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Salsinha e endro ajudam a curar câncer e… para, para tudo!

Uma notícia 100% honesta

Por Fábio Marton
Atualizado em 31 out 2016, 19h00 - Publicado em 28 jun 2016, 18h45

Um grupo de cientistas russos publicou um estudo que afirma que salsinha e endro (também conhecido como dill) ajudam a curar câncer. É exatamente isso o que diz o título do comunicado do Instituto de Física e Tecnologia de Moscou.

A descoberta

Se isto fosse uma notícia típica sobre o câncer, a gente podia dar o nome dos cientistas e algumas citações. Gente com problemas reais talvez saísse por aí fazendo salada e esperando a cura. Ou gente saudável começaria a tacar salsinha e endro em tudo. Vai que dá certo…

Convido quem sabe ler em inglês a abrir o link acima. Vamos ver o que os cientistas têm a dizer depois do título. O que eles descobriram é um método de sintetizar glaziovianina A a partir dos temperinhos mencionados. O composto é um potencial remédio novo, que atua ao atrapalhar a criação da tubulina, uma proteína essencial para a reprodução das células. Eles testaram os resultados em embriões de ouriço marinho e células de diversos tipos de câncer, com sucesso, e aparente pouca toxicidade para células saudáveis. (O ouriço, eles explicam, é um modelo para crescimento celular.)

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“Tanto a evolução das terapias existentes e a procura por abordagens inovativas são uma missão no tratamento do câncer”, afirma o professor Alexander Kislev, condutor do estudo. “Nossa equipe desenvolveu um método simples de produzir glaziovianina A e seus análogos, que inibem o crescimento de células de tumores humanos, usando blocos de construção da natureza.” Viva a ciência!

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Por que não é lá essas coisas

Vamos então às verdades chatinhas que não costumam aparecer em matérias sobre câncer. Primeiro, os cientistas russos não descobriram nenhum remédio novo. A glaziovianina A é conhecida desde 2007. O nome vem da Ateleia glazioviana – ou timbó, uma planta nativa do sul e sudeste do Brasil que é extremamente venenosa. Desde a descoberta, sabe-se de sua atividade contra a reprodução das células, o que é potencialmente um remédio para o câncer, uma reprodução descontrolada de células.

Dois: não adianta comer endro ou salsinha. Sério, não faça isso (exceto se estiver seguindo uma deliciosa receita). O que é descrito é um processo em nove etapas para sintetizar o composto a partir dessas plantas. Um produto sintetizado a partir das plantas não é o mesmo que as plantas – o composto pode só surgir durante o processo, ou a dose pode ser mínima. Mesmo se os compostos estão presentes na forma final na planta, em quantidade suficiente, podem ser destruídos no estômago ou não absorvidos.

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Por fim, esse possível tratamento está num estágio bem primordial. Os cientistas estão falando em testes em células – a coisa não chegou nem no ratinho ainda. Anos ainda devem se passar e muito pode dar errado no meio do caminho. Não há garantia que ela possa ser adequadamente absorvida e tenha a mesma eficiência num organismo vivo. E estamos falando em quimioterapia aqui: ninguém sabe também dos efeitos colaterais. A empolgação dos cientistas russos está em usar uma matéria-prima comum… na Europa, sem depender de uma planta exótica brasileira.

Como ler notícias sobre câncer

É só isso… sintetizaram um possível remédio contra câncer a partir de duas plantinhas de cozinha. Estamos chamando os cientistas de desonestos? Não. A descoberta pode ser revolucionária… num futuro talvez distante, e nem pense em comer temperos para curar câncer.

Mas não é isso que você queria ler, era?

Todo mundo tem medo de câncer e toda a semana surge outra “cura” aparentemente milagrosa. O sensacionalismo, como neste caso, pode vir dos próprios cientistas – ou melhor, dos assessores de imprensa das universidades, que escrevem comunicados com títulos chamativos, para fisgar os jornalistas antes de fisgar o público. Faz parte do jogo. A algo triste verdade é que cientistas precisam ser conhecidos para ter financiamento.

Quanto a você, leitor, mantenha uma orelha em pé. Clique na fonte – se não tiver fonte, pode fechar a matéria. E, sim, isso vale até para a SUPER, este autor inclusive.

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