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“Fingir demência”, “surtado” e outras expressões capacitistas para banir do vocabulário

A língua carrega preconceitos enraizados na sociedade. Mas é possível mudar: entenda o que é capacitismo e como escrever (e falar) de forma mais inclusiva.

Por Luisa Costa
7 jun 2022, 18h28

Nas entrelinhas do que (e como) falamos, está nossa visão de mundo. Afinal, as línguas se desenvolvem de acordo com o ambiente em que estão inseridas e com a cultura de seus falantes.

Até aí, tudo bem. O problema é que, por conta disso, aspectos nada louváveis das sociedades podem acabar aparecendo em uma série de palavras e expressões – que, às vezes, usamos sem perceber.

Um exemplo é o capacitismo: a discriminação e o preconceito contra pessoas com deficiência (PCD) física ou mental. A mentalidade capacitista pressupõe que esses indivíduos são necessariamente menos aptos a realizar tarefas do cotidiano ou incapazes de vivenciar determinadas experiências.

Isso se manifesta no oferecimento de tratamento desigual – desfavorável ou favorável demais. Sabe quando alguém despreza as PCD ou fala como se fossem indivíduos “especiais”, dignos de pena ou ajuda? Esses são comportamentos capacitistas a serem evitados – e não só porque ofendem essas pessoas (embora isso já seja motivo suficiente).

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“O preconceito e o estigma colocam diversas barreiras no diagnóstico e tratamento de transtornos mentais”, diz o psiquiatra Thiago Rodrigo, professor colaborador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Isso porque essa mentalidade constrange e afasta do convívio social quem tem esses transtornos – ou mesmo pessoas próximas a eles – e dificulta a adesão ao tratamento.

Língua inclusiva

Além de dificultar o diagnóstico e o tratamento, o preconceito acaba banalizando algumas condições, por exemplo – pense como é comum ouvir por aí que “Fulano é bipolar” porque teve uma mudança de humor, ou que “Ciclano tem TOC” porque é perfeccionista.

A boa notícia é que podemos rever o uso de palavras e expressões nada gentis – afinal, a língua está sempre em transformação e pode ser mais inclusiva. “A educação em saúde e a mudança de vocabulário podem trazer uma mudança cultural e fazer com que essas pessoas se sintam mais acolhidas, além de mostrar que essas condições são normais”, explica Thiago, que é especialista em esquizofrenia.

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A experiência dele e de outros profissionais serviu para criar o “Dicionário anticapacitista em saúde mental”, idealizado pela empresa farmacêutica Janssen em parceria com associações de pacientes esquizofrênicos e familiares. Confira abaixo alguns termos para riscar do seu vocabulário:

1. “Fingir demência”

É usado para dizer que alguém vai se fazer de desentendido em determinada situação. É uma expressão ruim porque a demência, marcada pela disfunção da memória e do discernimento, não é uma escolha – e não deve caracterizar o comportamento negativo de alguém. Troque por “fingir-se de desentendido”.

2. “Retardado”

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Vem de “retardo mental”, expressão usada antigamente para se referir à deficiência intelectual, capacidade significativamente reduzida de compreender informações novas ou complexas e de aprender novas habilidades. O problema dessa palavra é  sua utilização como insulto ou ofensa – o “retardado” é considerado alguém inferior. Troque por “sem noção”.

3. “Surtado”:

A palavra é usada comumente para se referir a mudanças de comportamento inesperadas ou desproporcionais à situação em que ocorrem. Acontece que isso não tem nada a ver com os surtos psicóticos que caracterizam, por exemplo, o diagnóstico de esquizofrenia, que incluem alucinações, delírios, pensamento ou comportamento desorganizados e dificuldade de comunicação. Troque por “descontrolado” ou “impulsivo”.

4. “Lunático”

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Antigamente, pensava-se que os transtornos neurológicos e psiquiátricos eram causados por influência da Lua. Daí surgiu o termo “lunático” – que se refere a alguém perigoso ou imprevisível. Como essas condições não têm nada de místico, essa palavra promove uma associação errada que pode alimentar a desinformação, mesmo que o falante não se dê conta.

5. “Esquizofrênico”

Essa palavra também pode ser usada com sentido pejorativo. É utilizada para caracterizar, por exemplo, um dia conturbado e turbulento: “Tive um dia esquizofrênico no trabalho”. É uma má escolha na hora de se comunicar com alguém, porque também reforça o preconceito em relação a quadros de crises ou surtos psicóticos. 

6. “Você parece normal”

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Quando você diz que uma pessoa com transtornos mentais parece normal, deixa a entender que ela, na verdade, não é. Isso pode ser dito com uma boa intenção, mas está longe de ser elogio: reforça estereótipos e dá a entender que essas pessoas não podem ter uma vida saudável ou autônoma.

Você pode conferir outras expressões e conhecer a campanha “Ouçam nossas vozes”, que dá voz a pessoas diagnosticadas com esquizofrenia, acessando o Dicionário Anticapacitista neste link.

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