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O gordo é o novo fumante

Nunca houve tanta gente acima do peso - nem tanto preconceito contra gordos. De um lado, o que há por trás é uma positiva discussão sobre saúde. Por outro, algo de podre: o nascimento de uma nova eugenia.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 15 jul 2012, 22h00

Rodrigo Rezende

Detrás da trincheira de copos de Coca-Cola em sua mesa, o prefeito de Nova York discursa: “A obesidade é um problema nacional. E as autoridades só esfregam as mãos e dizem: oh, isto é terrível”. É apenas uma entrevista coletiva de imprensa, mas ele age como um chefe de Estado às vésperas de um combate. “É o que o povo quer que eu faça”, diz o bilionário Michael Bloomberg. E ele faz: declara uma guerra. Contra o refrigerante. Sua principal arma: proibir a venda de copos maiores que 500 ml.

A nova cruzada de Bloomberg levanta uma questão: faz sentido tratar refrigerante como droga? Do ponto de vista da saúde pública, a resposta é um sonoro sim. Segundo o especialista em obesidade Robert Lustig, da Universidade da Califórnia, o açúcar que adoça refrigerantes deveria estar na mesma categoria que o álcool, nicotina, cocaína e heroína: “Ele também é uma substância tóxica com alto potencial de abuso. Por essa lógica, também deveria ser controlado”. Exagero? O efeito das taxas de obesidade na economia dos EUA indica que não: US$ 190 bilhões anuais em gastos diretos e US$ 4,3 bilhões de prejuízo anual por danos à produtividade. Um quinto desse prejuízo é causado apenas pelo açúcar presente em bebidas. Ao levar em conta o estrago que os refrigerantes fazem na saúde americana, o cenário é ainda mais sombrio. Mais de 130 mil casos de diabetes, 14 mil casos de doenças coronárias, 6 mil mortes diretas e 50 mil anos de trabalho perdidos por invalidez. Tudo isso só na década de 1990.

Ok, os números deixam claro que uma latinha de refrigerante pode, sim, esconder um veneno mortal. Mas o buraco é mais embaixo: praticamente toda a indústria alimentícia explora o poder viciante do açúcar. “Quanto mais açúcar tem um produto, mais ele vende”, diz Lustig. O cientista ainda aponta o uso do açúcar para disfarçar sabores desagradáveis. “Com quantidade suficiente, é possível fazer cocô de cachorro ficar gostoso. Em essência, é isso que a indústria vem fazendo”. Sem dúvida, sobram argumentos sólidos para defender o controle da obesidade. Até aí, tudo parece certo com a lei de Bloomberg. Mas também é preciso analisar o quanto medidas que tentam restringir nossa alimentação se fundamentam em associações equivocadas entre obesidade e doença. Ou mesmo em puro preconceito: boa parte dos gordos não apresenta nenhum problema de saúde relacionado à obesidade. Mesmo assim, ela muitas vezes é vista como fraqueza moral. O empresário Roberto Justus, por exemplo, já afirmou que não contrataria pessoas obesas pela falta de empenho que teriam em emagrecer. E Justus não está sozinho: num estudo da Faculdade Notre Dame, na Califórnia, pesquisadores distribuíram currículos falsos entre alunos “para que eles escolhessem um novo professor”. Os currículos não tinham foto, mas traziam o peso de cada “candidato”. Resultado: os de 200 quilos eram preteridos em favor de concorrentes com qualificação idêntica, mas 120 quilos a menos.

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Outro exemplo de preconceito são medidas extremas contra minorias, como a proibição de fumar em áreas abertas e sem aglomeração humana. Não é improvável que, num futuro próximo, o mesmo tipo de exagero cometido em leis antitabagistas radicais se estenda ao controle da obesidade. Aí, o “novo fumante” será o obeso. Para algumas companhias aéreas, aliás, eles já são: só entram no avião se comprarem dois bilhetes (reservar assentos maiores para eles está fora de cogitação, claro). A intolerância com os obesos, no fim das contas, é um grande estímulo para o abuso de medicamentos para emagrecer – o oposto do que podemos chamar de saúde.

Até aqui falamos muito do lado social do problema, mas uma questão passou batido. E o lado pessoal? Proibir alguém de tomar um balde de refrigerante ou de comer doce de cocô de cachorro não seria um atentado contra a liberdade individual? Entre os que respondem sim, está o humorista e fã de refrigerante Jerry Seinfeld: “Sou contra a proibição. Sou a favor da continuação do processo de seleção darwinística das pessoas por meio do consumo de bebidas com açúcar”.

A piada de Seinfeld não tem nada de politicamente correta. Assim como abrir um refrigerante tem bem pouco de saudável. Mas não dá para negar: fazer piada politicamente incorreta e tomar refrigerante com açúcar são expressões da liberdade individual. Até que ponto é ético e correto proibi-las? Difícil saber. Mas uma coisa é certa: a resposta não será encontrada em um gabinete político.

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