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Dossiê: As Forças de Defesa de Israel

Os caças, tanques, drones e sistemas antimísseis de um país em guerra constante.

Por Paula Alfano e Eduardo Lima
Atualizado em 13 out 2023, 19h14 - Publicado em 2 ago 2019, 19h36

Quinta-feira, 14 de março de 2019. Aparentemente, uma noite como outra qualquer em Tel Aviv. Só que não. Por volta das 21h, sirenes de alerta começaram a tocar. O motivo: dois mísseis M-75 haviam sido disparados da Faixa de Gaza e riscavam o céu em direção à cidade.

O Domo de Ferro, sistema de defesa antimísseis de Israel, chegou a identificá-los em seus radares, mas não precisou destruí-los porque, ao analisar a trajetória dos projéteis, verificou que ambos cairiam em áreas desabitadas. A resposta israelense foi imediata, com ataques aéreos a quase cem pontos em Gaza – segundo os militares israelenses, “alvos terroristas” pertencentes ao Hamas, a organização islâmica que controla a faixa desde 2007.

Dez dias depois, mais um foguete seria lançado do lado palestino. Dessa vez, com vítimas. O míssil atingiu uma casa na comunidade agrícola de Mishmeret, a cerca de 20 km de Tel Aviv. Ninguém morreu, mas sete pessoas ficaram feridas – entre elas, duas crianças. Israel, de novo, reagiu instantaneamente, com dezenas de bombardeios à Faixa de Gaza.

É quase sempre assim: para cada disparo palestino, os israelenses respondem com dezenas ou centenas de contra-ataques. Não há comparação entre as forças envolvidas nesse conflito. Uma desproporção explicada, sobretudo, pelos altos investimentos feitos por Israel em suas Forças Armadas. O orçamento anual das Forças de Defesa do país é de aproximadamente US$ 18,5 bilhões, o que corresponde a cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Desse montante, pouco mais de US$ 3 bilhões vêm dos cofres públicos de seu maior aliado, os EUA, que mantêm há décadas um acordo de cooperação militar com Israel.

As agressões entre israelenses e palestinos são uma constante. Em 2018,  por exemplo, o Hamas disparou contra alvos israelenses mais de 1.200 mísseis semelhantes aos dos ataques de março. Tem sido essa a rotina há mais de 70 anos, desde que a Palestina foi dividida por determinação da ONU para a criação de dois Estados, um árabe e outro judeu. Israel organizou sua força militar logo nas primeiras semanas de fundação do país, em 1948. E teve de fazê-lo às pressas, já em meio a uma guerra contra países vizinhos. Foi desse jeito, no improviso, que nasceram as Forças de Defesa de Israel (FDI).

De lá para cá, o investimento em tecnologia e inteligência não parou. E o resultado é esse que os agressores palestinos sentem na pele. Hoje, as FDI são consideradas uma das Forças Armadas mais modernas, experientes e bem treinadas do mundo. Elas respondem ao Ministério de Defesa e estão divididas em seis unidades: Força Terrestre, Força Aérea, Marinha, COGAT (que coordena a política de governo na Faixa de Gaza e em outros territórios), um departamento jurídico e outro dedicado a planejamento estratégico.

Dois dos setores que mais se destacam são o de Operações, que prepara efetivamente as Forças de Defesa de Israel para a guerra, e a divisão C4i, de defesa cibernética, que reúne a elite tecnológica do país. Ela trabalha com o que há de mais moderno em tecnologia de defesa e é responsável, entre outras tarefas essenciais, pela comunicação das tropas e dos centros de comando durante as ações. Há também os setores de Planejamento, que concebe novas estratégias de combate, e o de Pessoal, que cuida do recrutamento à aposentadoria de militares.

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“Essa estrutura permite a Israel avançar em todos os campos da defesa nacional antes mesmo que surjam as demandas”, diz Brian Weissmann, mestre em estudos de segurança nacional pela Universidade de Tel Aviv. “E torna o país ciente não apenas dos seus próprios pontos fracos, mas também dos pontos fracos do inimigo.”

Para ele, um exemplo disso foi o que ocorreu depois da Guerra de Independência, em 1948. “Israel percebeu que controlar o espaço aéreo garantiria superioridade. Anos depois, na Guerra dos Seis Dias, o país imporia uma vitória esmagadora aos inimigos dominando os céus.”

