De olho nos vizinhos
Novas missões espaciais e um possível micróbio marciano abrem uma era de entusiasmo entre os cientistas. Quanto mais sabemos sobre o Sistema Solar, maior a esperança de achar seres vivos ¿ ainda que em estado primitivo.
Marta San Juan França
Um pedaço de rocha do tamanho de uma batata, caído do céu há 13 000 anos, recolocou na berlinda um dos temas mais apaixonantes da Astronomia: a vida em Marte. Em agosto do ano passado, pesquisadores da Nasa anunciaram que o meteorito ALH84001, descoberto na Antártida em 1984, continha resíduos químicos fósseis de microorganismos que viveram em Marte há 3,5 bilhões de anos. Se a descoberta for comprovada, será a primeira prova da existência de microorganismos em outro lugar do Universo além da Terra. O problema é que o anúncio da Nasa foi contestado por vários cientistas – eles sustentam que os tais micróbios marcianos são resultado de um processo químico sem a presença de seres vivos. A nave Pathfinder, que em julho pousará em Marte para explorar a superfície do planeta, dirá se o meteorito foi ou não uma ilusão.
Além da polêmica marciana, há sinais alentadores de que outros lugares do Sistema Solar possam abrigar seres vivos, mesmo que rudimentares. Os dois candidatos mais cotados são satélites: Europa (uma das luas de Júpiter) e Titã (de Saturno). A aposta dos pesquisadores se sustenta nas fotos das naves gêmeas Voyager 1 e 2. Elas descobriram, nos confins mais distantes do Sistema Solar, cenários surpreendentes, com vulcões de fogo e gelo e oceanos de água líquida escondidos embaixo de geleiras. Agora o mundo aguarda, ansioso, pelas novas fotos da missão Galileu a Júpiter e pelo lançamento da nave Cassini, que partirá em outubro com destino a Saturno, onde chegará no ano 2004. A Cassini enviará uma sonda a Titã, a mais fascinante das luas do Sistema Solar. Vale a pena esperar – e torcer.
Um jenipapo espacial, com um oceano
Toda arranhada por linhas escuras, a superfície de Europa, a menor das quatro luas de Júpiter, lembra a casca de um jenipapo. As fotos da nave espacial Galileu sugerem que o satélite é completamente coberto de gelo. Acredita-se que debaixo dessa imensa geleira, de cerca de 10 quilômetros de espessura, exista um oceano de água líquida, com até 100 quilômetros de profundidade. Lá pode haver formas rudimentares de microorganismos, semelhantes às encontradas no fundo dos oceanos terrestres, onde as temperaturas são igualmente geladas.
A receita é a mesma que permitiu a proliferação de bactérias nos lugares mais profundos do Oceano Pacífico: água e atividade vulcânica. Todo mundo está morrendo de curiosidade para ver as fotos de Europa tiradas pela Galileu em fevereiro. Quanto às fissuras na casca do satélite, a hipótese mais provável é que elas sejam o resultado do impacto de meteoritos. A calota de gelo se rompe, e as rochas caídas do espaço afundam no oceano líquido. Com o frio, a água que aflora na superfície por causa do impacto se congela, o que provoca o aspecto de rachaduras.
Um satélite com vulcões de gelo
A passagem da nave Voyager 2 por Tritão, em 1989, reservava uma surpresa: o maior satélite de Netuno possui atmosfera e vulcões ativos, apesar da temperatura extremamente baixa, de 223 graus negativos. A atmosfera de Tritão é tênue, composta principalmente de nitrogênio e metano. A superfície é coberta por uma camada de gelo. O que intriga os cientistas é que, mesmo assim, Tritão tem calor suficiente para transformar o nitrogênio sólido em gás. Resultado: o nitrogênio congelado se vaporiza, formando “vulcões de gelo” que lançam um material sólido e gelado para o alto.
Só existem no Sistema Solar dois outros lugares com vulcões ativos: a própria Terra e Io, um dos satélites de Júpiter. Estéril e desolado, Io é um deserto incandescente, com vulcões lançando lava para o espaço e lagos de matéria fundida borbulhante. Não possui atmosfera e nem sombra da existência de água, em qualquer estado.
Pelo seu clima extremamente frio, Tritão não se encaixa no figurino dos candidatos à vida. Mas a existência de uma fonte interna de calor tem suscitado especulações sobre a presença de água e, talvez, de seres orgânicos rudimentares. Tritão foi a penúltima “escala” da Voyager 2 em sua jornada pelo Sistema Solar. Antes de se perder no espaço, a nave se aproximou de Urano e descobriu que o planeta tem anéis, como Saturno. Mas são anéis escuros, como arcos de fuligem envolvendo um planeta azulado e lançando estranhas sombras sobre suas luas. Um candidato pouco provável à existência de seres vivos. Plutão e seu satélite Caronte têm chances ainda mais remotas de abrigar organismos.
O passado da Terra na lua de Saturno
A derradeira tentativa de se achar microETs nas vizinhanças da Terra começa em outubro deste ano, com o lançamento da nave européia-americana Cassini. Destino: Saturno. Principal missão: liberar uma sonda para descer em Titã, a mais fascinante de todas as luas do Sistema Solar. Se tudo correr bem, no ano 2004 a sonda Huygens tocará a superfície que os astrônomos ainda não sabem se é líquida, sólida ou um estado intermediário. As fotos das naves Voyager 1 e 2 serviram para aumentar o mistério: elas revelam a existência de uma densa atmosfera de nitrogênio e uma enorme quantidade de matéria orgânica na superfície e talvez no interior de Titã. Matéria orgânica é uma pista, mas não necessariamente sinônimo de vida.
