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Construção , nada será como antes

Haverá concreto transparente, vidros anti-sujeira, tecidos invulneráveis, superfícies autocicatrizantes. E até portas e paredes perderão a fama de estúpidas.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 31 ago 2002, 22h00

Sergio Cury / Zed

Era uma casa muito engraçada, pensarão nossos descendentes ao ouvir as histórias sobre onde morávamos na virada do século XXI. As paredes eram feitas de blocos de concreto e a tinta que cobria as paredes tinha função meramente decorativa. Mudar um móvel de lugar era uma aflição. A mesa da cozinha vivia coberta por uma toalha, para esconder as horríveis marcas de facadas e outros descuidos que estragavam esse e praticamente todos os móveis para sempre. Naquele tempo – dirão nossos netos –, havia gente que arriscava a vida só para limpar as janelas. Sofás e poltronas viviam à mercê de gatos e cachorros (para alegria dos reformadores de móveis). Isso sem falar na panaria da casa – toalhas e roupas – e sua relação de amor e ódio com a máquina de lavar daquela época. Os tecidos delicados viravam um trapo depois de apenas algumas lavagens.

Pois bem. Na casa do futuro, tudo isso não passará de uma remota lembrança. Graças aos computadores, à nanotecnologia (a manipulação de materiais no nível pra lá de microscópico) e aos avanços da genética, a indústria de materiais viverá uma revolução. Num futuro não muito distante, prometem os pesquisadores, estaremos vivendo em prédios virtualmente indestrutíveis, com janelas que se mantêm limpas sozinhas e superfícies cicatrizantes. Tecidos serão feitos de fibras super-resistentes e paredes vão facilitar a passagem de ondas de celular – ou bloqueá-las, caso você queira um lar livre das comunicações sem fio.

O princípio fundamental que direciona as pesquisas de novos materiais tem nome: interatividade. “No futuro, todos os materiais reagirão com inteligência, de acordo com o clima ou com as interações com os habitantes”, diz Andrew Dent, diretor de pesquisas da MaterialConnexion, uma empresa americana que reúne um banco de dados com mais de 3 000 novos materiais para construção e design.

Um dos melhores exemplos dessa interatividade é o dos polímeros autocicatrizantes. Literalmente, esses materiais recuperam a integridade quando submetidos a um corte ou uma rachadura, por exemplo. O funcionamento é relativamente simples: os polímeros são compostos de esferas de apenas 50 mícrons recheadas de um líquido chamado diciclopentadieno. Quando uma rachadura aparece, essas microesferas se rompem, então o líquido entra em contato com um catalisador e, finalmente, o composto se solidifica. As aplicações domésticas de uma novidade como essa são inúmeras, desde revestimentos para móveis de cozinha (diga adeus às marcas de faca) até vidros e lentes, que serão recorrentes na casa do futuro.

E se os pesquisadores da empresa americana Colortronics estiverem certos, os interruptores estão com os dias contados. A empresa desenvolveu uma tinta revolucionária que transmite impulsos elétricos. “É o fim da interface digital com a eletricidade”, diz Andrew Dent, da MaterialConnexion. Ou, simplificando: quer acender a luz? Basta tocar na parede. (Detalhe: as superfícies cobertas com essa nova tinta poderão ser lavadas à vontade, quantas vezes você quiser, sem perda da condutividade.)

Mas, veja: a mudança na eletricidade não se resume ao fim de alguns botõezinhos. Novas formas de aproveitar fontes alternativas de energia, como a do Sol, também estão entre as prioridades dos fabricantes de materiais. Pesquisadores da Universidade de Cambridge, norte da Inglaterra, criaram células solares que se auto-reproduzem. Basta derramar a solução especial sobre uma superfície apenas mais ou menos especial – uma camada de vidro revestida de uma liga de metais – esperar a secagem e… pronto: eis uma placa solar. “A vantagem é que esse método permite montar placas solares a um preço mais baixo”, diz Lukas Schmidt-Mende, da equipe que realizou a pesquisa. Agora falta vencer o desafio da eficiência: as placas conseguidas com a mágica dessa solução ainda geram menos energia do que as placas solares que estão no mercado.