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(Estúdio Nono/Superinteressante)

Drones

Analisando o conjunto, percebe-se claramente a importância dada pelas Forças de Defesa de Israel a informação e inteligência. Natural, portanto, que o país tenha se destacado no desenvolvimento de veículos aéreos não tripulados – os drones.

A Força Aérea israelense opera tanto modelos de observação quanto de ataque, em número que ninguém sabe dizer exatamente qual é. Entre os espiões, destaca-se o Heron, um sucesso de exportação, vendido inclusive para o Brasil (Força Aérea e Polícia Federal). Trata-se de um drone de média altitude, até 10 mil metros, com autonomia superior a 50 horas de voo. Outro modelo é o Eitan, sucessor do Heron – um aparelho enorme, com 26 metros de envergadura. Especula-se que ele já tenha voado em versão militar, carregado de armas (os israelenses negam). E tem ainda os modelos Hermes 450 e 900, também usados pela Força Aérea brasileira.

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Mais modernos que esses todos são os drones da família Skylark, que funcionam como “olhos de águia” para o 214º Regimento de Infantaria israelense. Eles carregam uma câmera de alta resolução, que abastece o comando das operações com imagens em tempo real. Podem tanto ser controlados à distância quanto voar de forma autônoma, com planos de voo pré-programados.

Sobre os drones de ataque, pouca coisa se sabe. Dois modelos são relativamente bem conhecidos, o Harpy e o Harop. Ambos são pequenos, a envergadura não passa dos 2,7 metros. O primeiro é totalmente autônomo e leva uma ogiva de 32 kg. Já o segundo também pode ser controlado remotamente e carrega 23 kg de explosivos. Foram desenvolvidos para destruir sistemas de radar ou defesas antiaéreas. E também já viraram produto de exportação, tendo a Índia, a Coreia do Sul, a Turquia e a China como compradores.

Os ataques com drones executados por Israel contra a Faixa de Gaza volta e meia acabam gerando polêmica, a exemplo do que ocorre com o uso desse tipo de armamento feito pelos americanos em lugares como Paquistão, Iêmen e Somália. Em outubro de 2018, três crianças palestinas, com idade entre 12 e 14 anos, morreram com a explosão de um míssil disparado por um drone israelense. Cinco meses antes, durante manifestações junto à fronteira entre Israel e Gaza, veículos aéreos não tripulados foram usados contra civis palestinos – não com explosivos, mas com bombas de gás lacrimogênio.

Domo de Ferro

O escudo de Israel contra os mísseis do Hamas.

O sistema antimísseis chamado Domo de Ferro é considerado um equipamento estratégico pelas Forças de Defesa de Israel. Na ativa desde 2011, ele já interceptou mais de 1.500 mísseis disparados da Faixa de Gaza. Sua taxa de sucesso, segundo dados oficiais, chega a 90%. Ele é composto de dez estações, cada qual com seu radar e sua respectiva bateria de mísseis Tamir. Quando uma delas detecta o deslocamento de um projétil, o equipamento analisa sua trajetória e determina se o alvo potencial é uma região habitada. Em caso afirmativo, um Tamir é disparado para destruí-lo antes que ele atinja o solo.

Contra os mísseis disparados de Gaza, o sistema funciona bem, a julgar por sua taxa de eficiência (que nunca foi confirmada por órgãos independentes, vale ressaltar). Os foguetes disparados pelos palestinos, contudo, são lentos e de tecnologia ultrapassada, que não passam dos 50 km de alcance. É o caso dos modelos Grad e Qassam, de construção caseira e feitos para serem lançados em grande quantidade em vez de individualmente. O modelo Fajr-5, também conhecido como M75, é um pouco mais moderno, podendo alcançar uma distância de 75 km, o que coloca grandes cidades como Tel Aviv e Jerusalém em risco. Mesmo assim, são presas fáceis para o Domo de Ferro. O sistema de defesa israelense jamais foi testado contra mísseis balísticos sofisticados, como os intercontinentais, incomparavelmente mais velozes e destrutivos.

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Armas nucleares
Afinal, Israel tem ou não tem? Todo mundo acha que tem, mas Israel nega. Ou melhor, não nega nem admite. É a chamada política de ambiguidade nuclear. Especulações sobre o suposto arsenal nuclear do país abundam. Os números são chutes e variam de 80 a 400 armas. Elas desempenhariam um papel especialmente estratégico como armamento da frota de submarinos.

