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Na linha de chegada

A ciência do esporte reconhece que o corpo humano encosta em limites decisivos. Daqui para a frente, os ganhos nas marcas olímpicas serão muito pequenos - e os recursos para chegar a eles, perigosos demais.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h08 - Publicado em 28 fev 1999, 22h00

Carlos Dias e Flavia Natércia, com Roberto Wüsthof, de Hamburgo

A pouco mais de um ano das últimas Olimpíadas do século, os grandes atletas do mundo nunca estiveram tão longe de bater um recorde. Por mais que se torça o nariz para o fato, a magnífica máquina do corpo humano está chegando aos seus limites. As próprias competições olímpicas mostram isso. Nos Jogos de Seul, em 1988, nada menos que 75 marcas foram quebradas. Quatro anos depois, em Barcelona, o número caiu para 21. Em Atlanta, despencou para apenas treze. O que vai acontecer no ano que vem em Sídnei, na Austrália?

Por mais que se façam testes, há tantas variáveis no desempenho de um esportista que qualquer previsão teria o valor de uma loteria. Mas basta olhar a evolução das marcas ao longo dos anos para perceber que os recordes caem com dificuldade cada vez maior, sempre por frações de tempo ou de espaço quase infinitesimais (veja o infográfico). Para alguns cientistas do esporte, essa lenta queda é, por si só, uma prova de que não há como ir muito mais longe.

“O limite biológico do motor humano já foi alcançado em diversas modalidades”, afirmou à SUPER o cardiologista Wildor Hollmann, chefe do laboratório de medicina do esporte da Escola Superior do Esporte de Colônia, na Alemanha, um dos mais renomados centros internacionais de estudo sobre o assunto. “Daqui para a frente poucas marcas serão superadas.” O fisiologista Stephen Seiler, do Instituto do Esporte de Agder, na Noruega, concorda. “Se descontarmos os ganhos produzidos por pistas, sapatilhas e técnicas de treino, sobra muito pouco de avanços fisiológicos”, disse ele à SUPER. É por isso que os cientistas não param de produzir novos recursos capazes de melhorar, ainda que de maneira quase insignificante, a performance dos super-homens. O mínimo, para os atletas de hoje, é simplesmente o máximo.

Encurtando o passo

A comparação dos tempos de cinco recordistas olímpicos em um século da prova dos 100 metros rasos mostra que o avanço é cada vez menor. Donovan Bailey, medalha de ouro em Atlanta, em 1996, teria deixado Thomas Burke, campeão em 1896, quase 22 metros para trás.

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O calcanhar-de-aquiles dos super-homens

Se você pudesse usar todos os seus cerca de 650 músculos ao mesmo tempo, ergueria sem sacrifício 25 toneladas. Já o halterofilista russo Andrei Chemerkyn, medalha de ouro em Atlanta, sofreu para levantar 457,5 quilos. Isso quer dizer que ainda há muito chão pela frente? Não. A diferença de mais de cinqüenta vezes não está no potencial da musculatura, mas sim na sua capacidade de fabricar e armazenar combustível para movê-los. A situação é particularmente decisiva nas corridas.

Acompanhe. Todo movimento depende de uma molécula chamada adenosina-trifosfato (ATP). A sua quebra libera energia para as contrações musculares. Aqui começa o primeiro limite do corpo: o estoque de ATP é pequeno, mesmo para quem treina muito. Os atletas que disputarão a final dos 100 metros rasos em Sídnei vão liquidar o seu em cerca de 8 segundos, quase 2 antes do final da prova. A partir daí, começarão a desacelerar. Tanque vazio. Nem adianta forçar.

Quanto mais se exige do músculo além do que ele pode, mais fibras ele usa para o mesmo esforço. Isso aumenta a chance de lesão. Medalha de bronze nas Olimpíadas de Atlanta nos 100 metros rasos, o brasileiro André Domingues teve uma lesão na coxa no campeonato mundial de 1994, ao lado do recordista mundial, o jamaicano naturalizado canadense Donovan Bailey. “Fiz uma arrancada tão forte que cheguei a estar vários metros à frente dele”, disse Domingues à SUPER. “Mas levei seis meses para voltar às pistas.”

