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Do céu para o fundo do mar

Começa a ser montado no fundo do Mar Mediterrâneo um instrumento sensacional para detectar partículas subatômicas vindas das galáxias.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 31 jan 1999, 22h00

Flávio Dieguez

Em matéria de originalidade, a idéia merece nota 10: usar a água do mar como rede para pescar neutrinos, que são fragmentos atômicos vindos das estrelas e das galáxias. É o que pretendem fazer os astrofísicos do Centro de Física de Partículas, em Marselha, na França. Eles vão instalar detectores 2 400 metros abaixo das ondas, no Mediterrâneo, com os quais esperam registrar colisões dessas partículas extraterrestres com os átomos da água. “Os neutrinos são mensageiros dos astros”, disse à SUPER o americano John Carr, líder do projeto. “Analisando sua energia, podemos obter dados inéditos sobre a evolução estelar.” Em dezembro passado, o primeiro teste do equipamento mostrou que o mar pode ajudar, de fato, a fisgar esses estranhos peixinhos extraterrestres.

Luz nas profundezas

Este vai ser o aspecto do observatório de partículas subatômicas depois que ele estiver funcionando a 2 400 metros de profundidade, em 2001. Os dados coletados por seus 5 000 sensores seguirão para a superfície por fibras ópticas

1. Um fragmento atômico batizado de neutrino cai do espaço, fuzila os átomos da água e,…

2. …ao esbarrar em um núcleo atômico, gera uma luminescência azulada.

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3. Um sensor de luz, então, registra a chegada da partícula e envia a notícia à superfície por fibras ópticas.

Tecnologia para pescar fantasmas

Os astrofísicos querem estudar os neutrinos porque eles são criados em grandes catástrofes cósmicas, como as explosões estelares e a destruição de astros por buracos negros. Como envolvem energias imensas, esses desastres podem revelar aspectos ainda desconhecidos das detonações. Só que, hoje, a única testemunha delas é a luz que emitem, e esta é obscurecida por nuvens de gás e poeira antes de chegar aos telescópios na Terra.

Aqui entram os neutrinos, que são as mais insensíveis das partículas. Eles simplesmente ignoram as forças elétricas com as quais o gás e a poeira bloqueiam os raios luminosos. Assim, passam pelos obstáculos como os fantasmas atravessam paredes e chegam aos montes à Terra, onde podem ser analisados. “Os neutrinos vão fazer o papel da luz, criando um novo jeito de olhar o céu”, explicou à SUPER o astrofísico Jeffrey Wilkes, da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.

1 bilhão de toneladas

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O difícil é pegar as assombrações. Mas, como em raríssimas ocasiões uma ou outra tropeça em um estorvo e se entrega (veja o infográfico na página seguinte), o truque é obrigá-las a trombar de frente em alguma coisa. No caso, piscinas enormes, onde cada átomo de água vira uma barreira. Quanto mais líquido, mais chance de a pescaria dar certo.

No Mediterrâneo, essa estratégia transformou-se numa sacada brilhante. Lá, os detectores vão vigiar os átomos num volume correspondente a 1 bilhão de toneladas de água. Se a idéia é pescar neutrinos, os astrofísicos vão contar com uma rede milhares de vezes maior do que a do Observatório Superkamiokande, no Japão, o mais importante do mundo atualmente.

A matéria mais abundante do Universo

Por estar bem perto, em termos astronômicos, o Sol derrama sobre a Terra um espesso vendaval de neutrinos. São 60 bilhões de estilhaços atravessando cada centímetro quadrado do planeta por segundo. Essa chuva torrencial não causa danos porque, para ela, o mundo inteiro é tão transparente quanto uma lâmina de vidro diante de um feixe de luz. Mas o número dá uma boa idéia da imensa quantidade desses personagens em circulação por aí. E o Sol não passa de um pequeno produtor, comparado às grandes indústrias do Cosmo. A morte de um astro gigante supera nossa modesta estrela na proporção de 1 bilhão para um.

Massa irrisória

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Para encurtar a conversa, se somarmos todos os átomos que existem no Universo, o total não chega a 1% do total de neutrinos. Ou seja, eles são a forma de matéria mais abundante de todas. Mas a massa dessas partículas nunca pôde ser medida. Ela deve ser irrisória ou mesmo nula. Em junho, o físico americano Jeffrey Wilkes ajudou a mostrar, no Observatório Superkamiokande, no Japão, que o neutrino pode ter uma massa minúscula. Mas ainda não há certeza. Assim, embora não seja seu objetivo central, essa é uma das dúvidas que os astrofísicos do Mediterrâneo poderão esclarecer com o seu inusitado observatório submarino.

Para saber mais

Os Três Primeiros Minutos, Steven Weinberg, Editora Guanabara Dois, Rio de Janeiro, 1980.

Na Internet

https://antares.in2p3.fr/antares/antares.html.

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Às vésperas do mergulho

Acompanhe os preparativos para montar os equipamentos no leito submarino.

Os detectores ficam dentro de esferas transparentes de 40 centímetros de diâmetro. O vidro, com 2,5 centímetros de espessura, resiste bem à pressão da água

Encapsulados em plástico, os instrumentos descem para um teste preliminar de instalação, feito no ano passado. A operação, muito delicada, foi realizada com sucesso

O olho do detector funciona como uma câmera de tevê ultra-sensível. Mas ele não gera imagens. Registra apenas intensidades de luz. Liga-se à superfície por cabos de fibras ópticas

No Japão, o Observatório Superkamiokande foi construído em uma mina abandonada que os japoneses encheram com 50 000 litros de água

Mensageiros do céu

Para descobrir como as estrelas brilham ou qual é o mecanismo que as faz explodir, os astrônomos analisam a sua luz. Que energia ela tem? Como essa energia varia com o tempo? A partir daí, é possível deduzir o que está acontecendo lá longe. Os mesmo se faz com os neutrinos. Como os raios luminosos, eles transportam informações que são pistas usadas pelos cientistas em seu trabalho de investigação dos astros.

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De olho no rastro azul

Fulguração colorida denuncia o fragmento subatômico.

1. Um dos trilhões de neutrinos que chegam do espaço entra na molécula de H2O e atinge o núcleo de um dos átomos.

2. Aí, usa sua força nuclear, que é incrivelmente fraca. Por isso, só muito de vez em quando, num encontro frontal, leva a uma colisão.

3. Da pancada surge uma outra partícula, chamada píon. Este, ao correr pela água, deixa um rastro de luz, captado pelos detectores.

A fonte vizinha

O Sol envia a maior parte dos neutrinos que chegam aqui.

1. O coração da estrela está repleto de núcleos do átomo de hidrogênio, cada um deles formado por um próton. Este é o combustível da gigantesca fornalha atômica.

2. Na colisão entre dois prótons, ocorre uma reação nuclear bem fraca, mas que faz um deles mudar de identidade, transformando-se em outra partícula, o nêutron.

3. Nesse mesmo processo, criam-se duas outras figuras: um pósitron, que é um elétron de carga elétrica positiva, e um neutrino. Este fura as camadas externas do Sol e escapa para o espaço (veja foto à esquerda).

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