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Micromecânica: Motorzinhos do Progresso

Engenheiros esculpem máquinas tão pequenas que não podem ser vistas a olho nu. A micromecânica promete avanços comparáveis aos da miniaturização na eletrônica.

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Atualizado em 31 out 2016, 18h35 - Publicado em 31 mar 1990, 22h00

Luiz Guilherme Duarte

O coração bate cada vez mais perto e a turbulência da corrente sangüínea obriga as turbinas do microrrobô a funcionar a toda potência. Tendo finalmente chegado ao destino — a artéria aorta —, o engenho prende-se firmemente às paredes do vaso, esticando o braço mecânico. Começa então o trabalho: minúsculas serras rasgam, limam e trituram os depósitos de cálcio que ameaçavam impedir a passagem do sangue até o músculo cardíaco. Exaustas as baterias, o engenho se deixa arrastar rumo ao ponto de saída do organismo, um pequeno corte na pele do paciente. Missão cumprida. A cena, por enquanto, faz parte do filme Viagem fantástica, de 1966, ou de sua versão de 1987, Viagem insólita. de Steven Spielberg. Mas, se depender dos esforços de Iwao Fujimasa um especialista em coração artificial da Universidade de Tóquio, tal operação deixará de ser fantasia mais cedo do que se pensa. Pois, sob o seu comando, um grupo de vinte pesquisadores planeja construir, em meros três anos, um robô com menos de 1 milímetro de diâmetro, capaz de insólitas incursões medicinais por dentro de órgãos e artérias. Para transformar a ficção em realidade, porém, o grupo precisa obter equipamentos com medidas mil vezes inferiores às menores peças disponíveis atualmente — estas já imperceptíveis a olho nu. Adaptando as máquinas utilizadas para a produção de microchips de computadores, partes móveis de 0,127 milímetro de diâmetro começam a ser feitas em silício graças a uma variação da técnica de fotolitografia normalmente utilizada. Ao que tudo indica, a miniaturização da tecnologia, que tem feito grandes progressos nos últimos quarenta anos, desde a invenção do transístor está passando por um novo salto evolutivo. É o advento da micromecânica. com suas válvulas, molas, engrenagens e alavancas que caberiam facilmente às dúzias dentro de uma letra “o”. Aparelhos construídos com tais componentes poderão, um dia atuar em variados campos, da microcirurgia à exploração espacial em miniespaçonaves “Dentro de 25 anos as micromáquinas terão feito pelas máquinas o que a microeletrônica fez pela eletrônica”,. previu em 1988 um documento da Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos. E os investimentos estão crescendo para colocar centenas de partes móveis e circuitos elétricos em um só chip de silício.

Pressionados pela guerra fria e pela corrida espacial. os cientistas americanos do final da década de 50 em diante desencadearam um combate à parte para reduzir o tamanho dos materiais eletrônicos necessários como guias de mísseis, criando toda uma linhagem de equipamentos leves, de fácil lançamento ao espaço. Foram os japoneses, porém, que enxergaram o que poderia render a aplicação da tecnologia de miniaturização ao mercado de consumo. Calcula-se que não passe de cinqüenta em todo o mundo o número de especialistas em tecnologia de micromáquinas, mas os primeiros resultados do seu trabalho estão pipocando em vários lugares. Na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, nos Estados Unidos, pesquisadores criaram uma pílula, pouco maior que uma drágea de vitamina comum, que contém um termômetro de silício e todos os instrumentos eletrônicos necessários para transmitir suas medições, instantaneamente, a um equipamento externo. Entusiasmados, os cientistas imaginam que na área médica a miniaturização irá desembocar. por exemplo na fabricação de pílulas inteligentes. capazes de transmitir informações sobre o ritmo cardíaco, as funções nervosas ou a acidez do estômago de um paciente.

