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Leite materno: a bebida mais valiosa do mundo

Conheça as vantagens da amamentação, os principais obstáculos de colocá-la em prática e a importância do equilíbrio entre a saúde do bebê e o bem-estar da mãe.

Por Amarílis Lage
Atualizado em 18 set 2020, 11h25 - Publicado em 18 abr 2018, 12h54

Todo mundo já ouviu falar dele e sabe que ele é o melhor alimento que um recém-nascido pode receber. Mas o que é exatamente o leite materno?

A questão é mais complicada do que parece. Sabe-se que grande parte dele é água, especialmente no início da mamada. À medida que o bebê mama, o leite vai se tornando cada vez mais gorduroso. E, além de água e gordura, a receita leva vitaminas, açúcares, substâncias anti-inflamatórias, sais minerais, células-tronco e até microRNA. “Ainda estamos começando a entender tudo o que ele contém”, afirma o epidemiologista Cesar Victora, um dos pesquisadores mais renomados do mundo sobre o tema da amamentação.

Foi Victora, professor emérito na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que liderou, na década de 1980, o primeiro estudo do mundo a mostrar que a amamentação exclusiva (sem chazinho, sem água) até os seis meses de idade reduz em 14 vezes o risco de morte por diarreia e em 3,6 vezes o risco de óbito por infecções respiratórias.

Uma das explicações está justamente na composição mágica do leite da mãe, que não só fornece os nutrientes necessários ao crescimento da cria como tem substâncias capazes de protegê-la contra infecções. É o caso dos oligossacarídeos. Até pouco tempo atrás, não se entendia o porquê da presença desse açúcar no leite, já que ele não é absorvido pelo corpo do bebê. “Seu papel é atender as bactérias do microbioma, favorecendo o desenvolvimento de um tipo de flora essencial para um sistema intestinal saudável”, afirma Victora.

Replicado em outras partes do mundo com resultados semelhantes, o estudo da UFPel levou a Organização Mundial da Saúde a divulgar, em 1990, a Declaração de Innocenti, orientando o aleitamento exclusivo até os seis meses de idade.

Novos trabalhos mostram que o impacto da amamentação continua a ecoar ao longo da vida adulta, influenciando fatores como a tendência à obesidade, o QI, a escolaridade e até a renda. É o que mostrou uma pesquisa feita pela equipe de Pelotas, que acompanhou a saúde de todas as crianças nascidas em 1982, 1993 e 2004 na cidade gaúcha.

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Comparando bebês que mamaram por menos de um mês com os que mamaram durante um ano, os que mais mamaram tinham, aos 30 anos, quatro pontos a mais no score de QI, quase um ano a mais de escolaridade e uma diferença de renda de cerca de R$ 340. O estudo isolou dez variáveis sociais e biológicas (como escolaridade e renda dos pais, tipo de parto, tabagismo materno, entre outras) para garantir o rigor da análise e definir exatamente o papel do leite materno nesse contexto. O resultado foi publicado em 2015 pela revista científica The Lancet.

A ciência vem mostrando que a amamentação é benéfica também para as mães, que ficam mais protegidas contra o câncer de ovário e de mama. A cada ano que a mulher amamenta, o risco de que venha a desenvolver câncer de mama cai 6%. Segundo o American Institute for Cancer Research, isso ocorre porque a lactação induz um padrão hormonal único associado a um período de amenorreia (ausência de menstruação), o que reduz a exposição da mulher a variações hormonais associadas a esse tipo de tumor.

Além disso, amamentar ajuda a recuperar o peso pré-gestação e também facilita a superação da depressão pós-parto, afirma a pediatra Honorina de Almeida. Conhecida como dra. Nina, ela é uma das fundadoras da Casa Curumim, espaço especializado em aleitamento materno em São Paulo, que presta atendimento a famílias que precisam de um suporte extra para viabilizar a amamentação.

Mas, se amamentar é algo natural, por que tantas mulheres sofrem com esse processo? E, se é de graça e traz tantos benefícios, por que menos de 40% dos bebês de países em desenvolvimento recebem aleitamento exclusivo até os seis meses? No Brasil, segundo a II Pesquisa de Prevalência do Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e DF, de 2009, o tempo médio de aleitamento exclusivo é de 54,1 dias — menos de dois meses.


