Detox digital
Você passa muito tempo online? O jornalista Pedro Burgos achou que passava. Acompanhe os passos dele para se conectar só ao que interessa
Pare um pouco e tente se lembrar dos momentos mais incríveis, felizes, inesquecíveis de um ano para cá. Sim, é para parar de ler e pensar a respeito.
Eu posso tentar adivinhar que tipo de coisa traz o sorriso que você tem no rosto agora. Uma noite incrível com alguém. Um dia na praia. Um encontro com amigos que você não via há tempos. Ou algo banal, tipo um gato fazendo coisas engraçadas na frente da sua família. Você deve conseguir se lembrar de alguns detalhes, dos cheiros à roupa que vestia.
OK, talvez não seja nada disso. Mas eu tenho uma chance melhor de acertar as coisas que não foram inesquecíveis no seu último ano, por mais que você tenha investido tempo – e dinheiro – nelas e tenha feito com pessoas queridas. Quer ver? Você provavelmente não lembra de tantos detalhes do momento que passou da fase 35 de Candy Crush e qual amigo te deu a vida salvadora, ou como era a foto que você curtiu da sua prima grávida no Facebook, ou com quem estava discutindo nos comentários sobre os “vândalos” nas manifestações, ou os vídeos que seus amigos compartilharam naquele grupo do WhatsApp…
A lista se estende. O que quero demonstrar com este exercício – que as coisas “reais” costumam ser mais marcantes que as experiências mediadas pela tecnologia – soa óbvio. É óbvio. Mesmo assim, rendeu dois anos de pesquisa e escrita até se tornar meu primeiro livro, Conecte-se ao que Importa, um Manual para a Vida Digital Saudável, lançado este ano.
Calma. Tenho 33 anos, não sou um chato saudosista – ou espero que não seja. A ideia não era falar que as coisas “virtuais” eram piores que as “reais”. Fazemos um monte de coisa legal com o computador e um monte de coisa chata sem nenhuma tela por perto. Minha questão era entender por que estamos gastando tanto tempo da nossa vida digital com tarefas nada marcantes. Dizemos que não temos tempo para um monte de coisa que julgamos importantes, mas se você somar tudo que gastou com coisas bobas conectadas, é fácil identificar o porquê.
No fundo, você sabe disso. E provavelmente passou mais tempo do que gostaria em discussões online e xeretando a vida alheia. Eu, pelo menos, o fiz durante muitos anos. Escrever o livro foi parte de uma jornada de autodescoberta e desintoxicação. Como dizem nas reuniões dos alcoólicos anônimos, o primeiro passo foi reconhecer o problema.
UM DIA DE CADA VEZ
Para mim, além da falta de tempo para fazer as coisas que me deixavam mais feliz, voltava tarde do trabalho, não estava muito bem de saúde e ficava irritado depois de passar mais tempo online. Culpar a internet pode parecer forçado, eu sei. Mas a verdade é que algumas tecnologias mudam a nossa relação com o mundo, sim. O meu problema de coluna e o excesso de peso tinham a ver com longos períodos sentado ou olhando para baixo; a falta de tempo vinha da minha fraqueza por serviços que são projetados para que passemos mais tempo neles; e a irritação vinha da ansiedade de ter uma nova resposta, uma nova curtida, um novo e-mail. Vivia inconscientemente à espera do meu smartphone apitar.
Quão crítico era meu estado? Para ter um diagnóstico mais preciso, comecei a usar programas que monitoram como uso o meu tempo online. Fiquei chocado ao perceber que 40% das horas que passava na frente do computador – e eu trabalho com isso – eram gastas em coisas não-produtivas. Descobri que repetia o gesto de deslizar para desbloquear meu celular mais de cem vezes por dia. Não é à toa que a “bateria dura pouco”.
Devemos aproveitar os joguinhos, redes sociais e vídeos engraçados, sim, e “muito tempo online” é uma medida que varia de pessoa para pessoa. Mas estava claro que precisava administrar melhor meu tempo. Olhei para os ícones de aplicativos do meu celular e comecei a ter uma DR com eles. Qual programa, rede ou serviço estava me deixando mais feliz, me conectava a coisas legais ou fazia com que eu economizasse tempo? De quatro páginas cheias de pastas na tela do celular, passei para 20 ícones.
Não foi necessário nada radical. Não cometi Facebookicídio ou me mudei para uma cabana sem conexão à internet. Apenas estendi a faxina a todos os aspectos da minha vida digital. Resolvi bloquear alguns sites pró-procrastinação no meu computador e deixei atalhos para redes sociais apenas no tablet que fica no sofá. Para acessar esse tipo de conteúdo, eu tinha que me mover fisicamente para um lugar de “descanso”. Diminuí a quantidade de sites que lia regularmente. Eliminei as redundâncias nos contatos – quem sigo no Twitter não acompanho no Facebook. Olhei para a minha lista de 19 mil e-mails não lidos – uma fonte de ansiedade – e simplesmente arquivei todos. Desinstalei quase todos os joguinhos. Mais importante: desliguei quase todas as notificações. Meu celular agora só vibra quando alguém quer falar comigo.