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E talvez nem precisemos tanto dessa energia, diante da possibilidade de aproveitar melhor a que já está disponível. Essa é a função das ceras que mudam de fase. O nome diz muito pouco, mas é fácil entender para que elas servem: trata-se de um composto leve e poroso, cuja função principal será regular a temperatura do ambiente. As paredes da casa do futuro serão recheadas com essas ceras malucas. Durante o dia, elas absorverão o calor externo e manterão a temperatura da casa estável. À noite, aquecerão o ambiente. Os fabricantes de aparelhos de ar-condicionado que se cuidem.

Quem também precisa ficar de olhos abertos são os produtores de limpa-vidros. Uma empresa americana criou e patenteou o Activ, um vidro que não precisa de limpeza. Ele já vem coberto por dois compostos que fazem o serviço sujo – ou melhor, limpo – para você. Eis o truque: o vidro recebe uma cobertura de um produto fotocatalítico e de outro hidrofílico. Em português claro, isso significa que os raios solares “quebram” automaticamente as partículas de sujeira. E que o resto fica por conta da água da chuva, que se espalha por igual pela superfície e então escorre, completando a limpeza.

Que tal dobrar concreto?

Mas a casa do futuro não será inovadora apenas no acabamento. As estruturas também prometem mudanças impressionantes. O concreto estará presente, sem dúvida. Mas será infinitamente mais resistente e, se você precisar, maleável. A empresa francesa Lafarge desenvolveu o Ductal, um tipo de concreto que pode ser dobrado sem quebrar. A novidade já foi utilizada para sustentar uma passarela na cidade de Québec, Canadá. Outro avanço do mundo das construções será o concreto super-resistente. “Hoje, o padrão é usar concreto que agüenta cerca de 250 quilos por metro quadrado. Mas já existem testes bem-sucedidos com misturas que suportam até 4 000 quilos por metro quadrado”, diz Luiz Hamassaki, responsável pelo laboratório de concreto do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). “Isso significa estruturas mais delgadas, obras econômicas e mais rápidas.”

Pode anotar também: a expressão “falando com as paredes” provavelmente terá outro sentido na casa do futuro. Porque elas, enfim, serão inteligentes. Ou continuarão burras, dependendo do desejo do proprietário (quando o assunto é o futuro das conexões sem fio, a tecnologia caminha em direções opostas, mas não excludentes). De um lado, haverá os tijolos permeáveis às ondas de celular. Equipados com um pequeno amplificador, eles devem facilitar o trânsito dos sinais dos aparelhos que hoje conhecemos como telefones celulares – que, num futuro não muito distante, cumprirão a promessa de dar acesso à internet e a praticamente tudo o que funcionar dentro de nossas casas. Uma eficiência que hoje sequer imaginamos. Com esses tijolos-amplificadores, ninguém mais terá que ir até a varanda ou subir em cima do banquinho para garantir um pouco mais de qualidade nas transmissões via celular. Uma das forças por trás desse projeto é a Siemens (não à toa, pois a empresa fabrica aparelhos e equipamentos de rede de telefonia).

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Mas haverá quem prefira o isolamento. Na Universidade de Morioka, Japão, pesquisadores descobriram que placas de madeira incrustadas com pequenas partículas magnéticas podem bloquear até 97% das ondas celulares. E não é necessário mais que 4 milímetros de espessura para garantir a paz e a tranqüilidade dos ambientes. E, além do uso residencial, podemos imaginar que cinemas, teatros e restaurantes também passem a utilizar essas placas isolantes (eu, você e todos os civilizados que sabem se comportar nos espaços públicos ficaremos eternamente agradecidos).

À prova de gato e catchup

A transparência também é assunto de interesse dos pesquisadores de novos materiais de construção. Nada a ver com lingerie: é o concreto transparente, criado por Bill Price, da Universidade de Houston, Estados Unidos. Na verdade, concreto translúcido parece nome mais adequado, já que não se trata de transparência 100%. É o caso também do seu inventor, que não revela o material utilizado na mistura. Só diz que a descoberta já deu provas de resistência (se é que alguém está mesmo interessado em transformar sua vida doméstica num reality show para a vizinhança).

Outra maravilha que está atiçando cientistas, militares e que, decerto, encantará as donas-de-casa, são os tecidos hiper-resistentes. Pesquisadores franceses conseguiram criar fios entrelaçados de nanotubos de carbono. Se você acha que passar linha no buraco da agulha é difícil, imagine dar um nó num fio cuja espessura é de 30 micrômetros – ou 0,0003 milímetro! Apesar de tão pequenos, nanotubos são mais resistentes que o aço.