As pesquisas de Israel nesse campo vêm de longe. Começaram em 1949, poucos meses depois de declarada a independência. Com apoio da França, os israelenses construíram secretamente um reator nos anos 1950. E teriam chegado à primeira bomba atômica no fim da década de 1960.

Em 1986, o jornal britânico The Sunday Times publicou o que seriam provas de que Israel já detinha armas nucleares. Eram detalhes do seu programa nuclear revelados por Mordechai Vanunu, um técnico que havia trabalhado no Centro de Pesquisas de Neguev. Logo depois, ele foi sequestrado na Itália pelo Mossad (o serviço secreto de Israel) e levado de volta ao país. Condenado, ficou 18 anos preso, 11 deles numa solitária.

Serviço militar

Ele é obrigatório em Israel tanto para homens quanto mulheres. Ajuda a manter a sociedade coesa. Dá uma bombada na economia. E funciona como rito de passagem para a vida adulta.

Rapazes, se vocês têm cabelos longos, terão de cortar. E as mulheres devem prendê-los em coques ou rabos de cavalo, caso o comprimento ultrapasse os ombros.” Essas normas constam no website das Forças de Defesa de Israel (FDI) e dizem respeito a uma das características mais marcantes do serviço militar naquele país: ele é obrigatório para homens e mulheres, mesmo que tenham vindo de fora. O tempo mínimo de serviço é de 32 meses para eles e de 24 meses para elas. A cada ano, cerca de 120 mil jovens israelenses ingressam no serviço militar, numa proporção mais ou menos equivalente de homens e mulheres. Em nenhum outro país do mundo ocorre algo parecido.

Embora o número de israelenses contrários à obrigatoriedade venha crescendo nos últimos anos, a maioria dos alistados ainda vê sentido em servir. Para uns, trata-se de uma tradição familiar, repetida a cada nova geração. Para outros, uma oportunidade de crescimento pessoal. “No serviço militar eu ganhei verdadeiros irmãos, com os quais mantenho contato até hoje”, diz Brian Weissmann, mestre em estudos de segurança nacional pela Universidade de Tel Aviv.

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Judeu nascido na Argentina, Weissmann se mudou com a família para Israel em 2002, quando havia acabado de completar 18 anos. Chegando lá, teve de se alistar. Mas não encarou o fato como uma obrigação incômoda. Ao contrário, ele queria ter aquela experiência. “Optei por postos de combate, o que me permitiu entender a real importância das Forças de Defesa. Mais do que defender o país, elas unem a sociedade israelense e despertam em cada um o sentimento de responsabilidade.”

Teoria na prática

A vida militar em Israel tem início aos 16 anos, idade na qual alguns jovens começam a atualizar seu status junto às Forças de Defesa, visando ao alistamento mais adiante. Quando completam 18 anos, eles se apresentam. Mas nem todos ingressam no serviço. Há certos casos passíveis de dispensa. Entre eles, o de judeus ultraortodoxos que se dedicam quase que exclusivamente ao estudo da Torá, as escrituras sagradas do judaísmo. Mulheres casadas, cidadãos árabes, portadores de deficiência física e atletas de elite também são dispensados. “Mesmo assim”, diz Weissmann, “muitos se alistam voluntariamente, por considerar importante defender o país.”

Para o especialista em segurança, outra característica própria do serviço militar em Israel reside no fato de que o país está sempre envolvido em confrontos. Ou seja: a teoria do treinamento é constantemente colocada em prática. “Quando servi, estava em curso a Segunda Guerra do Líbano [ocorrida em 2006, entre Israel e o grupo radical islâmico Hezbollah]. Foi uma experiência transformadora.”

A brasileira Vivi Bruni, que serviu em Israel e segue integrando as Forças de Defesa como reservista, vai na mesma linha. Ela acredita que o serviço militar, além de unir os cidadãos, ajuda a cristalizar uma identidade nacional – algo importante numa sociedade heterogênea como a israelense, formada por uma sucessão de ondas migratórias. A brasileira serviu em uma unidade de combate por três anos, entre 2001 e 2004 (leia mais abaixo). Hoje, é executiva, em Londres, da multinacional ABB, que desenvolve tecnologias para as ��reas de energia e automação. Uma de suas funções é gerir crises.

Mochilão

Como é costume entre os jovens israelenses, Bruni tirou um tempo para viajar quando chegou ao fim sua passagem pelo serviço militar. “Depois de três anos no Exército de Israel, merecia uma folga”, ela brinca. A brasileira passou cerca de um ano viajando pela Europa – outra experiência, segundo ela, para ser guardada em um lugar especial da memória.