Problemas e soluções

MAMILOS PLANOS OU INVERTIDOS
Podem dificultar o início da amamentação, mas não necessariamente a inviabilizam. Algumas estratégias ajudam a aumentar o mamilo, tais como compressas frias, sucção com bomba manual e uso de conchas.

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LEITE EMPEDRADO
Esse ingurgitamento patológico deixa a mama muito distendida e dolorida. Recomenda-se ordenhar um pouco os seios antes da mamada, só o suficiente para amaciá-los e facilitar a pega, massagear as regiões afetadas, aplicar compressas frias e usar um sutiã firme. Analgésicos e anti-inflamatórios podem ajudar.

CANDIDÍASE
Infecção por fungo que gera coceira e sensação de queimadura e agulhadas nos mamilos. Se o problema surgir, é preciso tratar a mãe e o bebê simultaneamente. Chupetas e mamadeiras podem favorecer a volta da infecção, por isso, elas devem ser fervidas diariamente.

MASTITE
Processo inflamatório no tecido mamário que pode evoluir para uma infecção bacteriana. Relacionada à estagnação do leite, causa dor, vermelhidão, febre alta e calafrios. Casos mais graves exigem antibióticos ou mesmo drenagem cirúrgica.

Fonte: Ministério da Saúde


Maternidade e vida moderna

“Para responder a essas questões é preciso resgatar uma série de mudanças sociais ocorridas ao longo da história da humanidade”, afirma o pediatra Roberto Issler, membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria.

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Em comunidades primitivas, a experiência da maternidade era vivenciada de forma coletiva, e não tão individualmente como ocorre hoje. Dessa forma, a comunidade amparava a nova mãe e passava para ela conhecimentos sobre o ato de amamentar. Adotava-se rotineiramente o leite compartilhado, que comprovadamente ajuda no sucesso da amamentação (embora seja um tanto polêmico por conta do risco que oferece à segurança do bebê). Além disso, a taxa de fecundidade era muito mais elevada: a cada filho que nascia, a mulher acumulava experiência.

Décadas atrás, vários desses elementos ainda davam o tom da vida familiar no Brasil. Em 1960, 55% da população era rural e cada casal tinha em média seis filhos, segundo dados do IBGE. Em 2015, 85% dos brasileiros viviam em áreas urbanas e a taxa de fecundidade era de menos de dois filhos por casal. E caindo. Ou seja, é bem provável que a mulher que se torna mãe hoje não tenha convivido com outras lactantes, não conte com o suporte direto de outras mulheres da família e viva a experiência da amamentação apenas uma vez em toda a vida. Isso sem falar que muitas delas precisam voltar ao mercado de trabalho quatro meses após o parto.

“Nesse contexto, o profissional de saúde acaba se tornando a principal, senão única, fonte de informação e apoio para a lactante”, comenta Issler, citando a importância da Iniciativa Hospital Amigo da Criança. Criada em 1990 pela OMS e pela Unicef, ela estabelece dez medidas fundamentais para a promoção do aleitamento materno e conta, atualmente, com mais de 300 hospitais habilitados no Brasil. “Quando eu estava na faculdade de medicina, não se dava importância a informações que hoje são consideradas básicas para o sucesso da amamentação”, lembra Cesar Victora.

Também relevante e preocupante é a relação do profissional de saúde com a indústria alimentícia. “Existe muita pressão sobre os pediatras, que recebem patrocínios de viagens, congressos, conferências. Embora os médicos não admitam, há, sim, uma influência perniciosa que não pode ser ignorada”, alerta o pesquisador. Estamos falando aqui de um mercado bilionário: no ano 2000, as vendas globais de fórmulas substitutas do leite materno totalizavam US$ 18,6 bilhões. Em 2014, esse número chegava a US$ 44,8 bilhões.