Falta de fôlego

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Provas longas exigem muito oxigênio. É na presença dele que a glicose é queimada para produzir energia. O treinamento consegue aumentar um pouquinho a capacidade de aproveitamento do oxigênio pelos músculos, mas não indefinidamente. É o segundo limite, determinado pela medida fisiológica chamada VO2 max: o volume máximo de oxigênio consumido pelo organismo a cada minuto. Ele é proporcional ao peso do corpo e depende da capacidade de bombeamento do coração e de um bom sistema de irrigação sanguínea (veja infográficos). “Uma revisão da literatura médica dos últimos vinte anos mostra que os valores de VO2 máximo se estabilizaram”, explicou à SUPER o médico Turíbio Leite, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “O limite, tudo indica, já foi atingido.” Se há esforço extra, o corpo o bloqueia com dor. Se o atleta teimar, o músculo pode se romper. Não há como vencer o embate. André Domingues que o diga.

Aparato ajuda a conquistar ninharias

A esta altura do campeonato, você pode estar pensando que muitos atletas planejam pendurar as sapatilhas. Nada disso. A ameaça de o fôlego chegar ao fim dá o que fazer aos cientistas do esporte. Eles trabalham duro na invenção de recursos tecnológicos para ganhar frações de centésimo de segundo. André Domingues sabe bem disso. Depois da lesão pelo esforço exagerado, ele foi parar num aparelho esquisito, o dinamômetro isocinético. Essa máquina mede com precisão a força e a potência musculares, ângulo por ângulo. Não escapa nada.

“Acabei descobrindo que tinha 20% menos força na perna machucada do que na outra”, lembra. A partir daí, começou o trabalho para desenvolver o que a genética havia negado a ele. “Passei por fisioterapia, ultra-som e corda elástica”, conta. Dois anos mais tarde, subiu ao pódio em Atlanta.

Trabalho de equipe

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“Foi-se o tempo em que o treinador era um ex-atleta que repetia com seu discípulo a receita que funcionou para ele”, disse à SUPER o professor Julio Serrão, do Laboratório de Biomecânica da Universidade de São Paulo. Nos bastidores atuais da competição, há psicólogos, fisiologistas, nutricionistas e fisioterapeutas. “Não é mais possível fugir de equipes multidisciplinares”, afirma o professor Aylton Figueira Junior, do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (Celafiscs), na Grande São Paulo.

Todos esses especialistas, equipamentos e acessórios (veja o infográfico) têm um parceiro importante: a genética. “Entre 50% e 70% da capacidade física de um esportista já nascem com ele”, afirma Wildor Hollmann. Em alguns casos, essa herança é tão generosa que todo o resto se torna desnecessário. Um exemplo é o do maratonista brasileiro Ronaldo da Costa, que derrubou no ano passado, em Berlim, uma marca inabalável desde 1988. “Se a ciência do esporte fosse a única responsável pelos resultados, os Estados Unidos não perderiam nenhuma medalha”, disse à SUPER o fisiologista Antonio Carlos da Silva, da Unifesp. Ele tem razão. Mas milagres como o de Ronaldo são exceções que confirmam a regra. A maioria dos atletas tem, sim, que recorrer à tecnologia. Com o fantasma do limite rondando, qualquer fraçãozinha de segundo é bem-vinda.

Para saber mais

The Ergogenics Edge: Pushing the Limits of Sports Performance, Melvin Williams, Human Kinetics Publishers, Champaign, EUA, 1997

Na Internet: https://www.krs.hia.no/~stephens/hypplas.htm

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As regras do corpo

Três obstáculos intransponíveis para a ciência do esporte.

