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A Olimpíada não tem graça nenhuma

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h12 - Publicado em 31 jul 2004, 22h00

Marcos Nogueira*

Situações em mês de Olimpíada:

1. Tito Lívio, militar reformado de Belo Horizonte, acorda sobressaltado e corre para buscar o jornal. Engole suas pílulas anti-hipertensivas antes de checar o quadro de medalhas. Irritado, exclama para si mesmo: “Diabos! Precisamos ganhar uma prata para passar à frente dos argentinos!”

2. Raimundo, marido de Maria de Fátima, do Ceará, reclama do bolo solado que lhe foi servido no café da manhã. Enquanto ela batia a massa, sua atenção fora desviada pela TV, que exibia uma prova eliminatória dos 200 metros com barreiras. O competidor brasileiro, de quem dona Maria nunca ouvira falar, tropeçou e chegou em penúltimo lugar.

3. O telejornal dedica quatro minutos à comovente história de Agneta, forte candidata a vencer a maratona. Apesar de correr sob as cores do reino da Suécia, ter deixado a Rocinha aos 4 meses de idade e só conhecer as palavras portuguesas “obrigado” e “saudade”, essa simpática negra diz que o Brasil mora em seu coração. Força, Agneta, o país inteiro torce por você!

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Não tenho nada contra o esporte. Admiro o entusiasmo de quem de fato está envolvido, direta ou indiretamente, com as competições olímpicas. Nem por isso pretendo surfar na onda de euforia bêbada que quebra por estas praias quando o verde-e-amarelo dá as caras em ginásios, piscinas e velódromos.

Nos jogos de Sydney, fui azucrinado porque não via sentido em perder madrugadas de sono com provas de arremesso de sei-lá-o-quê. O horário grego é mais camarada, mas isso não significa que vou ligar a TV e descobrir que a nação deposita todas as suas esperanças em um velejador de sobrenome escandinavo que, até uma semana antes, era quase desconhecido do público – para quem tanto faz se o atleta em questão pilota um catamarã ou a barca Rio-Niterói. Se ele ganhar medalha, parabéns. Minha vida segue como se nada tivesse ocorrido.

Mas, para boa parte da população, aparentemente algo acontece. É o tal “espírito olímpico”. O que seria isso? No site do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), ele é relacionado às seguintes palavras: “compreensão mútua, amizade, solidariedade e fair-play”. Ainda segundo o COB, “o Movimento Olímpico se fundamenta na liberdade civil e política, na solidariedade para o desenvolvimento do mundo e na igualdade da ordem econômica, social e cultural”. Bonito, não? Vimos uma amostra disso em Moscou, 1980, quando os Estados Unidos resolveram boicotar os primeiros jogos disputados em solo socialista. Também em Los Angeles, 1984, quando os soviéticos deram o troco e não enviaram seu time só para ofuscar a festa americana. Vemos, falando sério, que esse belo discurso tem efeito nulo no mundo ao redor do circo olímpico.

Seria mais honesto se o “espírito olímpico” fosse vendido como competitividade, gana de superar os inimigos numa espécie de guerra mundial em que não fosse preciso matar ninguém. Mas nem isso cola. O desmoronamento do bloco socialista levou junto suas fábricas de atletas. A Olimpíada ficou parecida com a Fórmula 1 na era Ferrari: só dá Schumacher – ou, no caso, Estados Unidos. Não tem graça nenhuma.

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Resta-nos assistir aos jogos pela simples emoção do esporte. Agora, convenhamos: você sabe dizer, ao ver imagens de uma regata, qual barco lidera a prova? Você é capaz de avaliar se o desempenho da ginasta romena foi melhor que o da eslovena? Não sei o número de brasileiros que realmente têm essa capacidade. Só sei que metade do país vai explodir em indignação se Daiane dos Santos não levar ouro. Mas, tudo bem, logo saberemos que um paulistano de origem nipônica papou todas no tênis de mesa. O orgulho nacional está salvo.

Repito: não torço contra os atletas brasileiros. Simplesmente acho fora de propósito que toda a população se cubra de glórias com os m��ritos alheios.

Não quero saber da Olimpíada. Sou minoria. Quase todo mundo, movido pelo “espírito olímpico”, vai sintonizar a TV nos jogos. E, ainda imbuída desse espírito atlético, muita gente vai se convencer de que precisa de um tênis com solado air-flex-power-system, daqueles próprios para corredores – mas que acabam sendo gastos nos corredores do shopping center.

*Editor da Super, faz natação porque é o único esporte olímpico que se pratica deitado

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