Engordar, pecar, sofrer
Como a biologia e a sociedade se juntaram para complicar uma época que deveria ser simples: os seus 30 anos
Texto Marina Bessa
Você se olha no espelho e sabe: seu rosto já não é mais o mesmo. Não com aquele viço, com aquela firmeza. Nem 15 horas seguidas de sono são capazes de apagar as olheiras e, reparando bem, suas expressões já começam a fazer pequenos vincos na pele. O joelho tem dado problema após duas partidas seguidas de futebol e qualquer duas caipirinhas deixam um estrago gigantesco. Elas fazem o dia seguinte – de trabalho, claro – parecer interminável. E você não pode desistir, não pode ir embora pra casa. Você precisa produzir para conseguir um aumento, você tem contas para pagar, quer ganhar dinheiro para viajar pelo mundo e sustentar uma família… Você não é mais criança: você já passou dos 30.
Era assim que a americana Elizabeth Gilbert se sentia quando decidiu escrever o livro Comer, Rezar, Amar. Ela tinha muitos planos, muitos sonhos, muitas dúvidas. Estava na idade de ter filhos, mas não queria. Deveria estar feliz no casamento, mas não estava. E, aos 34 anos, não era mais hora de terminar tudo, pedir demissão e tentar recomeçar a vida amorosa do zero. Será que não? Depois de dezenas de noites chorando no banheiro e muitas sessões de terapia, tomou coragem, largou tudo e tirou um ano sabático para reencontrar o prazer, a devoção e o equilíbrio da vida. Parece um drama bobo. Mas o livro de Elizabeth já teve mais de 5 milhões de cópias impressas em 36 línguas e está há mais de 20 semanas entre os mais vendidos do Brasil. Ela só queria contar a sua história, mas acabou falando com milhões de pessoas que também estão passando por uma crise. A crise dos 30 anos.
Isso é uma novidade. Até meados do século 20, esse conflito existencial não chegava antes dos 40 – idade que marcava a metade da vida, quando alguém passava a ser considerado velho e deveria ter todos os problemas, pessoais, financeiros e profissionais, resolvidos.
Mas esse limite está mudando. Os pesquisadores americanos da Fundação MacArthur que conduziram o projeto Network on Successful Midlife Development (“Rede de Pesquisas do Desenvolvimento da Meia-Idade Bem-Sucedida”) já consideram que ingressar na década dos 30 pode ser o começo da crise da meia-idade.
Tudo por causa da transformação sofrida nas últimas décadas: o mundo ficou mais rápido, mais tecnológico, mais especializado, mais ambicioso e muito mais competitivo. Os jovens viraram os detentores do conhecimento – a idade deixou de ser sinal de sabedoria e passou a simbolizar atraso. “Isso gera uma pressão muito grande, vinda tanto da sociedade como das nossas próprias inquietudes”, diz Gladeana McMahon, psicóloga britânica e co-diretora do Centro de Gerenciamento de Estresse em Londres. Essa constante cobrança para sermos ricos, bonitos e plenamente felizes se transforma em conflito quando percebemos que estamos, na verdade, envelhecendo.
O corpo
As mudanças biológicas são as primeiras a ser percebidas. “A 3a década de vida marca o término da fase de desenvolvimento do corpo”, diz Wilson Jacob Filho, do serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Até aqui, atingimos o máximo que o nosso corpo poderia dar. E aí começa o processo de decadência.
Claro que o susto não vai ser assim, repentino. A queda é lenta e gradual, mas também impossível de ser interrompida. Alguns pesquisadores defendem que as mudanças são ocasionadas por alterações sofridas nas células, que perdem a capacidade de se reproduzir. Outros acreditam que as implicações do envelhecimento são decorrentes de uma desorganização hormonal, causada por alterações no sistema endócrino.
Esse fenômeno, que depende exclusivamente do tempo, é chamado pelos médicos de senescência – na verdade, uma série de acontecimentos bem complexos e cercados de mistérios. Como a evolução pode ter favorecido um processo que, no fim de tudo, levará a nossa morte?
Muitos cientistas se dedicaram a formular uma explicação convincente. Na década de 1950, o Prêmio Nobel de Fisiologia Peter Medawar chegou à conclusão de que a força da seleção natural diminuía com o tempo. A lógica era a seguinte: como em um ambiente hostil e perigoso vence quem se reproduz primeiro, a evolução favoreceu aqueles indivíduos com qualidades manifestadas logo no começo da vida e defeitos que só apareciam depois de passada a fase crítica da competição. O resultado foi que, ao longo do tempo, ficamos fortes e vigorosos nas primeiras décadas e passamos a enfraquecer e adoecer ao longo dos anos.
Thomas Kirkwood, biólogo do Instituto de Envelhecimento e Saúde da Universidade Newcastle, na Inglaterra, pensou em outra hipótese e a publicou na década de 1970. Segundo ele, o organismo é obrigado, desde cedo, a fazer escolhas. Onde deve investir as suas energias: no crescimento do corpo e nas capacidades reprodutivas ou na manutenção e no reparo dos tecidos? Se quiser sobreviver à seleção natural, tem que ir na primeira opção. Mas, a longo prazo, isso vai ter um preço alto: o acúmulo de lesões celulares e moleculares que não foram consertadas durante a vida levará à sua destruição.
