscas, macacos e ratos. “Em todos esses casos, ocorreu um aumento da vitalidade e uma melhora na saúde”, explicou à SUPER a microbióloga Judith Campisi, diretora do Departamento de Biologia Molecular do Laboratório Nacional Berkeley, do governo americano. “Eles parecem mais jovens do que os seus semelhantes com metade da idade”, acrescenta. “Não tenho por que duvidar de que se possa fazer o mesmo com o homem.”

Privilegiados

A Medicina já transformou o mundo do século XX praticamente dobrando a expectativa de vida. Só a penicilina – o primeiro antibiótico – deu uma enorme contribuição. Com o impacto adicional da queda nas taxas de natalidade, em 2050 os sexagenários vão ultrapassar os jovens com menos de 15 anos (veja o infográfico ao lado). Segundo a ONU, o número de centenários será dezesseis vezes maior. A população com mais de 80 anos vai se multiplicar por seis.

É claro que os maiores avanços beneficiarão primeiro os países industrializados e os ricos, capazes de pagar pelas conquistas da medicina de ponta. Já é assim hoje. Nos Estados Unidos, nove em cada dez idosos entre 65 e 74 anos de idade não têm problemas graves de saúde e 40% dos maiores de 85 são considerados plenamente funcionais.

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As conseqüências sociais são imprevisíveis. “As mudanças vão afrouxar a âncora fundamental de nossa existência, a mortalidade. Ela vai ser deslocada para a frente”, disse à SUPER Gregory Stock, professor de Medicina da Universidade da Califórnia. “Vamos ter de repensar a aposentadoria, as carreiras profissionais e até a estrutura familiar”, acrescentou. “Se isso vai ser bom ou ruim é um outro problema.”

“Até certo ponto, nós estamos brincando de Deus.”

Michio Kaku, professor de Física da Universidade da Cidade de Nova York

O Brasil esconde a idade que tem

Como alguém muito bem maquiado, o Brasil ainda consegue disfarçar a idade. Mas não será por muito tempo. “Em 2025 seremos o sexto país do mundo em idosos em números absolutos”, disse à SUPER o médico Norton Sayeg, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. “Isso significa quase 35 milhões de habitantes com mais de 60 anos.”

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Assim como no resto do mundo, não foi só a saúde da população que melhorou. O brasileiro também passou a pensar duas vezes antes de pôr uma criança no mundo. Com isso, o perfil da família sofreu uma profunda reviravolta em menos de trinta anos. De 1970 para cá, a média de filhos caiu de 5,76 para 2,24. Em compensação, o número de cidadãos com mais de 60 anos não tem parado de crescer. A atual crise econômica da previdência social já é um sinal disso.

O envelhecimento só não é maior porque a violência fere as estatísticas. Ela é responsável por um em cada quatro mortos. A situação é pior ainda entre os que têm entre 15 e 19 anos, em que a proporção é de dois para três. Em assassinatos, o Brasil só perde para a Colômbia, um país conturbado pela guerrilha e pelo tráfico de drogas. Isso rouba dois anos e meio da expectativa de vida, principalmente dos homens, que não passam em média dos 64 anos, enquanto as mulheres já chegaram a 71.

Apesar de tudo, estamos mesmo ficando mais velhos. Sayeg acredita que os avanços da ciência estão entre as principais causas, mas aspectos básicos, como a melhoria nas condições sanitárias e o aumento da escolaridade das crianças, também são determinantes. Alguns brasileiros superaram até a carência de cuidados médicos, como os nossos atuais centenários. “Boa parte é de ex-escravos ou filhos deles”, diz Sayeg. “Isso indica que a predisposição genética é o motivo dessa longevidade. Ela é capaz de superar a adversidade.”

Para saber mais

Visions, Michio Kaku, Anchor Books, Nova York, 1997

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Como e Por Que Envelhecemos, Leonard Hayflick, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1996

“O envelhecimento é uma conquista social.”

Norton Sayeg, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia

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Dois mundos num só planeta

Os países mais pobres vão envelhecer mais, mas continuarão a gerar mais crianças.

Nos países em desenvolvimento, o número de sexagenários crescerá nove vezes: passará de 171 milhões em 1998 para 1,6 bilhão em 2050.

Nos países mais atingidos pela Aids, na África, a expectativa de vida até 2015 será de 47 anos, dezesseis menos do que sem a doença. Ainda assim, a taxa de natalidade será maior que a de mortalidade.

Até 2050, um em cada três europeus terá mais de 60 anos. A população vai entrar em forte declínio. A França terá 150 000 entenários, um aumento de 750 vezes em 100 anos.

Muito avô para pouco neto

Até 2050, o mundo terá, pela primeira vez na História, mais velhos do que jovens.

