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Asas à imaginação

Com seu desenho aerodinâmico especial, elas mantêm os aviões no ar, suportam cargas esmagadoras e guardam no bojo rios de combustível. Levam longe a criatividade da indústria aeronáutica

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 30 jun 1990, 22h00

Cera e penas — isso foi tudo que o mitológico arquiteto grego Dédalo precisou para construir os pares de asas que o libertaram, juntamente com o filho Ícaro, do temível Labirinto de Creta. Aprisionado na própria criação, o engenhoso Dédalo desafiou os deuses com seu vôo e acabou punido: imprudente, Ícaro não ouviu o conselho paterno, voou alto e teve as asas derretidas pelo sol, afogando-se no mar. A lenda de final infeliz, como o de tantos mitos da Grécia Antiga, é a mais conhecida metáfora do imemorial sonho humano de construir asas e voar. Hoje em dia, quando os materiais que permitem ao homem alçar-se aos ares são um tanto mais complexos do que cera e penas, o desafio nem por isso é menor.

Com bons 30 metros de comprimento e cerca de 24 toneladas, as asas de um moderno Jumbo 747 suportam cargas de quase meia tonelada para cada um de seus 511 metros quadrados de área. Carregam no interior quase 200 000 litros de combustível e quilômetros de tubos e fios, além de sustentar turbinas de até 5 toneladas. Sem dúvida, uma proeza da Engenharia aeronáutica à altura dos mais estratosféricos delírios do velho Dédalo. Mas os passageiros do Jumbo, ou, no caso, de qualquer outro avião de verdade, não precisam temer a ira dos deuses — as asas não vão se derreter. Aliás, se os passageiros que se apresentam para uma viagem sentem alguma preocupação quanto ao vôo, esta raramente tem a ver com as asas do aparelho — a não ser como um inconveniente que atrapalha a visão do cenário aéreo nos assentos próximos a elas, embora os viajantes mais experientes saibam que justamente nessa parte da aeronave a estabilidade é maior. De fato, ao contrário da idéia geral, os motores apenas impulsionam o avião, que é sustentado no ar, isso sim, pelas asas, em torno das quais gira toda a fuselagem. Assim, os assentos mais atrás e mais à frente chegam a subir e descer alguns metros em relação ao eixo transversal das asas, cada vez que o avião levanta vôo ou aterrissa, gerando certo desconforto para os passageiros.

Por essa mesma razão, quando a aviação ainda, por assim dizer, engatinhava e os motores possuíam uma fração da potência das gerações seguintes de aparelhos, bastavam simples estruturas de madeira leve ou mesmo bambu, revestidas com telas de tecido e presas com cola, cabos, pregos e parafusos, para funcionar como planos de sustentação. Afinal, as asas não passam de superfícies com perfis especiais que cortam o vento de modo a gerar um impulso ascendente. Segundo as leis da Aerodinâmica, o desenho mais abaulado da parte superior leva o ar a contorná-la mais rapidamente do que na superfície de baixo, resultando daí uma força que empurra o avião para cima. Essencialmente, é o que ocorre ao se empinar uma pipa, na qual a superfície curva de papel de seda e bambu serve como asa e a linha atua como os motores, impulsionando o conjunto para a frente. “Os aerofólios dos carros de Fórmula 1 não passam de asas invertidas”, compara o capitão Maurício Pazini Brandão, engenheiro aeronáutico do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos. “Atuando de modo inverso, mantêm os carros no chão, embora estes alcancem velocidades iguais às de alguns aviões.” A sustentação no ar aumenta com o chamado ângulo de ataque, em que as asas cortam o ar. O aumento tem um limite, a partir do qual a sustentação cai repentinamente, devido à formação de uma turbulência na parte superior das asas. Levar o avião até esse limite e depois deixá-lo perder altitude é, por sinal, uma manobra perigosa de pilotos de caça conhecida como estol (do inglês stall, retardar algo mediante subterfúgio).

Para fazer um potente jato ou um pequeno hidroavião subir e descer, os pilotos controlam partes móveis das asas, que aumentam ou diminuem sua superfície e, portanto, sua capacidade de sustentação. Durante a decolagem e o pouso, quando a velocidade é menor e a necessidade de sustentação maior, flaps (abas) na parte de trás e slats (ripas) na parte da frente se desdobram, aumentando as superfícies das asas. Outras engrenagens entram em ação nas diversas manobras. Os ailerons (ponta da asa, em francês) funcionam junto aos flaps sob o comando do manche. São os responsáveis pelo movimento em torno do eixo longitudinal da aeronave, uma manobra conhecida como rolamento. Os spoilers (destruidores, em inglês) são pontos de abertura da superfície das asas que permitem a passagem de ar e a queda de sustentação.

