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Alemanha, o país do futebol

Eles tiraram o futebol do país da lama para transformá-lo no mais organizado e poderoso do mundo. Estádios lotados e novos craques despontaram de uma filosofia simples: o papel social do esporte é mais importante que qualquer troféu

Por Guiliherme Pavarin
Atualizado em 2 fev 2017, 18h20 - Publicado em 5 set 2013, 22h00

No comecinho dos anos 2000, o grandalhão Oliver Bierhoff era o maior – e bota maior – símbolo do então apático futebol alemão. Experiente, corpulento, de canelas longas, pouca técnica e quase nenhuma movimentação, o centroavante abusava dos seus 1,91 m para finalizar as jogadas do único jeito que sabia: pelo alto, entre os zagueiros, cabeceando firme para dentro das redes. O movimento era repetido à exaustão. Jogo a jogo.

Na Eurocopa de 2000, na Bélgica, os alemães sentiram a limitação bater na ponta das chuteiras. Atirados em um grupo com equipes fortes – Inglaterra, Portugal e Romênia -, caíram logo na primeira fase, marcando apenas um ponto e um gol. Vexame para uma camisa tricampeã mundial, que já tinha vestido Franz Beckenbauer, Karl Rummenigge, Paul Breitner. “Estávamos pensando exatamente como vocês brasileiros pensam hoje: que não precisávamos aprender nada. E fomos jogando cada vez pior, pior e pior”, resumiu o próprio Breitner numa entrevista recente para o canal ESPN Brasil. Mas a queda em 2000 fez os alemães acordarem. Autoridades foram a público e tornaram o desempenho da seleção assunto de estado. O governo traçou um plano ambicioso: em uma década, a Alemanha deveria voltar a ser uma potência futebolística.

A missão, afirmaram os governantes, era fazer com que a população voltasse a se encantar com o esporte. O país, então, botou a mão no bolso. Em pouco mais de 12 anos, investiu cerca de US$ 1 bilhão em academias e centros de treinamentos para jovens. A ideia era usar esses CTs públicos para ensinar futebol com uma receita em duas medidas: 50% habilidade, 50% força – em vez dos 200% força que a seleção vinha aplicando.

Quem cuida de tudo lá é a DFB (Associação Alemã de Futebol), a CBF deles. Ligada ao governo, a associação alemã é dona de 366 centros futebolísticos. Desde 2001, crianças de 9 a 17 anos desenvolvem seus talentos em academias perto de suas casas, sem vínculo com clubes. Cerca de mil técnicos treinam 25 mil jovens. A DFB, na verdade, é tudo o que a CBF não é. A nossa Confederação Brasileira de Futebol é um órgão privado, e não possui nenhum projeto de formação de jogadores além das seleções de base (sub-15, sub-17 e sub-20), que só pinçam jovens talentos que já treinam em algum clube. E tem a corrupção – os escândalos se avolumam há décadas.

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Enquanto isso, na Alemanha, a DFB tratou de reformar a Bundesliga – o campeonato nacional deles. A primeira foi impor uma política financeira rigorosa. Os clubes passaram a ter que enviar, três vezes ao ano, atestados de orçamento positivo. Analisados um a um, os casos deveriam seguir à risca um livro de 200 páginas que especifica normas financeiras.

Se aprovados, ok, podem jogar a liga. Do contrário, W.O.: perdem pontos e, se a “infração” administrativa for grave, nem entram em campo. Assim, nenhuma extravagância, como contratar um Neymar, poderia ser feita sem que o clube desse garantias de poder efetuar o pagamento. Tal controle foi capaz de praticamente extinguir as dívidas das equipes locais. Dos 30 times da Bundesliga, só dois têm dívidas. E o gasto com salários não passa de 50% da receita dos clubes; em outros países, o valor chega a 70%. No Brasil, a dívida dos 20 maiores clubes é de R$ 4 bilhões. Na Inglaterra, de R$ 11 bilhões.

Com esse pacotão, a missão alemã estava clara: gerar novos talentos e nutrir o futebol deles numa competição sustentável. Hoje, 13 anos depois, os resultados são sólidos. Bayern e Borussia Dortmund, dois dos grandes clubes da nação, foram os finalistas da Champions League, o principal torneio interclubes do mundo. Como numa boa lavoura, proliferam novos craques. Mario Goetze, de 20 anos, André Schürrle, de 22, mais Marco Reus e Thomas Müller, de 23, são alguns nomes que fazem Bierhoff e seus antigos companheiros parecem praticantes de outro esporte. Para completar, a liga do país tem o melhor público do mundo, média de 45 mil pessoas por jogo (40% são mulheres). Só a torcida do Borussia Dortmund tem média de 80 mil (!) por jogo. É uma final de Libertadores no Maracanã a cada domingo – coisa inédita na história do futebol. Não tem comparação: média de público do Brasileiro é 15 mil pessoas. A da segunda divisão alemã é de 17 mil. Nossa média, aliás, é só a 13º do mundo, atrás de China e EUA.

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O fato é que nenhum país trata o futebol tão a sério quanto a Alemanha. E não é só para tentar ganhar troféus. Quando eles propuseram uma revolução no futebol, a justificativa foi a seguinte: só a bola seria capaz de unir a nação.

Faz mais sentido do que parece. A Alemanha é o terceiro país com mais imigrantes no mundo (atrás de EUA e Rússia). Mais de 20% dos 82 milhões de habitantes da Alemanha são ou imigrantes ou filhos de imigrantes. Num país onde até não muito tempo atrás era preciso ser “ariano” para ser cidadão, isso poderia virar um caldeirão de intolerância. Às vezes até vira. Mas o futebol ajuda a manter a coisa em fogo baixo, justamente porque nada na Alemanha abraçou mais imigrantes do que o futebol.

O Bayern de Munique, por exemplo, é um arco-íris étnico. No time mais tradicional da Alemanha, tem negro, branco, moreno, narigudo, careca, black power… Se botar o uniforme do Bangu nos caras, vira tudo carioca. Uma combinação de fazer Hitler revirar no túmulo – e, junto com as iniciativas que vimos aqui, de tornar a Alemanha tetracampeã no Brasil, o país da corrupção no futebol.

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