Faça chuva ou faça sol
É um pássaro? É um avião? Não, é o catamarã Marjorie K, uma embarcação com asas, movida a vento e a energia solar. Para ele não há tempo ruim.
Ricardo Balbachevsky Setti, de Sídnei
Se alguém disser que o barco aí ao lado é um avião, a metáfora não será exagerada. Esse catamarã – nome dado a embarcações formadas por dois cascos longos com uma plataforma por cima – realmente só falta voar. Não por ausência de asas. Em vez de velas de pano, ele possui dois painéis aerodinâmicos, feitos de plástico e fibra de vidro, empurrados pelo vento da mesma forma que um avião. Só que, em vez de voar, o catamarã Marjorie K desliza na água à velocidade máxima de 48 quilômetros por hora. O.k., não é um bólido. O desempenho é o equivalente ao de outros catamarãs.
O que é extraordinário é a sua versatilidade. A idéia de pôr asas num catamarã já seria suficientemente engenhosa, mas o invento vai mais longe: com 7 metros de envergadura, as velas de 2,5 metros de comprimento também são uma usina de energia. Revestidas por 720 células fotovoltaicas, como as usadas em calculadoras de bolso, elas captam a luz do sol e a transformam em eletricidade para fazer o motor funcionar. Assim, o Marjorie K navega sem poluir, fazer barulho ou gastar combustível. O sol, afinal, ainda é de graça.
Receita de um médico inventor
Você deve estar achando que toda essa inventividade saiu da prancheta de algum engenheiro naval ou de um grande laboratório universitário. Nada disso. Seu criador é um pacato australiano de 39 anos, Robert Dane, que nem bom velejador é. Até dois anos atrás, ele levava a vida como o único médico de Ulladulla, um vilarejo 230 quilômetros ao sul de Sídnei, a maior cidade da Austrália.
A fonte de inspiração para a idéia também não é lá muito ortodoxa. “A Anatomia me ajudou a inventar o Marjorie K”, disse Dane à SUPER. Repare, leitor, nos seus próprios ombros. Vê como eles sustentam os braços sem esforço, permitindo movimentos variados? Pois foi pensando nessas articulações que ele concebeu as alavancas que movem as velas do catamarã. Como dois braços enormes, elas são capazes de uma ampla variedade de movimentos para conseguir o melhor ângulo em relação aos raios de sol e, assim, captar o máximo de energia possível.
Dane não precisou sair de Ulladulla para fazer o projeto decolar. Ou melhor, zarpar. A fazendeira Marjorie Kendall doou metade dos 130 000 dólares do custo e ganhou seu nome no barco. A construção do protótipo para dois passageiros também foi caseira. Depois de fechar o consultório, o inventor convidou vizinhos, parentes e amigos para um mutirão. Em 82 dias o catamarã estava na água.
A novidade logo chegou aos ouvidos do governo australiano, que vai construir para as Olimpíadas do ano que vem uma balsa de passageiros com o projeto (veja quadro). Se tudo der certo, Ulladulla vai ter de arranjar um novo médico, para sempre.
A união faz a velocidade
O Marjorie K é uma soma bem-sucedida de técnicas já conhecidas.
À procura do sol
Com um versátil mecanismo para levantar e abaixar as asas, o catamarã consegue manter uma delas sempre a 90 graus em relação aos raios do sol, aproveitando o máximo de energia possível.
Como a luz gera energia
Cada célula solar da asa é feita de duas camadas de silício, separadas por uma membrana (1). A luz força os átomos da primeira camada a perder elétrons (2), que atravessam a membrana. Na segunda camada, eles são repelidos por elétrons que têm a mesma carga. Daí, só lhes resta escapar por um fio terminal (3), formando uma corrente elétrica.
Limpo e silencioso
A energia armazenada nas baterias alimenta um motor elétrico que movimenta uma hélice. Embora menos potente que similares a diesel ou gasolina, ele é silencioso e não polui.
Debaixo do pano
Apesar de toda a novidade em cima, por baixo o catamarã não tem nada de novo. O casco é igual ao de qualquer embarcação do gênero. A única diferença é o reforço para suportar a estrutura das asas.
Rápido e rasteiro
O catamarã pode se mover apenas com a energia solar ou só com o vento. Semelhantes às asas de um avião, os painéis funcionam também como velas aerodinâmicas, empurradas pelo vento. Usadas ao mesmo tempo, as duas forças propulsionam o barco até a velocidade de 48 quilômetros por hora.
Coreografia no mar
Ao contrário de velas comuns, as asas podem se mover de acordo com a necessidade.
Se o dia for de muito vento e pouco sol, as duas asas ficam em pé e funcionam como se fossem velas comuns.
Num dia de sol e ventos variáveis, cada asa é usada numa função diferente. Enquanto uma, deitada, capta energia solar, a outra, em pé, aproveita o vento.
Com sol forte e permanente, a energia recebida pelas asas é suficiente para manter o barco em velocidade estável. Assim, o melhor é deixá-las estendidas.
Para o ano 2000
Projeto deverá ser aplicado em um barco de turistas.
O governo australiano está prometendo, no ano 2000, a Olimpíada mais ecológica de todos os tempos. Para isso, uma das atrações que estão sendo preparadas é o barco que você vê ao lado. Com a mesma tecnologia de sol e vento usada pelo Marjorie K, a balsa high-tech vai transportar 220 passageiros do porto de Sídnei ao Teatro Municipal, que fica à beira-mar, sem barulho nem poluição.