Assine SUPER por R$2,00/semana
Continua após publicidade

De marfim a heroína: o intrincado comércio norte-coreano

Para um regime comunista fechado, a Coreia do Norte tem uma atividade comercial surpreendentemente intensa

Por Lourival Sant’Anna, de Exame
Atualizado em 6 set 2017, 18h36 - Publicado em 6 set 2017, 18h36

O presidente Donald Trump reagiu ao teste nuclear norte-coreano do domingo com a ameaça de impor sanções comerciais a todos os países que façam negócios com a Coreia do Norte. Isso implicaria deixar de fazer comércio com a China, o grande celeiro de manufaturados baratos do mundo. Nem os EUA nem qualquer outro país pode se dar a esse luxo.

Além da China, que responde por 93% do comércio norte-coreano, outros países também importam e exportam do isolado país, incluindo o Brasil. A Coreia do Norte também consegue divisas fortes exportando trabalhadores (e embolsando quase todo o seu salário), e com uma vasta rede de contrabando, que vai de mísseis a marfim de rinoceronte, passando por drogas sintéticas.

De acordo com a Comtrade, agência da ONU que compila dados das alfândegas de todo o mundo, as importações e exportações norte-coreanas somaram 6,5 bilhões de dólares no ano passado. O montante tem aumentando em média 5% ao ano.

A China é o cordão umbilical da Coreia do Norte: compra o seu carvão e outros minerais, e lhe fornece alimentos e combustível. O comércio bilateral cresceu 6% em 2016, quando a importação de carvão e outros combustíveis minerais pela China aumentou 12%. Entretanto, em fevereiro deste ano, os chineses suspenderam essa compra, em cumprimento a sanções da ONU pela continuação dos testes com mísseis pela Coreia do Norte.

No mês passado, a China aderiu a sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU, por causa do disparo de mísseis pela Coreia do Norte, envolvendo carvão, ferro e chumbo. Esses minérios representam 1 bilhão de dólares em exportações por ano, ou um terço de todas as vendas externas do país.

Continua após a publicidade

Os EUA terão de seguir contando com a colaboração voluntária da China. Mesmo que Trump seguisse adiante com sua ameaça de punir os países, dificilmente o Congresso americano aprovaria essa medida. Os EUA importaram mais de 450 bilhões de dólares em produtos chineses no ano passado, e exportaram 115 bilhões de dólares para a China.

A suspensão dessas exportações levaria ao fechamento de cerca de 1 milhão de vagas de empregos nos EUA. E o fim das importações de produtos chineses causaria inflação. O preço de um iPhone, por exemplo, subiria 5%. De acordo com a consultoria Capital Economics, uma ruptura do comércio com a China causaria um encolhimento de 3% no PIB americano.

A principal razão pela qual a China não abandona a Coreia do Norte é de ordem geopolítica: a queda do regime norte-coreano levaria à unificação da península sob o domínio da Coreia do Sul, que abriga 28.000 soldados americanos, além de baterias de mísseis e outros equipamentos. Ou seja, um aliado militar dos EUA passaria a fazer fronteira com a China — e com a Rússia.

Mas um colapso da Coreia do Norte também teria consequências econômicas e sociais na China: cerca de 70% do comércio bilateral passa pela província chinesa de Liaoning, um das mais pobres do país, que faz fronteira com a Coreia do Norte, e o contrabando também irriga a sua economia. Além disso, a China teme um avalanche de imigrantes norte-coreanos.

Continua após a publicidade

Novas sanções comerciais contra a Coreia do Norte poderiam na verdade ajudar o regime, cujas autoridades civis e militares se beneficiam pessoalmente dos esquemas de contrabando que vêm sendo aperfeiçoados em razão dessas punições.

“Na categoria das consequências negativas não pretendidas, a aplicação das sanções tem levado o regime norte-coreano a encontrar formas melhores e mais inovadoras de fazer negócios”, disse à rede americana CNBC o professor John Park, da Harvard Kennedy School, que depôs em junho na Câmara dos Deputados dos EUA.

Segundo ele, as sanções levam os intermediários chineses a cobrar comissões ainda mais altas, o que atrai mais contrabandistas. “Você está criando mercados mais eficientes para o regime norte-coreano fazer essa atividade no mercado chinês”, afirmou Park.