No ano que vem, o número de idosos vai ultrapassar o de jovens nos países desenvolvidos. Em 2050, o fenômeno atingirá o mundo todo.

Bem antes disso, porém, os principais efeitos já começarão a ser sentidos. Em 25 anos, a população mundial com mais de 60 anos de idade terá crescido 88%, contra um aumento de apenas 45% dos indivíduos em idade de trabalho. Isso significa que haverá muito menos trabalhadores para sustentar e cuidar dos aposentados.

O fio da meada

Quatro pesquisas começam a desvendar os segredos da juventude.

Receita no bombril

Toda célula humana tem 46 cromossomos como este. Eles reúnem até 100 000 genes, feitos de moléculas de DNA (abreviatura em inglês de ácido desoxirribonucléico) embaraçadas como bombril. Cada gene é composto por um par de seqüências de DNA, entrelaçadas. A combinação de todas elas forma o código genético – em que os cientistas acreditam que a receita do envelhecimento esteja escrita. Trata-se de decifrá-la. E mudar as instruções.

DNA da velhice

Genes que carregam o estigma da decadência física já foram identificados.

1. Tarefa única

Um gene pode ter milhares de pares de bases nitrogenadas. Com elas se escreve o código que ordena a produção de uma única proteína, com uma missão específica no organismo. A troca de uma única base – a chamada mutação – pode causar uma mudança radical no funcionamento do organismo.

2. Genes mutantes

Os geneticistas acreditam que existam cerca de setenta genes ligados diretamente à velhice. Quatro já foram descobertos. Todos eles disparam doenças de envelhecimento ao sofrer uma mutação.

3. O avesso da doença

Um dos quatro, o gene chamado WRN, deflagra a síndrome de Werner, que gera osteoporose, arteriosclerose e morte aos 30 anos. Outro é o gene da progéria, doença fatal que causa senilidade na infância. Os cientistas querem saber como os genes mutantes agem. Decifrando como a velhice precoce atua, entenderão como funciona o processo normal. E poderão controlá-lo.

Dieta antiferrugem

Os benefícios duradouros da redução das calorias.

O chamado estresse oxidativo é um resultado natural do processo de produção de energia no organismo. Batizadas de radicais livres, certas moléculas enferrujam as células e danificam até o DNA. O organismo produz substâncias para combatê-los, os antioxidantes. Com o tempo, porém, os radicais livres vencem a batalha, causando o desgaste e a morte da célula. A redução no consumo de calorias diminui esse efeito. A receita médica de antioxidantes – vitaminas como A, C e beta-caroteno – e a restrição calórica aumentam em 30% da sobrevida de ratos.

Freio no tempo

A Genética quer saber das células como elas fazem para prolongar sua existência.

Frágil proteção

Todo cromossomo tem nas extremidades uma capa chamada telômero, que ajuda a proteger o par de moléculas de DNA. Quando uma célula se divide para criar uma nova, cada cromossomo se separa também, desfazendo essa ponta.

Prazo de validade

O problema é que, a cada divisão, uma parte do telômero é perdida e jamais recuperada, deixando uma falha na extremidade do cromossomo. Após cerca de cinqüenta divisões, nada mais resta e a célula morre.

Atrasando o relógio

A telomerase é uma enzima que reconstitui o telômero. Toda célula tem potencial para fabricá-la, mas não faz isso, exceto as cancerosas (que proliferam escontroladamente). A ciência tenta achar um meio de forçar essa produção, atrasando o relógio biológico sem provocar um tumor.

Peças sobressalentes

Cientistas americanos descobriram o caminho para os órgãos de proveta.

Sementes

As células primordiais (também chamadas de células-tronco) dão origem às demais do organismo. Retiradas de embriões e isoladas, podem ser cultivadas em proveta.

Curativos

A idéia é usá-las como “remendos” em órgãos lesados por doenças. “Isso pode dar até mais quinze anos a diabéticos”, disse à SUPER o autor da descoberta, o professor James Thomson, da Universidade de Wisconsin, em Madison.

Fôrma biológica

Até 2050, espera-se que essas células possam ser usadas para a criação de órgãos inteiros, cultivados em moldes. Fígado e rins deverão ser os primeiros.

O velho país do futuro

Nos últimos trinta anos, a população brasileira mudou radicalmente de perfil

O envelhecimento é uma decorrência direta do bem-estar social. Hoje, a maior expectativa de vida no país é a da região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul): 70,4 anos. A menor é a do Nordeste (Maranhão,Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia): 64,8 anos. Daqui a cinqüenta anos, o número de velhos com mais de 60 será maior que o de jovens com até 14 anos.

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