Outro grupo, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, já construiu um motor de silício de diâmetro não muito superior a um pêlo humano, que pode rodar 500 vezes por minuto. Antes de vir a movimentar microrrobôs, como se espera, esses motores já servem como ventiladores de circuitos integrados, que necessitam resfriamento constante. O relatório da Fundação Nacional de Ciências inclui entre os microequipamentos que despontam no horizonte da virada do século peças miniaturizadas capazes de engendrar uma nova geração de minúsculos computadores, gravadores e câmaras de vídeo. Os próprios pesquisadores reconhecem que a maioria das aplicações possíveis do encolhimento

de motores e ferramentas ainda precisa ser imaginada. “A micromecânica surge como o elo que faltava entre a engenharia mecânica e a eletrônica”, aponta Gilmar Barreto, professor de Engenharia Elétrica da Universidade de Campinas (Unicamp). “Enquanto os sistemas eletrônicos diminuíram sem parar nos últimos tempos, as partes mecânicas não conseguiram seguir no mesmo ritmo.” De fato, ao montar as peças, mesmo as mãos do mais hábil relojoeiro têm seus limites, assim como os materiais e as ferramentas empregadas. O fino trabalho de precisão sob potentes lentes de aumento não basta para levar a mecânica à escala do mícron (milésimo de milímetro). E, embora os construtores conheçam os conceitos de dureza dos materiais e de fricção e resistência do ar válidos para máquinas comuns, eles já não se aplicam nessa ordem de pequenez impondo novos desafios. “As propriedades físicas e químicas dos materiais mudam com as suas dimensões” explica Fernando Galembeck, especialista em Química dos Materiais da Unicamp. O mesmo, por sinal, acontece na natureza, observou certa vez o paleontólogo americano Stephen Jay Gould para explicar por que um elefante não poderia ficar do tamanho de uma formiga e continuar a ser um elefante e vice-versa.

No reino das coisas criadas pelo homem, os processos de trabalho em escalas tão reduzidas são muito mais químicos do que propriamente mecânicos. Afinal, a estrutura molecular da matéria-prima das peças é praticamente da mesma proporção que o conjunto inteiro. Ao se esculpir chips com ácidos, por exemplo, os finos caminhos por onde correm as informações eletrônicas precisam de um pavimento de silício absolutamente perfeito. Qualquer defeito nos cristais desse metal equivaleria a uma grande cratera. Além disso, alguns artefatos chegam mesmo a ter propriedades distintas, de acordo com o número e a disposição de seus átomos. A microfabricação oferece assim todo um novo campo de montagem e de experimentação de teorias, com máquinas e peças por enquanto existentes apenas em complicadas simulações de computador. “Graças à Informática, hoje conhecemos bem as propriedades elétricas do silício, cabe agora explorar também seus atributos mecânicos”, lembra Galembeck. Para surpresa de muitos cientistas, o silício tem se mostrado mais forte que o aço inoxidável a ponto de poder ser levemente flexionado várias vezes sem perigo de quebrar. Outros materiais também estão na mira dos pesquisadores. Stephen C. Jacobsen, da Universidade americana de Utah, cria motores de metal e plástico, apelidados wobble (bamboleio, em inglês), nos quais um campo magnético induz o rotor ou eixo central a girar. Um deles está girando há mais de um ano sem parar. Embora muito pequeno, se estivesse girando numa estrada, seus mais de 10 bilhões de rotações já teriam sido o suficiente para levá-lo a meio caminho de uma viagem ao redor do planeta.

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A diferença dos motores de silício, que são menores e giram mais depressa, mas com pouca potência, o wobble tem maior torque, devendo ser o mais adequado para mover componentes de futuros microrrobôs. “Centenas de milhares de réplicas desse tipo de motor poderiam ser produzidas em massa, simplesmente cortando-o em fatias como um salame”, sugere seu criador. Além dos microrrobôs, que na linguagem técnica são chamados atuadores, isto é, aqueles que movem e fazem tarefas, outros mecanismos podem se valer da mesma tecnologia. A multinacional americana Texas Instruments estuda um chip coberto por 1 milhão de espelhos móveis que pode vir a ser a chave para os computadores ópticos (SUPERINTERESSANTE número 10, ano 3). Serviria também como uma espécie de seletor de canais em sistemas telefônicos ópticos, onde espelhos cuja direção é controlada eletronicamente refletiriam pulsos de raios laser em diferentes rumos, efetuando ligações telefônicas. A micromecânica deverá criar, ainda, uma nova geração de microssensores, os instrumentos que darão sentidos humanos aos computadores. Um deles, por exemplo, integrado em um computador, funcionaria como um diminuto ouvido, captando o som da fala para transformá-la em impulsos eletrônicos nos sonhados aparelhos ativados pela voz.

