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“Doações” de empresas necrosaram a política: entenda como curá-la

Doações oficiais e subornos tornaram o governo um (alegre) refém das grandes empresas. Essa Síndrome de Estocolmo é grave - mas tem solução.

Por Rodrigo Cavalcante
Atualizado em 13 abr 2017, 15h21 - Publicado em 13 abr 2017, 15h14

”Não existe doação de campanha. São empréstimos a serem cobrados posteriormente, com juros altos, dos beneficiários das contribuições quando no exercício do cargo”, falou o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto da Costa. Muito antes das declarações de Marcelo Odebrecht, a delação de Costa à Polícia Federal já tocava em um tema visceral da corrupção brasileira: a grana que flui das grandes empresas para o governo – e transforma os interesses delas em uma verdadeira bússola para a ação do poder público.

Uma parte dessa grana costumava vir na forma de financiamento de campanha, uma espécie de “corrupção institucional”. Mas além desse já volumoso dinheiro visível, temos os famosos Caixa 2 e casos de doações escusas e não contabilizáveis que tornam o governo um (alegre) refém do interesse dos donos das carteiras. (Você pode ler mais sobre esse efeito no blog Crash: “Caixa 2” é eufemismo. O certo é “bateram sua carteira”).

E esse esquema não é exclusividade brasileira: o jurista americano Lawrence Lessig mostra que, nos EUA, 0,5% de superdoadores de campanhas são responsáveis por mais de 60% do financiamento arrecadado nas primeiras fases da eleição – o que inviabiliza candidatos que não são bons na captação de recursos.

O resultado, segundo o pesquisador, é a paralisação de basicamente qualquer projeto de lei que ameace os interesses desses doadores. No Brasil, algo semelhante aconteceu por muito tempo. De acordo com dados da Transparência Brasil, 7% das empresas doadoras concentraram 64% do financiamento de campanha nas eleições de 2010 (que consumiram quase meio bilhão de reais em doações, diga-se).

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E a conta aparece em escândalos como a Lava Jato, nas falas de Marcelos e Paulos. Debaixo dos panos, o banco mundial estima que, só em subornos, são gastos mais de um US$ 1 trilhão anuais no mundo. Mesmo assim, é impossível saber com precisão o real fluxo de recursos que vai para corrupção.

Apesar de não haver consenso quanto à melhor  forma de acabar com esse toma-lá-dá-cá, nenhuma entidade de combate à corrupção discorda de que é preciso, sim, diminuir o peso das contribuições privadas. Uma das primeiras medidas, o Brasil já tomou: as eleições de 2016 foram as primeiras a experimentar a proibição de doações vindas de empresas – só pessoas físicas podem doar e o dinheiro era limitado a 10% do rendimento bruto declarado no IR do ano anterior.

Mas especialistas duvidam que tirar as empresas da jogada resolva o problema. Uma das possibilidades é ter doações vultosas vindo dos próprios donos de campanha (para quem 10% dos rendimentos não é tão pouco). Lawrence Lessig tem uma ideia pouco popular de como nivelar isso. Ele defende que cada cidadão de um país ganhe um ”vale” – de R$ 100, por exemplo. E aí decida para qual candidato vai doar seu vale. O Estado, então, banca as campanhas conforme a quantidade de vales que cada candidato recebe. Em tese, isso deixaria um Jorge Paulo Lemann da vida em pé de igualdade com o  Zé da esquina. Isso imporia limites ao financiamento público de campanha e às influências disproporcionais.

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Muitos poréns

Essa conclusão porém, parece muito distante da realidade brasileira – e a Transparência Brasil sabe disso. Para a instituição, uma medida nessa linha só faria o fluxo de doações/empréstimos que rola por baixo dos panos aumentar ainda mais.

Para a maioria dos analistas, a aprovação de uma reforma política que limite doações não teria força no combate à corrupção. Não sozinha. ”É preciso fortalecer e reformar os órgãos de controle, tais como os Tribunais de Contas e as controladorias, assim como o Poder Judiciário”, diz Bruno Brandão, da Transparência Internacional.

