Como uma luva
Conheça o delicado bordado cirúrgico que fez do transplante uma alternativa para quem perdeu a mão.
Ivonete D. Lucírio
Após 15 horas de centro cirúrgico, a nova mão do paramédico Matthew Scott começou a ganhar cor – sinal de que o sangue estava circulando pelas artérias e veias recém-ligadas. A equipe festejou. Scott, de 37 anos, podia jogar fora a prótese que usava há treze anos, desde que sofreu um acidente com fogos de artifício.
Realizada no dia 25 de janeiro no Centro Médico de Louisville, cidade americana no Estado de Kentucky, a operação era a segunda, em quatro meses, que transplantava com sucesso a mão de um doador morto. A primeira aconteceu em setembro de 1998, na França. O paciente era o presidiário neozelandês Clint Hallam. “A sensibilidade de Scott deve demorar ainda alguns meses para voltar”, explicou à SUPER Gordon Tobin, da equipe que fez a cirurgia (veja o infográfico).
Apesar do resultado fascinante, nem todos os médicos estão certos de que transplantes assim valem a pena. “Temos, aqui no Brasil, todas as condições para realizar uma operação igual”, diz o cirurgião Marcus Castro Ferreira, do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Ele é autor de uma série de reimplantes de mão, que usam a mesma técnica microcirúrgica, embora com o órgão do próprio paciente. “Mas antes precisamos discutir as complicações que ela traz.” De fato, Scott terá que tomar drogas contra a rejeição para sempre. São remédios que reduzem a expectativa de vida, diminuem as defesas do organismo e aumentam o risco de doenças como o câncer linfático. “É um preço alto a ser pago por algo não vital”, diz o ortopedista Ronaldo Azze, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Tobin discorda: “Achamos que a melhora na qualidade de vida do paciente compensará os perigos”. Só Scott, porém, vai poder dizer quem está com a razão.
Ataque ao estranho
O corpo não reconhece como seu o órgão transplantado e dispara o processo de rejeição.
1. Quando o cérebro se dá conta do corpo estranho, manda a medula produzir mais linfócitos, células de defesa, que são enviadas para a mão pela corrente sanguínea.
2. Os soldados atacam as células não reconhecidas e começam a destruí-las. São tantos que às vezes chegam a entupir os vasos sanguíneos.
3. O resultado é que o tecido morre. Por isso, o processo tem de ser revertido com medicamentos, tomados diariamente e para sempre.
Ligações delicadas
Os cirurgiões uniram vários tipos de tecidos, cada qual com funções diferentes.
1. A parte dura
O braço do doador foi cortado na medida para se encaixar perfeitamente. Primeiro ligaram-se os ossos com fios grossos de metal, parecidos com pinos, que depois foram retirados.
2. Ajuste fino
A parede das artérias tem só 0,4 milímetro de espessura. Para costurá-la usou-se um fio de náilon de 0,03 milímetro de diâmetro. Por isso – e para fazer pontos bem juntinhos –, a área precisou ser ampliada em trinta vezes com um microscópio.
3. A chave do movimento
A emenda do tendão, de 1 centímetro de diâmetro, é menos delicada. Mas deve ser muito resistente para não arrebentar com o movimento. O fio tem 3 milímetros e os pontos são feitos em forma de U.
4. Caminho de volta
Juntar as veias é a parte mais árdua. Ao contrário das artérias, suas paredes são moles e mais finas ainda (menos de 0,4 milímetro). Como não têm músculos, tendem a grudar.
5. Recuperação lenta
Com os nervos, o principal cuidado é não costurar tipos diferentes, um motor com um sensitivo. Feita a identificação, religam-se quatro feixes de cada um dos grupos. Eles vão se regenerar no máximo 1 milímetro por dia.
6. Toque final
Na última fase, a pele foi costurada como em outras cirurgias.