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Guga e o zen-budismo

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h12 - Publicado em 31 ago 2004, 22h00

Paulo Nogueira*

Guga tem que parar urgentemente de falar na sua cirurgia e nos seus quadris. A mídia tem que parar urgentemente de perguntar a ele sobre a cirurgia e os quadris a cada derrota. A monomaníaca obsessão de ambas as partes por esse assunto pode acabar com a carreira de Guga muito antes do que seria razoável. Guga ainda é um jogador espetacular, capaz de bater qualquer um em qualquer tipo de quadra num dia bom. Apenas já não é o número 1 do mundo.

O problema de Guga não é físico. É psicológico. Mental. Você vê Guga se mexer como antes. Chegar a bolas difíceis. Contra-atacar. Agüentar jogos de vários sets e várias horas. Isso quer dizer que ele está bem. Mas eis que ele perde uma partida e recomeça a ladainha deletéria sobre os quadris. A mídia brasileira que cobre tênis mostra falta de imaginação ao não conseguir mudar a conversa e publicar, basicamente, sempre as mesmas linhas. Também aí parece haver um problema psicológico e mental.

Esportistas como Guga vivem com dores fortes. Faz parte do ofício. Oscar do basquete dizia que acordava com dores e dormia com dores. Ana Moser do vôlei também. Rivaldo contou que sentiu uma dor excruciante no momento em que disparou um chute que se converteu num gol decisivo na última Copa do Mundo. Uma atleta que ganhou medalha de ouro na Olimpíada da Grécia disse que a dor que sentiu no final da competição era quase que insuportável. Não há como competir sem dor. Esse milagre não existe, não no mundo de hoje.

Isso levanta outro ponto que merece debate. Esporte, no nível de atletas como Guga, há muito deixou de ser sinônimo de saúde. Para enfrentar a dor é preciso tomar analgésicos e antiinflamatórios em doses que minam a saúde. Paga-se mais tarde o preço pelo consumo intenso de produtos químicos. A combinação desses medicamentos antidor com drogas que melhoram o desempenho é um crime contra a saúde.

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Esporte já não é saúde. Esporte é dor. Sacrifício. Você pode se perguntar por que atletas multimilionários continuam a suportar tudo isso. Dinheiro, e muito, já lhes sobra. O que falta, quando se retiram, é a luz, o refletor, o assédio da mídia, os pedidos de autógrafos. A primeira página dos jornais. Não existe nada mais morto do que uma celebridade aposentada. É preciso ter uma enorme carga de sabedoria para lidar bem com o esquecimento. Atletas que se incomodam com as solicitações estridentes da mídia e do público tendem a se incomodar ainda mais com o sumiço dessas solicitações. A dor no corpo costuma ser menos agressiva que a dor na alma.

Guga parece exceção nesse quadro. É possível imaginá-lo feliz em sua Florianópolis, surfando com os amigos e ouvindo Bob Marley em vez de treinar sete horas por dia. Dá até para vê-lo na arquibancada num jogo ao acaso do seu Avaí. Mas tudo isso pode e deve esperar. Guga, que para o tênis brasileiro tem a relevância de Pelé para o futebol ou Ayrton Senna para o automobilismo, é um jogador excepcional com muita estrada pela frente. Desde que vença a obsessão com o quadril. Outros grandes tenistas contemporâneos passaram por problemas físicos não menos desafiadores e estão aí brilhando nas quadras. Tim Henman operou o ombro, logo ele que joga à base de saque e voleio. Isso quer dizer que seu ombro é exigido o tempo todo. Depois da cirurgia Henman vive o melhor momento de sua carreira. Marat Safin ficou afastado quase um ano das quadras e está fazendo uma temporada excelente. Juan Carlos Ferrero vem tendo complicações físicas: sequer pôde defender dignamente seu título em Roland Garros. Mas está combatendo o combate.

Sugiro ao técnico de Guga, Larri Passos, que proíba a seu pupilo a seguinte frase: “Antes da contusão eu …” Guga era um tenista formidável antes da contusão e continua a ser um tenista formidável depois da contusão. O desafio é se livrar do passado. E viver, como pregam os zen-budistas, o aqui e agora: disparando sua imortal esquerda paralela, a maior que o tênis já viu em todos os tempos, contra adversários que não estão atados ao passado.

*Paulo Nogueira, dono de um tênis cerebral, é o Ivan Lendl da Abril. Além disso, é nosso chefe.

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