Em março passado, o exército americano concedeu um financiamento de 50 milhões de dólares para o Massachusetts Institute of Technology (MIT) para que os cientistas pesquisem armaduras ultra-resistentes feitas de nanotubos. Portanto, não se surpreenda se o chão da sala ou o sofá um dia forem revestidos com um tecido à prova de água, catchup, chocolate, cães, gatos… bem, à prova de tudo o que ainda falta inventar.

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“Nos últimos 50 anos, a construção residencial mudou pouco nos seus métodos e materiais. Talvez esta seja a única indústria em que um trabalhador de 1899 ainda se sentiria capaz e confortável”, observaram Kent Larson e Chris Luebkeman, professores do Departamento de Arquitetura do MIT. Com os avanços no desenvolvimento de materiais, essa afirmação parece estar com os dias contados.

Placas instantâneas

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Uma substância especial faz com que as células solares se auto-reproduzam, tornando possível o uso de placas de captação da luz solar em quase toda a área externa do prédio

Concreto hiper-resistente

Deve ampliar em cerca de 15 vezes a capacidade de carga por metro quadrado. As construções serão mais delgadas e certamente mais confiáveis

Cera térmica

Vai rechear as paredes, regulando a temperatura em nossas moradias: refresca de dia, aquece durante a noite

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Superfícies autocicatrizantes

Ôpa! A faca cortou a pia nova? Tudo bem. No lar do futuro haverá um material que se recompõe sozinho, cobrindo várias superfícies

Os bastidores das invenções

Não é só o interesse científico o motor por trás das novidades em materiais. Há também dinheiro – muito dinheiro, diga-se. Imagine se o plástico ou a fibra de vidro comuns fossem patenteados e tudo o que incluísse na receita um desses dois materiais tivesse de pagar uma taxa pelo uso… Provavelmente Bill Gates teria de ceder o trono de homem mais rico do mundo para o dono dessas patentes. No mundo dos negócios de hoje não basta inventar, é preciso também estabelecer os direitos sobre a invenção. Como os materiais de construção estão literalmente em todas as casas, edifícios e outras construções, dá para imaginar como essa corrida é bem disputada. Veja o seguinte exemplo: no ano 2000, a gigante americana DuPont faturou nada menos que 7 bilhões de dólares com poliéster e náilon (que são dois de seus produtos patenteados) e outros 3,5 bilhões de dólares com fibras igualmente especiais e exclusivas. Somados, esses dois valores magníficos representam mais de um terço de toda a receita da empresa.

E o que isso tem a ver com a casa do futuro? – você pergunta. Em primeiro lugar, imagine o poder de marketing de uma empresa de bilhões de dólares. Depois, tome como exemplo a briga que hoje envolve os criadores de softwares livres, como o Linux e os da Microsoft… Não faltam especialistas dizendo que os softwares dos primeiros são mais confiáveis e eficientes, embora sejam esmagados pelo poderio econômico do outro. É exatamente o que acontece – e deve continuar acontecendo, mesmo no fabuloso futuro que nos aguarda – com os materiais que compõem nossas casas. Muitas novidades que viermos a usar daqui a 20 ou 30 anos talvez não sejam as melhores do mercado. Fique de olho. Ou você vai querer financiar o Bill Gates dos materiais?

Vidro que não dá trabalho

Um novo tipo de vidro conseguirá o milagre da autolimpeza: raios solares “quebram” as partículas de sujeira, para que depois a água da chuva dissolva e despache tudo por igual

Tinta elétrica

Já pensou em acender a luz simplesmente apertando a parede? Isso será possível graças a essa tinta revolucionária que transmite impulsos elétricos. Será o fim dos interruptores

Concreto maleável…

Além de mais resistente, pode ser dobrado sem quebrar

… E concreto transparente

O novo material reúne a beleza do vidro com a resistência do concreto. Os voyeurs vão adorar…

Tecidos invulneráveis…

Feito com fios de nanotubos de carbono, será a moda em carpetes, sofás, poltronas e outros móveis. Nunca mais amaldiçoaremos as unhas do gato

Parede isolante…

Tem uma camada magnética que isola 100% o ambiente dos sinais dos celulares e outros equipamentos

…Parede permissiva

Os tijolos são equipados com um miniamplificador de sinais, para facilitar as transmissões

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