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O caso dos Tribunais de Contas talvez seja o mais exemplar de um órgão de controle que, na prática, pouco controla.  Como dois terços dos seus conselheiros são indicados por deputados e a Constituição é pouco exigente quanto à sua pré-qualificação (basta ter vagos ”notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, financeiros ou de administração pública”), não faltam por lá ex-políticos julgando as contas de parentes, de aliados e até de inimigos.

Um levantamento realizado em 34 Tribunais de Contas pela Transparência Brasil em 2014 indica que, de cada dez conselheiros, seis são ex-políticos, dois sofrem processos na Justiça ou nos próprios Tribunais de Contas e 1,5 é parente de algum político local.   

Assim como ocorreu  em outros países, no entanto, não será nem no Legislativo nem no Executivo que se dará a batalha contra a corrupção no Brasil. ”É o Judiciário que decide, afinal, se haverá ou não impunidade”, diz a professora de Ciência Política da USP, Maria Teresa Sadek. E os efeitos do fortalecimento do Judiciário já se vêem (com suas muitas ambiguidades) na Lava Jato.

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Mudança de instituições e de cultura: essa dobradinha tem sido a principal receita de países que decidiram enfrentar a corrupção.  ”Quando as instituições garantem regras válidas para todos, ninguém se sente ‘otário’ por segui-las”, diz o filósofo Mario Sergio Cortella, coautor de Política, Para Não Ser Idiota. No Brasil, porém, a diferenciação começa dentro da própria Justiça. De acordo com a lei da magistratura, por exemplo, juízes têm direito a 60 dias de férias (sem contar os recessos que podem adicionar mais 15). Além disso, a mesma lei prevê que a maior punição administrativa aplicável a um juiz pelo mau exercício da função é uma simples aposentadoria compulsória – e sem perda dos vencimentos. Ou seja: um juiz corrupto pode até entrar em depressão pela perda do cargo, mas não deixará de receber seus salários pagos pelo contribuinte a menos que venha depois a ser condenado por processo penal – e mesmo assim não vai ficar em cela comum, com os outros presos.

Ainda que tudo esteja dentro da lei, essa cultura de privilégios é um dos principais entraves ao combate à corrupção. Se um cidadão sabe que um político ou magistrado conta com uma série de privilégios (como a imunidade parlamentar), por que se arriscaria a sofrer represálias denunciando uma autoridade corrupta? ”Mesmo aqueles que consideram a corrupção algo moralmente condenável são propensos a participar do esquema, uma vez que todos os ‘outros’ participam do jogo”, afirmou o cientista político Bo Rothstein, da Universidade de Gotemburgo, no livro de Cláudia Varejão, Um País Sem Excelências e Mordomias.

A experiência sueca

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Ele lembra que, diferentemente do que muita gente imagina, a Suécia já foi marcada por subornos, e que os contatos privilegiados eram mais importantes do que as leis. Em meados do século 19, contudo, uma série de reformas detonou o que ele chama de ”Big Bang Institucional” – quando os cidadãos perceberam que as instituições se tornaram imparciais, a população foi mudando de comportamento.

”Com amplo setor público e governo intervencionista, a Suécia possui todas as características que, segundo a teoria econômica convencional, deveriam tê-la transformado em uma sociedade corrupta”, diz Cláudia Varejão. ”Até pela alta carga tributária, os suecos exigem acesso rápido à prestação de contas dos gastos dos políticos com o dinheiro do contribuinte”, ela completa. Duas vezes por ano, o país divulga listas dos investimentos privados de todos os ministros do governo, incluindo o nome dos fundos e dos bancos das aplicações. Um grau de tranparência que, para os nossos padrões, chega a ser ofuscante.

A boa notícia é que, como lembra o Rothstein, embora a corrupção tenha, sim, características culturais, ela não é culturalmente determinada. Ou seja: não tem receita mágica. Quanto mais imparciais, transparentes e eficientes forem as instituições, menos espaço existirá para a cultura do jeitinho brasileiro.

Este texto foi adaptado da reportagem As raízes da corrupção. Leia também a versão original completa.

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