Coração

Nos superatletas, a musculatura do ventrículo esquerdo pode aumentar em até 75%. Com isso, ele chega a bombear 45 litros de sangue por minuto, mais que o dobro do que a população em geral, que trabalha com cerca de 20 litros. Mas, como a dilatação das artérias só vai até certo ponto, o fluxo sanguíneo não poderia aumentar mais sem que isso elevasse perigosamente a pressão arterial.

Energia

Para fabricar energia, o organismo precisa quebrar moléculas de glicose no músculo. No começo do esforço, isso é feito com a ajuda do oxigênio. Quando a capacidade máxima de aproveitamento desse gás é alcançada, o corpo dá um jeito de continuar fazendo o serviço sem ele, mas isso tem conseqüências ruins.

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Com oxigênio

A quebra é eficiente. Consegue transformar a glicose em energia sem deixar nenhum lixo.

Sem oxigênio

A energia obtida é pouca. As moléculas de glicose não são detonadas por inteiro e o processo deixa resíduos: o lactato, que provoca dor, e prótons de hidrogênio, que causam danos às células

Ossos

A resistência máxima dos ossos já foi alcançada no salto triplo, no segundo dos três pulos. Nele, o impacto chega a vinte vezes o peso corporal do atleta. Nas corridas, o impacto sobre a estrutura óssea é muito menor: de duas a três vezes o peso do corpo. Ainda assim, é limitante. Setenta por cento dos corredores sofrem lesões devido à repetição constante dos movimentos.

Auxílio externo

As últimas novidades tecnológicas na busca da perfeição.

Aerodinâmica

O capacete é um item de segurança obrigatório no ciclismo. Já que é assim, desenvolveu-se um modelo que reduz a resistência do vento, o maior inimigo de quem pedala. Além da superfície extremamente lisa, seu formato diminui o turbilhão de ar que se forma atrás da cabeça.

Debaixo d’água

Uma nova touca embute os óculos na mesma peça. As lentes especiais aumentam a visibilidade, mas esse é um benefício adicional. Ao criar uma superfície mais regular. O acessório diminui em 53% a turbulência ao redor dos olhos, diminuindo a resistência da água. O ganho final numa prova é de alguns centésimos de segundo, suficiente para garantir uma vitória.

Melhor que pele

Em contato com o corpo do atleta, a Coolmax, uma fibra especial muito porosa, absorve como uma esponja o suor e promove uma rápida evaporação. Com isso, o corredor perde menos energia por meio do calor e pode aumentar seu rendimento em até 3%.

Pisada macia

Este modelo de tênis, o Airmax, usa a mesma tecnologia aplicada a pneus de avião. Seu solado tem um colchão de ar com dutos interligados. Dependendo de como o pé toca o solo (com a parte da frente ou a de trás), o ar é deslocado para fora num volume proporcional ao peso do atleta e ao impacto. Esse alívio reduz lesões e economiza energia.

Recorde envenenado

O doping cresce nas competições e desaparece dos exames.

À medida que o corpo humano encosta nos melhores resultados possíveis, cresce o número de atletas que recorrem ao doping – uso de substâncias proibidas que melhoram artificialmente a performance.

Novas drogas surgem a todo momento. A coqueluche agora é a eritropoietina, ou simplesmente EPO.

O motivo é simples: não existe um exame que comprove seu uso como doping.

Um hormônio natural, essa substância aumenta em até 4% o número de glóbulos vermelhos, as células do sangue que transportam o oxigênio. Só que ela traz riscos para a saúde.

O sangue fica viscoso, o que pode provocar tromboses e derrame cerebral.

Para vencer, há quem vá até mais longe. Estão sendo investigadas denúncias de que ciclistas europeus recorreram a uma cirurgia para aumentar o calibre da artéria ilíaca e assim elevar o fluxo de sangue nas pernas.

Outra manobra usada com a mesma finalidade é guardar amostras do próprio sangue e injetá-lo antes de uma competição. O pior é que os atletas podem correr todos esses riscos à toa.

Se as células musculares já estiverem no extremo da sua capacidade de utilizar o oxigênio, não adianta nada aumentar a quantidade oferecida.

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