Luz afiada
Para estudar moléculas, cientistas brasileiros montaram um aparelho capaz de gerar raios luminosos ultrapenetrantes.
Ivonete D. Lucírio
Quando a sirene toca, todos os ocupantes da sala têm exatamente 5 minutos para sair. Depois disso, milhões de elétrons começam a ser injetados à velocidade de quase 300 000 quilômetros por segundo nos tubos de aço do vasto anel de 31 metros de diâmetro que domina a sala. Essa é a pista frenética do acelerador de partículas do Laboratório Nacional de Luz Sincrotron, o LNLS, em Campinas, interior de São Paulo. No momento da aceleração inicial a radiação que os átomos produzem pode causar sérios danos à saúde – como câncer.
Todo dia o ritual se repete, desde 28 de outubro de 1996, quando o equipamento foi ligado. A função dessa máquina complexa é gerar a claridade artificial mais brilhante que existe – na qual os átomos correm sincronizados. A luz sincrotron atravessa qualquer material e revela como se organizam as moléculas das substâncias, seja metal, proteína ou gás. Depois dos minutos perigosos da propulsão, durante 20 horas a corrida louca das partículas pelo anel produz fachos de luz cortante que os pesquisadores apontam sobre os objetos que querem analisar.
Única máquina do tipo no hemisfério sul, o LNLS foi totalmente feito no Brasil. “Quando decidimos montá-lo, não tínhamos know-how”, conta Ricardo Rodrigues, diretor do Laboratório. Aos poucos, os cientistas aprenderam a tecnologia e projetaram cada uma das peças do acelerador. “Essa é a melhor forma de adquirir os complexos instrumentos da ciência atual”, diz Rodrigues. “Assim, você domina tudo por completo.” Sem contar que, se houver um defeito e a sirene tocar no meio do trabalho, os próprios pesquisadores saberão como repará-lo.
Tons fortes
A luz produzida por esta máquina é invasiva. A claridade das lâmpadas comuns é formada por cores como o vermelho, o amarelo ou o azul. Mas os fachos que saem desta engrenagem, além das colorações habituais, têm raios X e infravermelhos de grande intensidade, invisíveis ao olho humano. Com eles, os pesquisadores podem penetrar os materiais e descobrir de que maneira se organizam os átomos e as moléculas de qualquer corpo
Carrossel eletrônico
Ao fazer curva, os elétrons brilham.
1. Os elétrons jorram de um injetor e caem em câmaras subterrâneas onde são propulsionados pela energia de geradores de microondas. Aí, aceleram até uma velocidade próxima à da luz.
2. As partículas entram nos tubos do anel. Circulando no vácuo, nada interrompe a disparada. A corrida atômica dura até 20 horas.
3. Os doze ímãs que circundam o anel obrigam os elétrons – que só se movem em linha reta – a fazer a curva. Ao mudar de direção, eles emitem uma radiação ultrabrilhante – a luz sincrotron. De cada ímã sai um facho, doze no total.