Titã tem um fascínio a mais. Os cientistas acreditam que, a partir de Titã, poderemos conhecer melhor a origem do nosso planeta. Como a lua de Saturno, a Terra tinha há 4 bilhões de anos compostos orgânicos complexos em sua superfície e quase nenhum oxigênio na atmosfera. O oxigênio só se espalhou depois que as primeiras formas vegetais se encarregaram de fabricá-lo por meio da fotossíntese. Se Titã se parece com a Terra, por que não evoluiu do mesmo modo? A temperatura talvez seja a resposta. Titã é geladíssima – 180 graus negativos. Não existe água líquida, principal componente dos seres vivos e meio essencial à reações químicas.
Marte, dos canais aos micróbios
A imagem romântica de marcianos navegando por canais cheios de água, como turistas em Veneza, dominou a imaginação humana por muito tempo. A teoria dos canais de Marte ganhou impulso a partir das fotografias feitas pelo astrônomo americano Percival Lowell (1855-1916), um rico industrial que montou seu próprio telescópio no deserto do Arizona. Lowell publicou um mapa em que aparecem mais de 500 canais. Outros astrônomos contestaram sua teoria, mostrando que tudo não passara de uma ilusão de ótica, mas a prova final só veio em 1965, com as fotos tiradas pela sonda Mariner 4. Os tais canais eram crateras, como as da Lua.
A idéia da existência de marcianos ressuscitou com a descoberta do meteorito ALH84001. A Nasa acredita que, há milhões de anos, um asteróide bateu na superfície do planeta, lançando no espaço muitos estilhaços de rochas. Um deles bateu na região de Alan Hills, na Antártida. Na rocha foram encontrados resíduos de hidrocarbonos aromáticos policíclicos – moléculas orgânicas, o ingrediente básico da evolução orgânica. Ninguém duvida de que o meteorito veio mesmo de Marte.
Os cientistas Christopher Romanek e Richard Zare reconstituíram o que pode ter acontecido com a bactéria marciana. Embora Terra e Marte sejam mundos bem diferentes, há cerca de 4 bilhões de anos eram muito parecidos. A água corria na superfície marciana. Com base nessa hipótese, Zare fez uma pergunta: “E se a vida tivesse surgido em Marte e contaminado a Terra? Ou o contrário: Se um meteorito terrestre tivesse fecundado Marte com a vida que surgiu primeiro na Terra?” Em entrevista à SUPER, ele argumentou: “Os micróbios marcianos são muito parecidos com as menores bactérias terrestres.”
Engatinhando pelas rochas marcianas
“Eu veria a vida em Marte não como uma surpresa, mas como uma nova fronteira” afirmou à SUPER o astrônomo Thomas Gold, da Universidade de Cornell. Para tirar a prova, a Nasa enviou a Marte a nave Pathfinder. Com chegada prevista para julho, a Pathfinder é a primeira missão de exploração do solo marciano por um veículo-robô pilotado da Terra – o Sojourner, uma homenagem a uma mulher negra que militou pela causa abolicionista na época da Guerra da Secessão (1865-1870).
O Sojourner parece um desses veículos de brinquedo que os garotos movem por controle remoto. E será mesmo dirigido por controle remoto, só que em um movimento mais lento. Seu controlador, Cheick Diarra, esteve no Brasil em agosto do ano passado. Ele contou que, quando a Terra e Marte estiverem em conjunção (na posição mais afastada, cada um de um lado oposto do Sol), um sinal de comando vai levar mais de vinte minutos para viajar de suas mãos para os sensores eletrônicos do veículo em Marte.
O robozinho, de 13 centímetros de diâmetro e 45 centímetros de altura, carrega três câmeras e um espectômetro, instrumento capaz de identificar qualquer tipo de rocha. Ele deve funcionar durante sete dias e depois será abandonado lá mesmo, em Marte. “Teremos, aqui na Terra, a mesma visão de um bebê engatinhando no chão de Marte”, comparou o engenheiro Anthony Spear, encarregado do projeto.
Vidas passadas
Cientistas buscam fósseis até em Vênus, com temperaturas de 500 graus.
Na procura de micróbios alienígenas, o céu é o limite. Literalmente. Os cientistas não descartam nenhuma opção. Até Vênus, com uma temperatura média de até 500 graus, no passado pode ter tido organismos vivos, segundo o geólogo planetário David Grispoon, da Universidade do Colorado. Há 4 bilhões de anos, quando o Sol estava 40% mais frio, a Terra estaria gelada, mas Vênus, mais próxima do Sol, teria oceanos líquidos e um clima ameno. “Os humanos podem ter evoluído na Terra de formas vindas de Vênus”, especula Grinspoon em seu livro Venus revealed.
A descoberta de água na Lua, no fundo de uma cratera a 12 quilômetros de profundidade, onde a luz não chega de jeito nenhum, animou os cientistas. Ao que tudo indica há grandes possibilidades de seres vivos terem se desenvolvido em outros planetas. O problema é a inteligência. No Sistema Solar não existe chance de se achar ETs.