A percepção da fórmula como uma opção moderna, um sinal de prestígio para mulheres urbanas (em oposição à amamentação, vista como uma prática pouco sofisticada ligada às camadas mais pobres da população), é um dos fatores que levaram à desvalorização do aleitamento materno ao longo do século 20. Foi uma escolha direcionada pelo estilo de vida, e não pela saúde – e que, nos últimos anos, tem se invertido, mas não sem enfrentar todo um outro conjunto de obstáculos.

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Em busca da pega correta

O fato é que quem decide amamentar o rebento enfrenta problemas práticos, físicos, habitualmente desafiadores e raramente esperados. “Uma das grandes dificuldades do início da amamentação diz respeito à pega do bebê. As mães acham que é normal sentir dor e demoram muito a buscar apoio”, afirma a pediatra Honorina de Almeida.

O que é uma boa pega? Aquela em que o bebê abre bem a boca e coloca a língua para fora, de modo a abocanhar grande parte da aréola. Quando o recém-nascido persiste em uma pega errada, acaba machucando a mãe e não consegue retirar o leite que precisa. Irritado e faminto, não desgruda do peito, ferindo ainda mais os mamilos. E assim se inicia um círculo torturante para o bebê e, especialmente, para a mãe.

O uso de chupeta e mamadeira também pode tornar essa fase mais difícil, afirma Honorina. “Todos os estudos mostram que o risco de o bebê desmamar é muito maior se ele usa chupeta e mamadeira. Isso porque, para mamar, ele precisa jogar a língua para fora, abrir a boca e usar todos os músculos da face para ordenhar a mama. Para sugar a mamadeira, o movimento é oposto: ele coloca a língua para trás e fecha um pouco a boca, usando apenas os músculos ao redor da boca. Muitos bebês confundem esses dois movimentos.” A chupeta induz ao mesmo movimento da mamadeira e ainda pode atrapalhar a ingestão de leite — o choro que se acalma com a chupeta pode ser um sinal de fome que vai passar despercebido. Esses fatores, muitas vezes, comprometem o ganho de peso nas primeiras semanas de vida, aumentando o risco de prescrição médica de fórmula.

Existem, sim, casos excepcionais, em que o aleitamento é prejudicado por motivos fisiológicos. É o caso de mulheres com hipogalactia (dificuldade para produzir leite) ou que passaram por cirurgias para a redução das mamas.

Um estudo realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul com 49 mulheres submetidas à mamoplastia redutora mostrou que, um mês após o parto, elas tinham um risco nove vezes maior de não praticar amamentação exclusiva do que as mulheres do grupo-controle (que não haviam passado por esse procedimento). Quatro meses após o parto, elas tinham dez vezes mais chance de ter interrompido a amamentação. Em casos assim, é necessário usar todos os recursos possíveis para alimentar adequadamente o bebê — e que bom que existem alternativas. Mas essas estratégias demandam uma avaliação personalizada e especializada.

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Dicas para uma pega correta

O desconforto no início do aleitamento pode estar relacionado ao posicionamento do bebê durante a mamada

POSIÇÃO DA MÃE
Sentada, recostada ou deitada? Todas são adequadas. O importante é que ela esteja confortável.

POSIÇÃO DO BEBÊ
Além da tradicional, ele pode ficar sentado sobre a perna da mãe, com o pescoço apoiado, na posição conhecida como cavaleiro. Seu corpo deve estar junto do corpo da mãe, de frente para ela, bem apoiado, com a cabeça e o tronco alinhados e os braços livres.

SEGURANDO A MAMA
A mão fica no formato da letra “C”. Coloque o polegar acima da aréola e todos os outros dedos e a palma sob a mama. Não faça a posição de tesoura, pois isso gera um obstáculo entre a boca do bebê e a aréola.

BOCA DE BOCEJO
A boca do bebê deve estar abaixo do mamilo. Encoste o mamilo no lábio superior do bebê e espere que ele abra a boca, na tentativa de alcançar o peito. Quando estiver com a boca bem aberta, como se estivesse bocejando, é hora de pegar o peito.

COMO CONFERIR
O pescoço do bebê deve estar levemente estendido, o queixo encostado na mama, os lábios virados para fora (boquinha de peixe) e o nariz livre. Ele deve abocanhar a aréola, e não só o bico do seio. E a aréola, idealmente, fica mais aparente acima da boca do bebê.

