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O que são os mercados chineses de animais silvestres?

Eles surgiram de uma necessidade, e a higiene deixa a desejar. Entenda o que envolve o comércio que culminou na propagação do coronavírus.

Por Carolina Fioratti
Atualizado em 25 mar 2020, 12h05 - Publicado em 31 jan 2020, 18h44
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  • Os mercados chineses de animais silvestres receberam grande visibilidade nos últimos dias. O motivo? Ao que tudo indica, o surto de coronavírus teve como berço um mercado na cidade de Wuhan, que está em quarentena, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de emergência em razão dos diversos casos já notificados. 

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    Apesar desses mercados parecerem extremamente populares na China, a realidade não é bem essa. Mas, para entrar neste assunto, é preciso entender o histórico chinês e o que levou a população a adquirir uma cultura gastronômica peculiar. 

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    A grande fome

    Entre 1958 e 1962, mais de 45 milhões de chineses morreram. Mas não houve guerra ou aniquilações. As mortes tiveram uma causa ainda mais cruel: a fome. Sob a liderança de Mao Tse Tung, foi prometido que a China viveria uma nova era de prosperidade e crescimento. O que não se esperava eram as restrições que viriam junto com o governo comunista.

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    Comunas agrícolas foram criadas, mas os trabalhadores deveriam dar todos os grãos colhidos para o Estado. Não sobrava o que comer, e até mesmo cozinhar dentro de suas próprias casas era proibido. Havia uma coletivização forçada: tudo era de todos, mas, ao mesmo tempo, nada era de ninguém. 

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    Não era como se faltasse comida – ela apenas não era distribuída. Na verdade, lera usada como moeda de troca para o trabalhador. Funcionários de posições políticas opostas ou mesmo doentes eram impedidos de acessar a cantina e, consequentemente, morriam. 

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    Na obraA grande fome de Mao – A história da catástrofe mais devastadora da China”, de Frank Dikötter, o autor relata cenas de canibalismo. Corpos de parentes mortos e ratos eram algumas das saídas para a alimentação. Diante deste cenário, a dieta de animais silvestres, como ursos e crocodilos, começa a ser melhor entendida. 

    Mas o fato desse comércio existir não significa que todos os chineses estão de acordo com a ideia. Na verdade, em um estudo divulgado em 2014, 52,7% dos moradores entrevistados não consomem tal tipo de alimento. Os pesquisadores compararam os dados com 2004, que apresentava um número de 42,7%. A tendência, então, é que em 2020 a quantidade de não-consumidores seja ainda maior.

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    Isso é algo que se reflete bastante nos atuais noticiários chineses. A população parece estar insatisfeita com a manutenção dos mercados, pois estão colocando a saúde mundial em risco. Além disso, em 2002, a China enfrentou um surto de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), que teve origem parecida com o coronavírus, e causou a proibição do funcionamento desses mercados.

    Na época, as portas se fecharam por seis meses, mas logo tudo voltou ao normal, sem nenhuma restrição. Neste novo surto, os mercados também se encontram fechados por tempo indeterminado, mas muitas pessoas pedem pela proibição total. 

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    As regras do cardápio

    Em 1988, a China estabeleceu uma lei de proteção da vida selvagem e que nunca foi atualizada desde então. No documento, são citados 54 espécies permitidas para comercialização e consumo. Entre eles, têm texugos, crocodilos, hamsters e até centopéias.

    É bem difícil que você coma churrasquinho de hamster aqui no Brasil. De fato: a cultura brasileira não possui tais animais na dieta. Muitos, inclusive, deveriam ser revistos pelo governo chinês, devido aos problemas para o ecossistema causados pela sua exploração. Mas a excentricidade dos bichinhos não é o problema principal para a saúde humana, e sim a falta de higiene.

    Os mercados pecam neste aspecto. São diferentes animais, retirados de seu habitat selvagem e colocados em gaiolas ainda vivos. Peter Li, especialista em políticas da China na Humane Society International, disse em entrevista à National Geographic que os animais “estão morrendo, com sede, em gaiolas enferrujadas e totalmente sujas”. 

    Os bichos podem, ainda, conter feridas abertas devido à falta de cuidados. Vírus como HIV e Ebola chegaram aos humanos justamente pelos hospedeiros terem sido retirados da selva e colocados em ambientes urbanos. São algumas das chamadas “doenças zoonóticas”, que poderiam ter tido a propagação impedida caso as condições de controle sanitário fossem melhores. 

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    Proibir é a saída?

    Além desse tipo de comércio, os animais também são vendidos em supermercados, congelados. A procura pela carne fresca ainda é grande em razão de antigas crenças. Os chineses mais velhos, principalmente, acreditam que é mais nutritivo dessa forma.

    Apesar de não haver um número exato, estima-se que existam centenas de mercados do tipo na China. É possível imaginar as regiões em que há maior incidência de acordo com a demanda. Em Guangzhou, cidade do sul do país, por exemplo, o consumo de animais silvestres é bem comum. Já na capital, Pequim, isso é extremamente raro. 

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    A compra e venda desses bichos também está relacionada ao nível socioeconômico das pessoas. Peter Li conta que nunca comeu animais do tipo na infância – com exceção dos sapos, que para ele eram os mais comuns. Apenas os mais ricos poderiam comprar iguarias como pata de urso assada ou cobra frita. Para se ter uma ideia, um texugo pode custar cerca de US$ 100.

    Ora, se todos estes problemas existem, por que não simplesmente proibir a comercialização? Não é tão fácil assim. Afinal, além de fazer parte da cultura de uma parcela da população chinesa, tudo que é proibido pode ser vendido de forma ilegal – o que abre espaço para condições sanitárias ainda piores.

    Tudo isso nos leva ao coronavírus, cujo surto recente parece ser um reflexo desse comércio. Mas não é por tal motivo que todos os chineses devam cair em generalizações – muitas vezes, xenofóbicas. Resta saber se o governo chinês irá tomar uma posição, revisar as leis antigas e tornar o controle sanitário mais rigoroso daqui em diante.

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