As conseqüências disso tudo são bem mais fáceis de ser compreendidas: as células já estão desgastadas ou não são produzidas com a mesma destreza. A queda da produção de colágeno, a proteína que dá firmeza e elasticidade à pele, é marcante – principalmente para as mulheres. “Nosso corpo atinge o auge da produção de colágeno aos 25 anos. A partir dos 30, há uma perda discreta e progressiva”, afirma a dermatologista Ligia Kogos. Claro que o seu estilo de vida – o quanto você fumou, bebeu e tomou sol – faz diferença. Mas o fato é que menos colágeno significa pele mais fraca, mais fina, mais flácida. Em outras palavras: rugas, olheiras, celulite.
Nos homens – que possuem mais colágeno e têm a pele mais grossa – as rugas podem demorar mais para aparecer. Já a careca… Aos 30, os genes ligados à calvície tiveram bastante tempo para se manifestar. E, se em ambos os sexos o cabelo começa a perder volume devido à dificuldade em se renovar, nos homens há uma agravante: a ação progressiva do hormônio masculino testosterona atrofia os folículos pilosos, bem na raiz dos fios, enfraquecendo-os e levando-os à queda.
A mesma lógica vale para o rendimento nos esportes. A capacidade respiratória máxima dos pulmões, ou a quantidade de sangue que o coração pode bombear por minuto, diminui com o tempo. Como se não bastasse, o desgaste das cartilagens, a diminuição da massa muscular e o envelhecimento dos tecidos tornam as lesões mais freqüentes e difíceis de curar.
Mas é melhor não desistir da ginástica, porque você terá muito mais facilidade para engordar. A partir da 3a década de vida, há um declínio na produção de derivados de hormônios masculinos, que ajudam na fabricação dos músculos. “Dos 30 aos 65 anos, pode-se perder até 25% da massa muscular”, diz João Toniolo Neto, geriatra e professor da Unifesp. Assim, o metabolismo corporal diminui sensivelmente. Toda a energia até então utilizada na manutenção daquela massa muscular passa a ser desnecessária. Quem continua comendo como antes começa a estocar o excesso de calorias em forma de gordura na barriga ou onde menos convier. Por isso dificilmente você voltará a ter aquele abdômen definido da adolescência, mesmo que puxe muito mais ferro que naquela época.
A queda do metabolismo também interfere na resistência ao álcool. “Como o corpo leva mais tempo para se recuperar, ficamos mais expostos à intoxicação”, diz Toniolo. Acha muito? Pode ser pior.
A culpa
Quando você notar que o seu corpo não é mais o mesmo, vai olhar pra trás e se dar conta de que 3 décadas da sua vida já passaram. Mais outro tanto e você terá 60 anos. Para muitos, é a primeira sensação concreta de mortalidade. Você vai sentir na pele que o tempo passa, que algumas escolhas importantes já foram feitas e que você pode estar sofrendo as conseqüências de não ter se dado conta de que a vida não se ajeita sozinha.
Aos vinte e poucos anos tem-se a impressão de que as coisas têm um fluxo natural: primeiro, você começa a trabalhar e construir uma carreira de sucesso. Então, na hora certa, você conhecerá alguém, se casará e, lá pelos 30 anos, começará a pensar em ter filhos. Só que, para boa parte das pessoas, os 30 anos chegam e muitas peças ainda estão desencaixadas. E só aí a ficha começa a cair. Lia Macko e Kerry Rubin descrevem bem essa sensação no livro Midlife Crisis at 30: How the Stakes Have Changed for a New Generation – And What to Do About It (“Crise da Meia-Idade aos 30 Anos: Como os Parâmetros Mudaram para a Nova Geração – E o Que Fazer a Respeito”, ainda sem tradução para o português). “É como na época da faculdade, quando a gente se dá conta de que não vai dar tempo de escrever as 20 páginas que têm que ser entregues no dia seguinte. E você percebe, em pânico, que precisa de mais prazo. Mas com quem você poderia negociar um adiamento do prazo de amor e felicidade?”, escrevem.
A sensação é de culpa – por ter deixado sua vida chegar até aqui sem nenhum planejamento – e urgência – para retomar seu controle o mais rápido possível. É isso que faz, segundo os pesquisadores da Fundação MacArthur, os “ritos de passagem” da vida adulta ser tão estressantes. Gladeana concorda. “A crise é desencadeada por questões internas que procuram responder se a vida que se está levando é aquela idealizada”, diz. E com uma agravante: a dificuldade em perceber quando termina a juventude e começa a vida adulta. Se na década de 1980 os jovens saíam de casa para conquistar seu espaço antes dos 20 anos, hoje, aos 30, ainda moram com os pais. Essa é uma realidade cada vez mais comum nos lares da classe média brasileira. Uma pesquisa feita pelo geógrafo do IBGE Arlindo Mello revelou que 29% dos adultos com mais de 30 anos da cidade do Rio de Janeiro ainda não precisam se preocupar em arrumar a casa, passar a roupa ou pagar as contas. Nesses casos, a comodidade que, em um primeiro momento, dá a impressão de prolongar a juventude, faz o choque da vida adulta ser ainda maior e mais angustiante.
