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As escolas chinesas patrocinadas pela indústria do tabaco

Após terremoto de 2008, a estatal de cigarros do país começou a construir escolas para fazer marketing indireto. Entenda essa história.

Por Victor Bianchin
25 dez 2024, 16h00

O terremoto de 2008 em Sichuan, província da China, foi o 18º mais fatal de todos os tempos. Cerca de 69 mil pessoas morreram, quase 19 mil ficaram desaparecidas e 375 mil se feriram. O estrago também foi grande na infraestrutura: cinco entre cada dez pessoas na região perderam suas casas.

O governo chinês providenciou US$ 150 bilhões (ou R$ 425 bilhões na cotação da época) para ajudar na reconstrução. Mas, ainda assim, não era o suficiente — e muitas empresas também tiveram que intervir. E foi assim que a estatal China National Tobacco Corporation (CNTC), ou apenas China Tobacco, que detém o monopólio da fabricação de cigarros e relacionados no país, resolveu virar uma patrona da educação.

Em parceria com a Project Hope (iniciativa do governo que constrói escolas em regiões rurais), a empresa financiou a abertura de pelo menos 100 escolas. “Hoje, fumar vai salvar vidas”, frase do personagem Dwight de The Office, nunca fez tanto sentido, certo? Mais ou menos. Afinal, não existe almoço (ou, no caso, escolas) de graça: o ato de caridade veio acompanhado de muita propaganda tabagista.

Uma das instituições de ensino foi batizada de Tobacco Hope School e traz o slogan “Talento vem de trabalho duro — tabaco ajuda você a ser talentoso” espalhado pelas paredes. O logotipo da escola também se tornou o logo da estatal, uma singela folha verde. 

E não para por aí: em troca de seu valioso patrocínio, a China Tobacco também ganhou o direito de colocar sua propaganda em material escolar. Ou seja: cadernos, apontadores, apostilas e até mesas vinham com mensagens pró-tabaco. A estatal possui cerca de 900 marcas de cigarro, as quais servem para pulverizar os patrocínios.

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“As empresas de tabaco não deveriam ser barradas de contribuir ao bem-estar social apenas porque os cigarros que produzem fazem mal pra saúde”, afirmou Meng Lingao, representante da China Tobacco, ao jornal Beijing Today em 2009.

Mas é claro que a bondade é só para inglês ver. “A indústria do tabaco na China tem uma influência forte em perpetuar a norma social de usar tabaco”, diz um estudo de 2013 sobre como a estatal faz suas manobras para fazer propaganda sem ser punida. “Ela emprega várias táticas para demonstrar responsabilidade social, sob o pretexto de filantropia corporativa, só para fazer marketing de produtos de tabaco. A CNTC oferece ‘filantropia’ para reduzir a pobreza, investindo em sustentabilidade ambiental, doando para a educação e provendo fundos para o alívio de desastres. Ela e suas subsidiárias fizeram contribuições significativas voltadas à juventude em um esforço para atrair novos fumantes.”

A China é o maior mercado de cigarros do mundo e cerca de 60% de sua população masculina fuma. Por isso, ela precisa fazer com que os jovens se aproximem dos cigarros. “Não são só escolas primárias, eles também financiam escolas de ensino médio e universidades. Mas é difícil contá-las, porque o Ministério da Educação não nos ajuda”, afirmou a pesquisadora Wu Yiqun, do Centro de Pesquisas para Desenvolvimento de Saúde Think Tank, ao jornal britânico Telegraph em 2011. “Sabemos que são pelo menos 100 escolas primárias porque essas são as que conseguimos contar pesquisando por escolas com nomes de marca de cigarro”, disse. 

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As empresas de tabaco também construíram uma rede de bibliotecas na área rural do país. Elas também patrocinam eventos esportivos escolares, shows e, em algumas províncias, até mesmo realizam competições de melhor professor. “Dentro das escolas, os uniformes são temáticos e há a distribuição de doces em formato de cigarro. Vendedores próximos aos portões geralmente vendem os cigarros em unidades”, afirmou a pesquisadora.

O tabaco mata dois milhões de pessoas por ano na China e o valor deve aumentar nos próximos anos. O problema do marketing indireto provocado pela indústria será difícil de resolver, pois envolve o interesse direto de uma das maiores empresas estatais do país. Será que a China um dia terá escolas livres de cigarros?

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