Não é tecnologia, é mercadologia
Para que um novo produto dê certo, não adianta ele ser uma boa ideia - os consumidores precisam querê-lo. E quem decide se ele será um sucesso ou um fiasco são os geeks
Em 1993 a Apple lançou o Newton – um computador de mão que reconhecia escrita manual. Dava para mandar fax e e-mail, imprimir documentos e organizar uma agenda. Era o futuro do computador, acreditava a Apple. Só que o Newton foi um dos seus maiores fracassos. Afinal, as pessoas não achavam que ter um computador de mão que não cabia no bolso e ainda trocava as letras justificasse pagar o preço de um belo computador “de mesa”, mais potente e com teclado.
Passadas quase duas décadas, o fiasco foi esquecido, e os smartphones, tablets e suas variações já são mais que gadgets bacanas: eles prometem até tomar grande parte do mercado de laptops. O que, então, mudou desde o Newton até o lançamento do iPad? Não foi a ideia central, mas a hora em que foram lançados: hoje existe um nicho de mercado enorme que considera a mobilidade mais importante que o desempenho.
Em outras palavras, o sucesso de um produto não depende apenas de a ideia ser boa, mas principalmente de o consumidor sentir que precisa do produto. Diferentemente da ciência, que busca desvendar o desconhecido, a tecnologia busca soluções para problemas práticos. Se ela não for útil, vira piada. E quem decide se a tecnologia vai ter uma aplicação prática – e, consequentemente, se vai ser um sucesso ou um fracasso de mercado – são os geeks. Ou seja, você.
Ok, precisamos dar uma boa volta para explicar isso. Em 1962 o sociólogo americano Everett Rogers escreveu o clássico The Diffusion of Innovations (“A Difusão de Inovações”, sem versão em português), até hoje referência para explicar como uma tecnologia pioneira entra em um mercado. No livro, Rogers, divide os consumidores em 5 categorias: inovadores, adeptos iniciais, maioria inicial, maioria tardia e os retardatários.
Primeiro, o produto chega aos inovadores. Em geral, eles são pessoas com bastante grana, conhecimento absurdo e trânsito entre cientistas, inventores e outros inovadores. Assim, ficam sabendo de tudo em primeira mão. Para eles, não importa muito que o produto não tenha mercado – o barato é a ideia. Entre esses tecnoentusiastas estão, por exemplo, pessoas que já dirigem carros elétricos ou a hidrogênio no Vale do Silício, embora quase não haja infraestrutura de abastecimento. Se os inovadores curtirem o produto, pode ter certeza que é uma boa ideia. Mas conquistar um mercado já são outros quinhentos.
A grande filtragem mesmo acontece quando o produto passa pelas mãos dos adeptos iniciais. Esses são caras bem antenados, com grande capacidade de formar opinião. Ao contrário dos inovadores, que têm um olhar quase científico sobre as novidades, eles colocam a tecnologia na prática. Experimentam, criticam, veem seus méritos em potencial para o resto da população. Se a tecnologia for realmente bacana, passam a promovê-la. Se for ruim, eles jogam a pá de cal.
Os adeptos iniciais não se importam de ter pago quase R$ 10 mil por uma TV lcd para assistir à Copa de 2006. Afinal, puderam ver as imagens muito maiores, planas e mais nítidas do que em qualquer copa anterior. E, de quebra, seus irmãos, vizinhos e cunhados viram o quão bacana era o telão – a dor de cotovelo durou mais 4 anos, até que em 2010 estava todo mundo comprando telas de lcd.
Mas a mesma falta de freio faz com que os adeptos iniciais comprem elefantes brancos. Um exemplo é a máquina de limpeza a vapor. No início foi a mesma dor de cotovelo – os vizinhos pediam a máquina emprestada, para depois descobrir que não tinha nada de prático usar toda aquela parafernália no lugar dos químicos de sempre. Acabou parando no quartinho da bagunça.
Esse grupo de consumidores arriscados transformou o mundo nos anos 90 ao adotar a internet, usar o celular e outras tecnologias que hoje já são comuns. Se quiser, chame-os de geeks inveterados. Foram exatamente neles que o consultor americano Geoffrey Moore identificou, em 1991, o abismo que separa a boa ideia de um bom produto. Em seu livro clássico Crossing the Chasm (“Atravessando o Abismo”, sem tradução em português), ele explica que, depois de escrutinada e aprovada pelos adeptos iniciais, uma inovação tem uma probabilidade enorme de atingir o resto de seu mercado potencial: a maioria inicial, que lentamente adota tecnologias depois de ter visto que elas são úteis. Já a maioria tardia adere ao produto quando estiver completamente popularizado, e os retardatários só compram se o neto pedir de Natal.
Parece ser bacana então ser um geek, ou adepto inicial. Só que os que nem esperaram o iPad chegar ao Brasil para comprá-lo devem se perguntar por que eles têm sempre que pagar tanto para serem os primeiros. Há dois motivos – nesse momento inicial, a empresa precisa recuperar a grana gasta para desenvolver o produto, e o custo de produção ainda é muito alto enquanto não aumentar sua escala – ou seja, até ele chegar à maioria inicial.
Para saciar sua curiosidade, o adepto inicial assume a conta (e que conta!) e o risco de transformar seu quartinho de bagunça num museu de fracassos. Mas, por outro lado, é essa curiosidade que faz a tecnologia continuar a dar passos. O cunhado pode até tirar onda por ter pago muito menos pela tela de lcd, mas, se não fosse o adepto inicial, o chato ainda teria que girar o dial para fugir dos comerciais.
As 10 previsões tecnológicas mais furadas da história
Os produtos a serem lançados nos próximos anos têm grande potencial para dar certo. Mas certamente nenhuma previsão nossa estará tão errada quanto as que Christopher Cerf e Victor Navasky coletaram no livro Experts Speak (“Especialistas Falam”, sem versão em português).
“A viagem de trem em alta velocidade é impossível, pois os passageiros morreriam de asfixia.”
Dr. Dionysys Larder (1793-1859), professor de filosofia natural e astronomia da Universidade College de Londres.
“Esse tal de ‘telefone’ tem falhas demais para ser levado a sério.”
Memorando na Western Union, 1878.
“Sair brincando com a corrente alternada é uma perda de tempo. Ninguém jamais vai usá-la.”
Thomas Edison, ridicularizando o rival George Westinghouse, em 1889.
“Tudo que podia ser inventado já foi inventado.”
Charles H. Duel, funcionário do Escritório de Patentes dos EUA, em 1899.
“O cavalo chegou para ficar, mas o automóvel é apenas um modismo.”
Presidente do Michigan Savings Bank aconselhando o advogado de Henry Ford a não investir na Ford Motors.
“É impossível que máquinas mais pesadas que o ar voem.”
Lord Kelvin, presidente da Sociedade Real Britânica, em 1895.
“Não há o menor indício de que energia nuclear jamais será obtida.”
Albert Einstein, em 1932.
“Acho que há no mundo mercado para cerca de 5 computadores.”
Thomas Watson, fundador da IBM, em 1943.
“A televisão não vai emplacar. Logo as pessoas vão se cansar de olhar para uma caixa de madeira toda noite.”
Darryl Zanuck, produtor da 20th Century Fox, em 1946.
“Aspiradores de pó a energia nuclear serão provavelmente realidade em 10 anos.”
Alex Lewyt, presidente de uma fábrica de aspiradores, ao New York Times, em 1955.