Por trás do adiamento dessa ruptura, está a exigência do mercado: é preciso gastar mais tempo estudando. “Os jovens sentem que hoje é mais difícil se posicionar se não estiverem preparados”, avalia Tânia Zagury, filósofa e mestre em educação.
As angústias
A primeira conseqüência é clara: o aumento da taxa de escolaridade está diretamente relacionado à postergação do casamento e aos planos de ter filhos. De acordo com o IBGE, mais de 60% das brasileiras entre 20 e 29 anos com ensino superior não são casadas. Nos EUA, os dados são ainda mais reveladores. Na década de 1960, as americanas com ensino superior se casavam, em média, aos 23 anos. Hoje, se casam aos 28. Quando casam. Desde a década de 1970, o número de mulheres solteiras entre 30 e 34 anos triplicou. E, assim, os bebês demoram a nascer. Naquela época, a maioria das mulheres com formação superior tinha seu primeiro filho antes dos 30 anos. Hoje, elas engravidam depois dessa idade.
E aí começa uma corrida contra o relógio. Biologicamente falando, 30 anos é a idade-chave para engravidar. A partir daí, os óvulos começam a envelhecer e a gravidez torna-se mais difícil e mais complicada. Dos 18 aos 40 anos, a chance de um óvulo ser fecundado cai de 30% para 5% (veja o gráfico na pág. xx). Isso explica o aumento pela procura das clínicas de fertilidade nos últimos 20 anos. “O ideal é que as mulheres não deixem para ter filhos muito depois dos 30 anos. Se elas estiverem no mercado de trabalho, precisam cavar espaço para a maternidade”, diz Roger Abdelmassih, médico especialista em fertilidade.
Preocupação muito diferente da que tinha a trintona descrita por Balzac em A Mulher de 30 anos, no começo do século 19 – uma senhora no ápice de sua maturidade, mas envelhecida e sem grandes expectativas de mudanças na vida, que deu origem ao termo balzaquiana. Ele mal imaginava que o papel da mulher mudaria tão profundamente no século seguinte. Para as mulheres nascidas no final da década de 1970 e início da década de 1980, as principais questões pessoais – casamento, maternidade e carreira – foram esticadas e acumuladas para além da barreira dos 30 anos.
E não é apenas uma crise feminina. Enquanto as mulheres tentam descobrir o segredo para equilibrar perfeitamente desejos e conquistas, os homens sofrem com a pressão social para continuarem sendo o provedor da família.
Tarefa cada vez mais difícil. De acordo com estudo da Fundação Carlos Chagas, em 2002 havia 25 milhões de pessoas a mais no mercado de trabalho em relação a 1976. A maior parte delas, mulheres. “Pressionado a acompanhar o sucesso feminino, o homem sente uma cobrança prematura, ao mesmo tempo em que a sociedade espera a estabilidade profissional que antes só acontecia aos 40”, explica Mariana Schwartzmann, psicóloga da Unicamp.
Dá pra resumir tudo em uma única palavra: tempo. Enquanto mostra que você está envelhecendo e precisa aproveitar cada minuto, ele o enche de cobranças para serem resolvidas rapidamente. Na verdade, é apenas um grande ciclo que se encerra na vida. A notícia boa é que vai passar. A ruim: logo, logo, vem o próximo.
Seu corpo aos 30 anos
As conseqüências concretas do processo de envelhecimento
Olheiras
Como a produção de colágeno diminui, a pele fica mais fina e deixa transparecer os vasinhos da região dos olhos.
Rugas
Também por falta de colágeno, a proteína que dá firmeza à pele, o rosto ganha rugas e marcas de expressão.
Manchas
Aos 30 anos, o acúmulo da radiação ultravioleta já começa a dar sinal na forma de manchas na pele.
Óvulos
A mulher nasce com 2 milhões de óvulos, mas esse número diminui ano a ano. Se aos 20 anos há 30% de chance de engravidar, aos 30, há 18%.
Celulite
As fibras que ligam o músculo à pele começam a endurecer. E a tendência a acumular gordura realça os furinhos criados por essa tração.
Calvície
A ação progressiva da testosterona atrofia e enfraquece os folículos pilosos, aumentando a tendência de queda.
Gordura
O ritmo metabólico diminui: a tendência é aumentar o percentual de gordura no corpo e ganhar peso.
Ressaca
O metabolismo do fígado também fica mais lento, aumentando a intensidade e a duração das ressacas.
Testosterona
A diminuição da produção do hormônio testosterona reduz o desejo sexual e aumenta a perda de massa muscular e a fadiga.
Lesões
Com menos músculos, há mais lesões. Como os tecidos cartilaginosos perdem elasticidade, a capacidade de recuperação diminui.
Para saber mais
Comer, Rezar, Amar
Elizabeth Gilbert, Objetiva, 2008.