Fontes: SBP e Ministério da Saúde

Até quando?

Se todos os obstáculos foram vencidos, a próxima questão pode ser: quando desmamar? A OMS recomenda que o aleitamento prossiga até a criança completar 2 anos de idade. Mas por que, uma vez que a essa altura a criança já fala, corre, tem dentes e come toda a variedade de alimentos? “É um erro pensar no leite materno como uma mera comida”, afirma Cesar Victora. “Ele é uma substância viva, que atua em diversos sistemas do nosso organismo.” Naquele estudo que investigou a relação do leite materno com QI, escolaridade e renda, ele observou que, quanto maior a duração da amamentação, melhores os resultados obtidos.

E isso faz sentido se nos compararmos com outras espécies de mamíferos. A antropóloga americana Katherine Dettwyler traçou um paralelo com base em diversas variáveis na vida de primatas, tais como duração da gestação, da infância (do nascimento até a erupção do primeiro dente permanente) e da fase juvenil (até a erupção do último dente permanente).

Sua conclusão é que, do ponto de vista biológico, o desmame natural do ser humano deveria ocorrer a partir de 2,5 anos de idade. A idade máxima para o desmame de humanos, ainda de acordo com o padrão observado entre outros primatas, seria 7 anos — quando a chegada dos dentes permanentes facilitaria a trituração de alimentos. O que faz com que bebês sejam amamentados por poucos meses em várias sociedades, segundo Dettwyler, é o aspecto cultural — incluindo aí a percepção dos seios como objeto sexual — e a vida profissional da mulher, que é difícil de conciliar com amamentação, especialmente nos primeiros meses.

É claro que não vivemos mais na selva: o contexto sociocultural e econômico não pode ser ignorado, e isso inclui reconhecer mudanças no padrão reprodutivo, na estrutura familiar, na alimentação, no mercado de trabalho. Por isso, não há uma resposta definitiva para o momento do desmame. Uma coisa, no entanto, parece certa: não há por que se preocupar com o risco de dependência emocional relacionada à amamentação. “Quem trabalha com desenvolvimento infantil sabe que isso não é um problema”, diz Issler. “Mas o pediatra deve ir além e investigar também a qualidade da vida conjugal, o apetite da criança, a disposição e vida social da mãe.”

Entendidos os benefícios da amamentação, há de se procurar um meio-termo entre a saúde do bebê e o bem-estar físico e emocional da mãe, já que o aleitamento exige muito da mulher. O que se espera é que ela tenha dados e espaço para fazer suas próprias escolhas. “A amamentação é um direito da mulher, não uma obrigação”, conclui Issler.

Usar ou não usar?

1. PROTETORES FLEXÍVEIS
Usados sobre a aréola especialmente em casos de mamilo plano ou invertido. Ainda não há provas de que eles sejam seguros para a manutenção da lactação. Por isso, a indicação é que seu uso seja limitado e temporário.

2. RELACTADOR
Uma sonda ligada a um copo com leite é fixada no seio da mãe. Indicado para situações em que a mulher não produz leite suficiente. Com ele, o bebê continua a praticar a sucção, que, por sua vez, estimula as mamas a aumentar a produção de leite.

3. PROTETORES ABSORVENTES
A melhor opção para lidar com vazamento de leite — papel higiênico e lenços deixam a pele muito molhada. Podem ser descartáveis ou reutilizáveis. Atenção: se ele aderir à pele, é preciso molhá-lo antes de retirar, para não ferir o seio.

4. LANOLINA
Não deve ser vista como estratégia preventiva para dor e traumas nos mamilos. Caso haja lesões extensas ou que não melhoram após ajustes na posição do bebê, aí sim a lanolina pode ser recomendada. Não precisa ser removida antes das mamadas.

5. CONCHAS
Estas peças são usadas sob o sutiã, com o intuito de ajudar o mamilo a projetar-se para a frente durante o período da amamentação. Elas ajudam a proteger os mamilos com fissura e a drenar o excesso de leite, que causa dor e dificulta a pega do bebê.

Fontes: SBP e Ministério da Saúde

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