Como no tratamento de um doente, depois fui reinserindo alguns velhos hábitos, agora com mais parcimônia. Hoje uso mais o Facebook para marcar encontros ao vivo e menos para discutir assuntos polêmicos com amigos de amigos. Não contribuo com o ruído na internet e tento falar ou compartilhar links quando tenho algo a acrescentar. Na hora de ler, privilegio agora o que vai de alguma forma melhorar o meu entendimento de mundo.
EM BUSCA DO FOCO PERDIDO
Tudo isso foi bom para a minha vida, mas eu tinha combinado com a editora que escreveria um livro sobre a experiência. E escrever muito requer uma capacidade de foco que eu provavelmente não tenho. Nem eu nem ninguém: o estado de concentração total não é natural para o ser humano, por isso erguemos templos para coisas que julgamos importantes e que necessitam de foco (igrejas, bibliotecas, cinemas).
Nós não somos multitarefa, como muitos acreditam. Se estamos escrevendo um texto e pula uma janela de chat, podemos perder o fio da meada. Se queremos checar um dado em um site, acabamos abrindo oito novas abas – nossa mente tende a vagar. Então, novamente, recorri a ferramentas tecnológicas para ajudar a domar a minha relação com a tecnologia. Os editores de texto que uso ocupam absolutamente toda a tela do meu computador, e só têm o texto. Usei bastante um programa chamado “Freedom” (liberdade, em inglês) que desconecta o computador da internet por um tempo pré-determinado e que não pode ser fechado. Sem distrações, com sessões mais longas de escrita, consegui colocar as ideias no papel (ou na tela).
Mas as ideias precisavam vir, em primeiro lugar. E elas até vinham, no início, mas em poucos momentos.
Comecei a conversar com outras pessoas que tinham o mesmo problema. E elas, como eu, reconheciam o “banho matinal” como o momento eureca, onde vinham os insights. Entendi o porquê. O banho é um momento em que estamos normalmente sozinhos, sem interrupção de qualquer conversa e sem telas em volta. Muito se fala em como a tecnologia isola as pessoas umas das outras, mas pouca atenção se dá ao fato de que, ao usarmos dispositivos de interrupção constante, escolhemos dar menos tempo para nós mesmos. Ao pularmos de uma tarefa para outra, ao estarmos sempre em outro lugar, eliminamos o tempo de ficar com nossos pensamentos.
O smartphone é a máquina perfeita para matar o tédio. Mas o tédio não deve ser assassinado: ele é fundamental para repensar a vida e conectar nossas ideias. Fora que a mente precisa de descanso. Quando eu consegui segurar o ímpeto de tirar o celular do bolso a cada micromomento livre, quando consegui ficar mais tempo fazendo nada, finalmente meu livro começou a se materializar.
O mundo hoje nos empurra para a conexão total e ininterrupta. As mensagens possuem sinal de recebimento – para você poder mandar outra dizendo “e aí, leu?”. Os sites nos oferecem notícias, e-mail, aplicativos, tudo gratuito, se dermos em troca muitos cliques para que a nossa privacidade seja vendida por publicidade. Uma operadora usa como slogan “compartilhe cada momento”, a outra diz “conectados vivemos melhor”, e vamos internalizando esses discursos, achando que estarmos junto de todos nos faz melhores e mais felizes. Mas todo esse aparato é inútil se não acharmos dentro da gente o que importa. O que faz a gente crescer. Ainda não inventaram um aplicativo para isso.
VÍCIO DIGITAL
Pesquisa da USP concluiu que 20% dos usuários de smartphone do Brasil são “viciados em internet”.
70% das pessoas que trabalham diante de uma tela têm Síndrome da Visão de Computador – olho seco, dor de cabeça e dificuldade de focar objetos próximos.
32% dos jogadores de Candy Crush admitem ter ignorado amigos ou família para jogar mais.
FIQUE OFFLINE
Busque momentos solitários, sem interrupções – seu banho pode ser um começo.
Valorize o tédio . Ele é fundamental para o bom funcionamento mental.
Faça uma coisa de cada vez – o multitasking é um mito.
Programas para ajudar
RAPTR
Diz quanto tempo você gasta no videogame.
RESCUETIME
Para computador, monitora sua produtividade.
GOOGLE ACCOUNT ACTIVITY
Quantifica seu uso de e-mail.
STAYFOCSD
Plug-in do navegador que bloqueia sites como Facebook.
BYWORD E ULYSSES
Editores de texto minimalistas.
Imagem: thinkstockphotos.com