A Coreia do Norte não divulga dados do seu comércio. De acordo com a Kotra, agência sul-coreana de promoção do investimento e comércio, 80 países realizaram importações e exportações com a Coreia do Norte no ano passado. Muitos deles, naturalmente, fazem muito mais comércio com os EUA.

Continua após a publicidade

Entre os principais, estão Rússia, Índia, Paquistão, Cingapura, Alemanha, Portugal, França, Tailândia e Filipinas. Com a maioria desses países, o comércio diminuiu. A grande exceção é Filipinas, cujas transações aumentaram 171%.

No ano passado, o Brasil importou apenas 8,7 milhões de dólares da Coreia do Norte, o que representa um recuo de 44% em relação ao ano anterior. Quase todo esse montante (6,6 milhões de dólares) se concentrou em “máquinas, aparelhos e material elétrico e suas partes”. O segundo item mais importante foi “caldeiras, máquinas, aparelhos e instrumentos mecânicos” (548.000 dólares). Em 2015 também tinham sido esses os produtos de importação mais expressivos.

O Brasil tem déficit comercial com a Coreia do Norte: exportou apenas 2 milhões de dólares para o país no ano passado, queda de 17% em relação a 2015. Quase metade dessas vendas (970.000 dólares) foi em “café, chá, mate e especiarias”. Em seguida, vieram “tabaco e seus sucedâneos manufaturados” (358.000 dólares), “peles e couros” (257.000 dólares) e “carnes e miudezas” (231.000 dólares).

O ritmo deste ano está ainda mais lento. De janeiro a julho, o Brasil exportou 302.000 dólares para a Coreia do Norte — 55% a menos que no mesmo período do ano passado. E importou 2,3 milhões de dólares — queda de 55% em relação ao primeiro semestre de 2016.

Continua após a publicidade

Jeitinho norte-coreano

As sanções impostas pela ONU no dia 5 de agosto incluíram a aceitação de novos trabalhadores da Coreia do Norte. O Instituto para a Unificação Nacional, da Coreia do Sul, estima que haja 147.600 deles no mundo — 80.000 na China e 53.000 na Rússia. Mongólia, Kuwait, Emirados Árabes Unidos e Catar também abrigam milhares de trabalhadores norte-coreanos. Cada um envia em média 7.000 dólares por ano para o governo do país, o que representa uma receita de mais de 1 bilhão de dólares para o tesouro norte-coreano.

Além disso, as embaixadas norte-coreanas no mundo são notórios entrepostos de contrabando. Em Havana, por uma porta dos fundos da representação do país eram vendidas até alguns anos atrás mercadorias caras e difíceis de conseguir em Cuba, como manteiga.

Mas produtos bem mais sensíveis passam pelas bagagens dos diplomatas norte-coreanos. Relatório divulgado no ano passado pela Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, baseada em Genebra, afirma que eles estiveram envolvidos no tráfico do marfim de chifres de rinocerontes e presas de elefantes na África desde 1989. Das 29 apreensões nesse período, 16 tinham a participação de norte-coreanos. Com a chegada de Kim Jong-un ao poder, há cinco anos, a atividade se intensificou. O principal mercado desses produtos é a China, onde são usados para fins medicinais.

Fontes na Coreia do Norte afirmam que a indústria farmacêutica do país recebeu ordens do regime de aumentar a produção de drogas ilícitas em escala industrial para o contrabando internacional, de maneira a suprir a redução de receitas em divisas fortes, causada pelas sucessivas sanções. O país tem uma tradição de produção de narcóticos, incluindo heroína feita a partir de papoula cultivada em fazendas estatais e drogas sintéticas preparadas em laboratórios das universidades.

Continua após a publicidade

Uma aliança com o Paquistão permitiu também, no anos 90, a exportação da tecnologia de mísseis que a Coreia do Norte recebeu da China, em troca de informação sobre técnicas de enriquecimento de urânio transmitidas pelos paquistaneses.

Para um país comunista, até que a Coreia do Norte tem se virado bem no mercado internacional.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Exame.com

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 12,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.