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E se não existissem fronteiras?

Imigrantes tirariam empregos dos nativos no curto prazo. No longo, porém, o número de vagas cresceria. A história está de prova.

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 13 jan 2021, 15h24 - Publicado em 28 set 2018, 19h47

Venezuelanos e bolivianos roubariam  nossos empregos.” “A Europa quebraria.” “Os EUA virariam um México gigante.” É isso que o discurso conservador diz. Mas ele está fundamentalmente errado.

A raiz dessa falácia está numa interpretação infantil da teoria econômica: a de que cada sociedade tem um número fixo de empregos. Mas não é assim que funciona. Os EUA só se tornaram a maior economia do planeta graças a imigrantes irlandeses, italianos, poloneses, mexicanos.

Um em cada seis trabalhadores ativos hoje nos EUA nasceu fora do país. Desde 1970, a população de imigrantes aumentou seis vezes mais que a de nativos por lá. E a economia segue a todo vapor, com uma taxa de desemprego pífia (3,9%, contra 13% do Brasil). Por aqui, a maior obra de imigrantes (e de migrantes) chama-se São Paulo, a cidade que responde por 10% do PIB nacional.

A população de imigrantes aumentou seis vezes mais que a de nativos nos EUA desde 1970. E a taxa de desemprego segue pífia: 3,9%.

A história, enfim, mostra que imigrantes não roubam empregos. Eles criam empregos. Um dos estudos mais recentes sobre esse fenômeno vem da National Foundation for American Policy, uma ONG dos EUA especializada em imigração. Ao analisar uma década de dados do mercado de trabalho americano, o estudo concluiu que o aumento no número de imigrantes faz crescer a quantidade de vagas.

Mas qual é a lógica? Se uma empresa abre dez vagas e cinco são preenchidas por imigrantes, não vamos ter mais nativos desempregados? Num primeiro momento, vamos. Só tem um detalhe: imigrantes não são mercadoria. São pessoas. E pessoas, no jargão financeiro, são “bens de capital”. Pessoas criam riqueza, venham elas de onde vierem. “Riqueza” no seguinte sentido: de cara, imigrantes ampliam o mercado consumidor. Com mais gente para comprar comida, roupas e alugar imóveis, ganham os produtores de comida, de roupas e de prédios. Num segundo momento, os próprios imigrantes passam a fabricar comida, roupas, prédios, já que boa parte deles cria negócios. Abre novas empresas.

Um dos 44 milhões de moradores dos EUA nascidos em outro país chama-se Sergey Mikhaylovich Brin. Ele nasceu na União Soviética. Aos 6 anos acabou aceito como refugiado político nos EUA, de carona com seus pais. Uma tacada de sorte, já que o intercâmbio populacional entre os dois maiores inimigos geopolíticos da história recente sempre foi próximo de zero. Menos de 20 anos depois de ter aportado nos EUA, esse imigrante criou sua empresa, o Google.

A sede do Google, diga-se, fica a 11 minutos de carro do quartel general de outra companhia que deve algo à livre circulação de pessoas: a Apple, fundada pelo filho de um certo Abdul Fattah Jandali, um imigrante sírio (o filho dele, Steve Jobs, acabaria criado por pais adotivos, mas essa é outra história).

Seja dando origem a gigantes do Vale do Silício, seja montando barraquinha de comida venezuelana em Roraima, imigrantes bombam economias, pelo simples fato de serem pessoas. Por essas, economistas como Michael Clemens, diretor da organização americana Center for Global Development, afirmam que um planeta sem fronteiras seria duas vezes mais rico, com um PIB de US$ 160 trilhões.

Imigrantes poderiam fazer o mesmo sem sair de sua terra natal? Em tese, sim. Mas a abertura de fronteiras tem a capacidade de juntar a fome com a vontade de comer.

A Universidade de Stanford é um ambiente mais fértil à criação de um Google da vida do que Moscou, a cidade onde Sergey Brin nasceu. Tivesse Steve Jobs nascido na Síria, a empresa que ele criaria depois de adulto talvez estivesse hoje sob os escombros da guerra civil que acabou com o país.

Da mesma forma, um microempreendedor venezuelano tem mais chance de gerar riqueza em Roraima do que em seu país natal, que deixou de ter uma economia funcional.

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Como resumiu a revista britânica The Economist: “Trabalhadores de países ricos ganham mais que os de países pobres porque vivem em sociedades que, ao longo de muitos anos, desenvolveram instituições que favorecem a prosperidade e a paz. É difícil transferir instituições canadenses para o Camboja, mas é fácil para uma família cambojana transferir-se para o Canadá”. 

Será ruim para o Camboja perder mão e cabeça de obra? Será. Mas errado mesmo é impedir indivíduos de escolher o melhor para si próprios.   

“A imigração oferece diversas oportunidades, e seria o mais coerente dentro de uma lógica na qual há uma intensa circulação de bens e serviços, pois o ser humano faz parte dessa dinâmica econômica”, diz João Carlos Jarochinski, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima.

Ainda assim, nem todo mundo estaria disposto a tentar a sorte num país estranho, ainda que com instituições mais sólidas. Desde 1986, cidadãos da Micronésia, país-arquipélago minúsculo e isolado no Pacífico, podem trabalhar e viver nos EUA à vontade. Só que dois terços da população decidiu continuar nas ilhas. A União Europeia permite o fluxo livre de trabalhadores entre os 28 países-membros. Mesmo assim, só 150 mil dos 7 milhões de adultos gregos decidiram imigrar para a Alemanha, nação mais rica do continente, desde a crise de 2010, que praticamente faliu o país.

No fim, tudo se resume a uma frase: um mundo sem fronteiras seria mais rico, mais diverso, mais livre. Livre inclusive para quem prefere trabalhar e empreender na terra onde nasceu.

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