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Estima-se que algo entre 30 mil e 40 mil israelenses recém-saídos do serviço militar façam um mochilão desse tipo todos os anos, aproveitando o dinheiro que recebem ao sair. O bônus varia de US$ 1.500 a US$ 3.300. Cerca de 70% desses jovens têm entre 20 e 24 anos. A viagem é uma espécie de formatura extraoficial. Ela acaba retardando um pouco o início da vida universitária, mas funciona como ritual de passagem para a vida adulta.

Há quem enxergue aí uma vantagem de Israel sobre outros países. “É bom que a escolha profissional aconteça mais tarde, depois que a pessoa passa por uma experiência que lhe confere responsabilidade, resiliência, coragem e instinto de sobrevivência”, avalia Weissmann. “Não por acaso, o serviço militar obrigatório é frequentemente apontado como um dos fatores responsáveis pelo sucesso econômico do país.”

Essa, por sinal, é uma das teses defendidas pelos pesquisadores americanos Dan Senor e Saul Singer no livro Nação Empreendedora: o Milagre Econômico de Israel e o que Ele nos Ensina (Editora Évora). “O jovem que faz o serviço militar chega à universidade com muito mais seriedade, maturidade e responsabilidade”, afirma Singer numa entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo. “Essa combinação entre a influência do Exército e a qualidade do ensino universitário explica em parte o nosso sucesso como nação.”

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Mulheres em treinamento numa unidade de artilharia perto da cidade de Binyamina, na região norte do país. O tempo mínimo de serviço militar obrigatório em Israel é de 24 meses para elas e 30 meses para os homens. Anualmente, cerca de 120 mil jovens israelenses, com idade média de 18 anos, ingressam no serviço. Mulheres casadas, judeus ultraortodoxos, cidadãos árabes, portadores de deficiência e atletas de elite são dispensados. (Uriel Sinai)

O tempo mínimo de serviço militar obrigatório em Israel é de 24 meses para elas e 30 meses para os homens. Anualmente, cerca de 120 mil jovens israelenses, com idade média de 18 anos, ingressam no serviço. Mulheres casadas, judeus ultraortodoxos, cidadãos árabes, portadores de deficiência e atletas de elite são dispensados.

Brasileira no front

A paulista Vivi Bruni prestou serviço militar em Israel dos 20 aos 23 anos. E foi com emoção, em uma unidade de combate.

Ela tinha 15 anos e ainda vivia no Brasil quando decidiu que queria prestar o serviço militar em Israel. “Eu nem pedi, apenas comuniquei a decisão aos meus pais. E minha mãe chorou, mas nenhum deles se opôs.” Aos 20, ela se mudou, sozinha, para um kibutz (fazenda), e imeditamente colocou seu plano em andamento. Chegou e já foi logo se alistando, com a empolgação de quem realiza um sonho. “Não era só patriotismo”, diz Vivi Bruni. “Eu sabia que o Exército seria um ótimo meio para a minha inserção na sociedade israelense.”

Já que era para ser, que fosse com emoção: ao ingressar no serviço, ela optou por ser alocada como combatente em uma unidade de infantaria. Não se arrepende da escolha. Bruni diz ter ficado surpresa com o tratamento igual dado pelos comandantes a homens e mulheres. E afirma não ter sofrido qualquer discriminação, mesmo sendo imigrante. “Convivi com homossexuais, portadores de síndrome de Down, muçulmanos… Todos tratados da mesma forma, sem distinção.”

Hoje, aos 38 anos, Bruni guarda boas lembranças do serviço militar, apesar dos perrengues que teve de encarar. “Servir em uma unidade de combate é difícil. A gente passa dias sem dormir ou tomar banho, vivendo em tendas. Sem contar a pressão.” Ao longo dos três anos em que serviu, ela afirma ter visto muitas mulheres estendendo a mão aos homens, para ajudá-los a não desistir. E se orgulha das condecorações recebidas em serviço. Foi eleita um dos melhores soldados em 2004, reconhecimento dado a apenas 120 combatentes por ano. “Serei reservista até os 45 anos.”

E como ela reagiria, em caso de guerra, a uma convocação? A brasileira garante que iria para o front sem pestanejar. “Ser convocada é uma possibilidade real. Se for chamada, irei.”


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