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Estes dados mostram que a fome ainda é um problema no Brasil

Dados da ONU indicam que população faminta do Brasil está em torno de 5 milhões – número que é praticamente o mesmo desde 2010.

Por Guilherme Eler
Atualizado em 12 mar 2024, 14h46 - Publicado em 5 ago 2019, 21h07

“Existe fome no Brasil? ‘Somados Bolsa Família, BPC [Benefício de Prestação Continuada] e Aposentadoria Rural, há uma massa de R$ 200 bilhões que vão para o bolso dos mais pobres todo ano. Logo, se você entender a fome como sistêmica e endêmica, o Brasil não a tem'”, disse o presidente Jair Bolsonaro, em sua conta do Twitter, fazendo menção a uma fala de Osmar Terra, atual ministro da Cidadania.

A declaração de Bolsonaro, feita nesta segunda (5), marca a segunda vez no intervalo de um mês em que o presidente comenta a situação da fome no Brasil. Durante um encontro com jornalistas estrangeiros no dia 19 de julho, Bolsonaro afirmou que “falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira”. Depois, recuou, dizendo que “alguns [brasileiros] passam fome”.

O conceito de “fome endêmica”, a que Bolsonaro recorre em seu tweet mais recente, foi introduzido por Josué de Castro, médico, escritor e ativista contra a fome no Brasil morto em 1974. Em sua obra Geografia da Fome (1948), Castro traça o primeiro mapa da fome no país e estabelece uma série de nomenclaturas para orientar estudos na área. Segundo o autor, pode-se chamar de área de fome endêmica, “uma determinada área geográfica em que pelo menos metade da população apresenta nítidas manifestações de carências nutricionais permanentes”.

Para dizer que todo o país atravessa um cenário de fome endêmica, segundo Castro, mais de 100 milhões de brasileiros precisariam estar privados do acesso adequado a alimentos. Não é, de fato, o que o Brasil registra hoje. Segundo o relatório O estado da segurança alimentar e da nutrição no mundo, divulgado recentemente pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) a parcela de brasileiros desnutridos caiu de 4,6% da população total entre 2004-2006 para um índice menor que 2,5% entre 2016 e 2018. Entre 2004 e 2006, estima-se que 8,6 milhões de brasileiros passavam fome. Se o número de desnutridos está, hoje, na casa dos 5 milhões, a queda foi de 42%.

No Brasil, a diminuição no número de famintos aconteceu de forma mais acentuada no período de 2004 a 2014 – quando 26.5 milhões de pessoas deixaram a pobreza. 2014, aliás, é tido como um marco, já que representa o ano em que o país saiu do Mapa da Fome elaborado pela FAO.

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O grande problema é que não é preciso entender a fome “como sistêmica ou endêmica”, como destaca Bolsonaro em seu tweet, para que ela continue existindo – e preocupando. Como dito acima, os dados do último levantamento da FAO, permitem estimar que mais de 5 milhões de brasileiros ainda sofrem com a escassez de alimentos.

E apesar de a queda de 42% ser considerável (e o total de desnutridos ser menor do que no começo do milênio), não registramos avanços significativos nesse quesito desde 2010.

Essa estagnação apareceu no Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e Caribe, outro relatório da ONU, divulgado em novembro de 2018. O documento indicou, inclusive, que a quantidade de pessoas famintas no Brasil fez o caminho inverso – aumentando ligeiramente nos últimos anos.

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Entre 2015 e 2017, o número de brasileiros desnutridos era de 5,2 milhões. Entre os períodos de 2014 a 2016 e 2013 a 2015, o total calculado era de 5,1 milhões. E dois anos antes, de 5 milhões. O índice mais baixo permanece sendo o de 2010, quando cerca de 4,9 milhões de Brasileiros passavam fome.

Há exemplos de países vizinhos de América Latina que, no mesmo período, apresentaram resultados bem mais relevantes. Na Colômbia, onde 5 milhões de pessoas passavam fome em 2010, o total chegou a 3,2 milhões em 2017 – uma queda de 36%. No caso do México, que foi de 5,5 milhões para 4,8 milhões de famintos, a diminuição desde 2010 foi de quase 13%. Mesmo o Peru, que teve uma baixa menos relevante, o número de desnutridos foi de 3 milhões para 2,8 milhões – quase 7% de queda.

Como disse José Graziano, engenheiro agrônomo brasileiro que foi diretor-geral da FAO, em entrevista ao Estadão, “não se combate a fome dizendo que ela não existe”. Ou seja, mesmo que os dados não sejam agradáveis a quem vê, ignorar a demanda dos brasileiros por alimentação de qualidade (como parece estarmos fazendo há um tempo) não vai erradicar o problema – muito pelo contrário.

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