“Para medir os fenômenos físicos”, explica o físico Douglas Zampieri, que pesquisa na Unicamp o papel da eletrônica na robótica, “é preciso um sistema mecânico; se estiver acoplado a um robô, esse sistema não pode atrapalhar seus movimentos, pois estes devem ser medidos no tempo exato em que acontecem. Daí a necessidade de serem pequenos.”

Tais sensores podem ser úteis em qualquer equipamento automatizado, principalmente aqueles em situação adversa a um mecânico de carne e osso. Para a futura estação orbital Freedom, por exemplo , planeja-se a construção de robôs operários com sentido tátil tão sensível quanto o do homem. Na verdade, grande número de sensores microscópicos já são empregados para medir a temperatura, a pressão do ar e a aceleração de aviões e carros. Só a General Motors americana consome anualmente cerca de 7 milhões de sensores de pressão em silício. Desenvolvidos uma década atrás, hoje podem ser encontrados na maioria dos automóveis com injeção eletrônica de combustível, onde melhoram a combustão por monitorar a pressão do ar.

São muito simples: uma fina membrana, com cerca de um quarto da espessura de um fio de cabelo, que se flexiona em resposta às mudanças de pressão.O movimento altera a condutividade elétrica do silício por um circuito no próprio chip.

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“Este novo sistema deve substituir carburadores até 1997, quando as leis relativas à emissão de gases entrarem numa fase mais rigorosa”, informa José Fernando Penteado, gerente de projetos da GM do Brasil. “A injeção regulada por sensores reduz a liberação de gases tóxicos.” Daqui a cinco anos, os fabricantes acreditam que o carro típico deverá ter cerca de cinqüenta sensores de silício, programados para controlar o desempenho de freios, motor, suspensão etc. “Atualmente, os modelos mais luxuosos brasileiros contam com quase vinte”, compara Penteado. Por enquanto, equipamentos como esses estão sendo testados em uso no ônibus espacial Discovery para medir as pressões da cabina e do sistema hidráulico e ainda avaliar o desempenho de mais de 250 pontos diferentes em toda a nave.

Do espaço para a vida cotidiana, os sensores estão ganhando novos usos a cada dia. No Japão, alguns aspiradores de pó valem-se do microengenho para ajustar automaticamente a máquina em diferentes tipos de carpetes. Técnicas recentes estão permitindo criar eixos mais finos que o fio de uma teia de aranha e rodas dentadas menores que um grão de poeira. A fantasia levada às últimas conseqüências consiste agora na criação de um robô capaz de operar em escala atômica, fabricando matéria molécula por molécula. Será a era da nanotecnologia, a manipulação de objetos medidos em nanômetros, bilionésimos de metro.

 

 

Para saber mais:

Computador atômico

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(SUPER número 3, ano 11)

 

 

 

 

 

Finíssima sintonia

A micromecânica apresenta personagens grandes e pequenos. Além de peças e equipamentos encolhidos, aparelhos de tamanho normal aproveitam a nova tecnologia para funcionar a apenas alguns mícrons uns dos outros, como as pás de uma turbina tipo fan dos jatos comerciais. É o caso, também, da cabeça de leitura magnética dos discos de computadores, que gira a quase 160 quilômetros por hora à distância de ínfimos 200 nanômetros, ou 200 bilionésimos de metro, da superfície do disco. “Seria o mesmo que pilotar um Jumbo a toda velocidade a uma polegada do chão”, compara John Foster, pesquisados da IBM americana, a qual tem como lema “pense grande”, mas (ou por isso mesmo) investe muito em microtecnologia.

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Os lubrificantes daqueles discos, sujeitos às decolagens e pousos das cabeças magnéticas, chegam a operar ainda mais de perto — com as mais inesperadas conseqüências. No ano passado, pesquisadores da Universidade de Santa Bárbara, na Califórnia, descobriram que, devido ao atrito muito peculiar causado pela proximidade, as estruturas moleculares da camada de 1 nanômetro de espessura do lubrificante se confundem com as do próprio disco. Um tipo de laser conhecido como quantum-well, muito utilizado em comunicações por fibra óptica, também age em escalas reduzidas. A camada de material semicondutor responsável pela emissão de seus raios é gerada por um processo capaz de depositar coberturas de até 20 nanômetros sobre praticamente qualquer superfície. Intimidade é isso aí.

 

 

 

 

 

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