Tampouco se pode esquecer das pequenas asas traseiras que os engenheiros aeronáuticos conhecem como empenagem. Parecidas com as barbatanas de peixes, essas estruturas compõem com a cauda vertical um sistema de eixos que controla a elevação do nariz da aeronave. Quanto maior a empenagem, mais fácil manobrar o aparelho. O caça sueco Viggen, por exemplo, tem empenagem notavelmente grande em relação às asas, além das pequenas falsas asas dianteiras chamadas canard. Todos esses aparatos reduzem a velocidade necessária para a decolagem e, conseqüentemente, o tamanho das pistas — uma conquista importante, principalmente quando se trata de porta-aviões. Em certas ocasiões, a ponta da asa pode se dobrar cerca de 1 metro para cima ou para baixo, mas não chega a quebrar.

A flexibilidade das asas e a resistência dos materiais de que são construídas passam, aliás, por severos testes na grande indústria aeronáutica. Nos hangares onde é fabricado o Airbus europeu, compressores hidráulicos submetem o equipamento ao que os técnicos chamam ciclos de torção — as asas são dobradas sucessivamente para cima e para baixo a fim de se descobrir seu eventual ponto de ruptura. No interior do revestimento de placas de alumínio, esconde-se uma espécie de costela, de aço ou de titânio, altamente resistente, que abriga as bombas de combustível, os controles hidráulicos e elétricos, o próprio líquido inflamável, que ocupa todos os espaços vazios, e os bens de pouso retráteis (SUPERINTERESSANTE número 2, ano 4). “São muitos os sistemas escondidos nas asas”, comenta José Renato Oliveira Melo, gerente de engenharia aeronáutica da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer). “Se for necessário voar em lugares muito frios, as asas vão precisar, por exemplo, de equipamentos que impeçam a formação de gelo sobre elas.”

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Nesse caso, a parte da frente das asas é feita de materiais condutores ligados a filamentos elétricos que funcionam como uma resistência, não muito diferente daquelas usadas nos chuveiros, que mantém a superfície constantemente aquecida. Outras vezes, deve-se deixar espaço para os mecanismos que movimentam as asas para trás em vôos supersônicos, como acontece no caça americano F-14 Tomcat, ou no MiG23/27, soviético. De fato, a forma de flecha diminui a resistência ao avanço. O Boeing 747, por exemplo, tem asas mais enflechadas do que os outros aviões comerciais, que voam a menores velocidades transônicas (próximas à velocidade de som ou 1200 quilômetros por hora) e têm asas retas ou trapezoidais.

Todos esses conceitos aeronáuticos só chegaram a ser estudados e aplicados numa fase recente da história da aviação. A maioria das asas dos primeiros aviões foram imaginadas e testadas na prática, acumulando desastres. Mas também surgiram, na época, idéias teoricamente avançadas, como as asas traseiras do 14 bis, que podem vir a se tornar comuns nas aeronaves do futuro, desenhadas por computador. Explica-se: quanto mais para trás na fuselagem, mais as asas facilitam as manobras de pouso e decolagem. Hoje em dia, por motivos óbvios, o método de tentativa e erro foi abolido.

Em seu lugar surgiu primeiro o túnel de vento, onde a asa é submetida a uma corrente de ar produzida por um poderoso ventilador que simula as condições de vôo, tomando possível medir ali a eficiência dos modelos. Mais recentemente, poderosos computadores estenderam essa capacidade de simulação além dos limites possíveis de obter nos túneis de vento convencionais. A partir desses testes, surgiu uma pequena porém valiosa inovação no desenho convencional da asa — o wing-let, um prolongamento vertical destinado a diminuir o turbilhão de ar nas pontas tornando a estrutura mais eficiente. A última geração de jatos comerciais possui já esse aperfeiçoamento, previsto também no EMB-145 da Embraer.

A posição em que as asas se prendem à fuselagem é uma das características testadas nos túneis de vento. Assim, asas altas geralmente são utilizadas em aviões de transporte, pois fazem a fuselagem ficar mais próxima do chão, facilitando a entrada das cargas. As asas médias, por sua vez, são as mais eficientes em termos aerodinâmicos, embora com a desvantagem de ocupar muito espaço na fuselagem. Os aviões comerciais têm asas baixas, que protegem a fuselagem em caso de aterrisagens forçadas sem o trem de pouso. Novos sistemas de computadores permitem agora criar aparelhos com o máximo de desempenho e de estabilidade em superfícies de formas singulares. Dando asas à imaginação, essas complexas estruturas nascidas da criatividade dos engenheiros aeronáuticos vencem a todo instante no ar o desafio de Dédalo — e isso não é mito.

 

 

 

Para saber mais:

Santos Dumont, as asas do homem

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(SUPER número 4, ano 3)


Colosso de rodas

(SUPER número 2, ano 4)

 

Para longe da morte

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(SUPER número 5, ano 4)

 

Medo de avião

(SUPER número 12, ano 10)

 

 

 

 

 

 

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