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Por que tantos atletas fazem aniversário no primeiro semestre? Conheça o efeito da idade relativa

Nada de astrologia: o motivo é estatístico, e depende de quando os clubes selecionam os atletas.

Por Bela Lobato
Atualizado em 8 ago 2024, 22h22 - Publicado em 7 ago 2024, 19h00

Os atletas que estão competindo nas Olimpíadas de Paris nunca receberam tanta atenção na vida. Nas redes sociais, pipocam comentários que vão além da performance no esporte. Fofocas, opiniões e detalhes biográficos  do atletas (especialmente dos medalhistas) chamam a atenção.

Foi numa dessas que internautas notaram uma coincidência entre Rafaela Silva e Beatriz Souza, do judô, Tatiana Weston-Webb, do surf, e Rebeca Andrade, da ginástica artística: todas nasceram entre 21 de abril e 20 de maio, e são do signo de touro. 

Não demorou muito para que surgissem teorias astrológicas para explicar quais características do signo podem ser responsáveis pelo sucesso olímpico das atletas. Mas a resposta real é bem menos mística e conhecida por pesquisadores há pelo menos 50 anos: é o efeito da idade relativa.

Assim como nas escolas, as turmas de esportes são divididas pelo ano de nascimento dos atletas. Entre crianças e adolescentes, mesmo a diferença de alguns meses já é relevante para o desenvolvimento esportivo.

Um exemplo: um time de futebol composto por meninos nascidos em 2011 – ou seja, com 12 e 13 anos. Os que completaram 13 no começo do ano provavelmente já estão mais desenvolvidos, com o corpo passando pelas mudanças da puberdade a todo vapor. Já os que irão fazer 13 só no fim do ano provavelmente ainda não têm a mesma desenvoltura, estão mais baixos e mais fracos. Além disso, os do primeiro grupo têm aproximadamente 300 dias a mais de treino do que os do segundo.

A diferença é momentânea e comparativa, é claro. O dia do ano em que uma pessoa nasce não impacta o talento e a capacidade dela, mas pode impactar o seu desempenho em comparação aos outros da mesma turma. 

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Marcelo Massa, professor de Educação Física da Universidade de São Paulo (USP) e consultor da FIFA e CBF explica que a principal questão é que os treinadores observam, tratam e selecionam esses atletas como se estivessem em pé de igualdade. 

“O treinador, quando está fazendo a seleção de novos talentos, muitas vezes não consegue discriminar se aquele sujeito está tendo um alto desempenho simplesmente porque nasceu no começo do ano ou se ele é verdadeiramente talentoso”, explica Massa. Assim, a criança ou adolescente que é mais velho, por ser mais forte e ter mais prática, pode se destacar.

“Tudo é favorável para quem nasce no começo do ano. O treinador dá mais oportunidade, a família dá mais encorajamento, os amigos falam ‘pô, você joga legal, você ganha, você é superior aos demais’, ou seja, esse sujeito que nasce no começo do ano começa a colher benefícios não só na questão biológica”, completa o professor da USP.

O efeito relativo da idade já foi comprovado estatisticamente. Ele é mais relevante para atletas adolescentes e do sexo masculino, já que a testosterona tem um importante efeito para o aumento do desempenho atlético. 

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Esse efeito também pode ser encontrado nas escolas – é por isso que, às vezes, as crianças nascidas no final do ano precisam entrar numa série anterior, já que a disparidade em relação aos colegas pode prejudicar seu desempenho escolar e seu emocional. 

Como toda estatística, ela não é uma regra, mas uma tendência. É claro que existem atletas de sucesso nascidos no segundo semestre. Pelé e Maradona, por exemplo, nasceram em outubro. “Talento nasce todo dia se a gente não atrapalhar. O problema é que a gente está atrapalhando um contingente gigantesco de pessoas a descobrirem suas vocações, seus prazeres, seus talentos.”, diz Massa.

Em 2017, o professor realizou um estudo com os 341 atletas dos times de base do São Paulo Futebol Clube. Os resultados confirmam o filtro do efeito da idade relativa: 73% dos meninos faziam aniversário no primeiro semestre, e apenas 8,8% no último trimestre. O padrão se repete em muitas pesquisas – você pode até tentar fazer com os atletas do seu time.

O efeito pode mudar a depender de quando é feita a seleção. Por exemplo: quando o calendário europeu selecionava atletas do futebol em setembro, a maioria dos escolhidos fazia aniversário entre outubro e dezembro. Depois que a seleção passou a  ser no começo do ano, em pouco tempo a tendência se inverteu e os aniversariantes do primeiro trimestre ficaram em vantagem.

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Outro fator importante é a alta concorrência por uma vaga no esporte: o rugby brasileiro, por exemplo, tem jogadores com datas de nascimento bem distribuídas ao longo do ano. Isso porque eles não sofreram um filtro muito forte de pressão ao longo da vida, já que o esporte não é tão popular e concorrido quanto outros.

E como resolver o efeito da idade relativa? Massa explica que não há resposta milagrosa. O mais importante é que os treinadores consigam perceber o impacto das diferenças de idade entre os atletas, e preparar cada um adequadamente, dando chances aos mais novos. 

O futebol da Bélgica é um bom exemplo mundial. “A Bélgica tem um número de praticantes de futebol infinitamente inferior ao número de jogadores no Brasil, e eles começaram a perceber que  não podem se dar o luxo de desprezar talentos menos óbvios. Quais são os talentos menos óbvios? São aqueles que nascem no final do ano do ano.”

Para isso, o país incentivou uma mudança cultural entre os treinadores e clubes, incentivando que tratassem os atletas com equidade. “Para que todas essas crianças, independente da data de nascimento, possam receber estímulos, reforços positivos, motivação, minutos de treino e minutos de jogo semelhantes…”, explica Massa. “Ao longo de 10, 15 anos, isso pode formar uma geração onde a gente vai encontrar talentos nascidos em diferentes meses do ano.”

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