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A matemática da pincelada

Pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro estão fazendo um programa inédito de computador. Ele é capaz de traduzir em números o estilo de Portinari e verificar se uma tela é genuína ou uma falsificação.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 31 out 1999, 22h00

Gabriela Varanda, do Rio de Janeiro

A idéia de converter um computador em especialista em pintura surgiu como um raio, há cerca de um ano, na mente do engenheiro de telecomunicações João Candido Portinari. Há vinte anos, ele percorre museus de vinte países para localizar e catalogar obras atribuídas a seu pai, o mais famoso pintor brasileiro, o paulista Candido Portinari (1903-1962). Seu problema sempre foi separar as falsas das genuínas. De 5 300 pinturas examinadas, João descobriu que 4 600 são mesmo do pai e 200 falsas. Sobre as 500 restantes, ainda há dúvida. Sim, Portinari era um pintor muito fértil.

Agora, as suspeitas de João sobre as telas duvidosas vão ser eliminadas por um programa que, desde o ano passado, vem sendo desenvolvido pelo matemático da computação Ruy Milidiú, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Os computadores estão analisando quadros para descobrir traços da genialidade do pintor, como a espessura da tinta em suas telas ou as curvas que imprimia nos golpes do pincel. No final, essas e outras características das pinceladas ficarão gravadas na memória da máquina. “Na forma de uma série de números, elas constituirão a própria caligrafia de Portinari”, explica Milidiú. “A tela que não tiver essa assinatura não é legítima.”

Algo mais

Dez computadores Pentium II somaram forças para decifrar a arte de Portinari. Cada um tem 6 gigabytes de memória e velocidade de 400 MHz. O conjunto funciona como um supercomputador que é dez vezes mais rápido do que cada uma das máquinas individualmente.

Chips que são peritos em obras de arte

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Não existe um método infalível contra as fraudes artísticas. Todos podem falhar e o falsificador triunfar. Um dos exames mais usados é a análise química das telas para verificar há quanto tempo receberam a tinta. Então, se a cor é recente e o quadro for atribuído a um pintor do passado, a má-fé torna-se evidente. Também se pode recorrer a um estudioso de arte, que às vezes percebe discrepância entre o estilo de uma obra e o de seu suposto autor. Acontece que, se a imitação for bem-feita, na mesma época da original, nem a ciência nem os mestres conseguem descobrir.

A esperança é que os chips sejam mais rigorosos do que os peritos, pois podem examinar mais detalhes e com maior precisão. O desafio é ensinar o computador a identificar uma obra de arte. Para o matemático Ruy Milidiú, a chave do problema está no relevo que a tinta cria sobre uma tela, seus minúsculos vales, montanhas e planícies.

Caligrafia de tinta

Todos os quadros são assim, mas cada pintor deixa um padrão pessoal de “acidentes geográficos” – da mesma forma que cada cidadão assina seu nome da sua maneira. Por isso, Milidiú diz que os traços de Portinari são a sua caligrafia, garantindo que ela pode ser usada para reconhecer qualquer obra dele (veja o infográfico à direita).

Foi assim que ele começou a trabalhar, há cerca de um ano, num programa capaz de examinar as pinturas do artista e descobrir o seu jeito característico de aplicar as pinceladas, suas “impressões digitais”. O matemático afirma que não é possível prever quanto tempo vai demorar o aprendizado do computador. Até agora, o progresso tem sido muito rápido, diz Milidiú. “Nesse momento, o software já é capaz de reconhecer as telas de Portinari com um índice de acerto superior a 90%.”

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Uma inteligência de cozinheira

Um computador só é capaz de analisar uma obra de arte se utilizar um software inteligente. No caso de Portinari, optou-se por programa inteligente do tipo rede neural, capaz de executar uma operação, verificar em seguida o resultado e corrigir-se, se necessário. Imagine que se deseja fazer uma torta, mas não há açúcar, ingrediente essencial da receita. Diante do dilema, um micro comum empacaria, mas uma cozinheira humana poderia salvar o dia usando outro adoçante. Como um pedaço de rapadura. “As redes neurais podem tomar decisões parecidas”, explica o matemático Ruy Milidiú, “e, no final, também chegariam a assar uma torta”. Aplicando essa analogia à arte, os ingredientes são as formas que as pinceladas deixam na tela, e o doce, o jeito de Portinari pintar. A complicação é que, nesse caso, a receita não está pronta e não se trata apenas de trocar um ingrediente por outro. A tarefa do computador será vasculhar a infinidade de traços existentes nas telas e descobrir, por tentativa e erro, quais deles representam as características do artista.

A geografia das telas

Os altos e baixos da tinta são a marca registrada de um pintor.

1. Foco digital

O primeiro passo para reconhecer a obra de Portinari foi dividi-la em pequenas áreas. Nove. Cada recorte, como este acima, é fotografado e a imagem segue para um scanner, onde é digitalizada. Com isso, pode ser examinada pelo computador.

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2. O segredo da sombra

Na hora de fotografar, a iluminação é a chave. Deve ser lateral, nâo frontal. O ângulo de inclinaçâo sobre o quadro deve ser menor do que 5 graus para o foco criar sombra e salientar o relevo das pinceladas. Essas são as oscilações que o computador analisa.

3. Preto no branco

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Em seguida, divide-se cada recorte em 400 pedaços ainda menores, chamados células. Elas são convertidas em preto-e-branco porque as cores podem se confundir com as sombras e atrapalhar a análise.

4. Pequenos pedaços

Depois de codificado o relevo do quadro inteiro, o mesmo procedimento é repetido em outras obras. Comparam-se, entâo, os altos e baixos da tinta em todas. Outra pintura utilizada foi a tela Nossa Senhora do Carmo. Assim, o computador procura seqüências de números que apareçam em todo o acervo do pintor. Quando elas surgem, revelam marcas do autor. Repare, no detalhamento do dedo, o padrâo das pinceladas de Portinari.

5. Prova dos noves

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Finalmente, o computador aprende a identificar quadros de Enrico Bianco, um discípulo de Portinari, com estilo semelhante. Quando o programa distingue os dois pintores, faz a prova dos noves. Veja, no detalhe, como a pincelada de Bianco é diferente daquela que o mestre dava.

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