Nosso repórter viu o futuro
E voltou de lá contando as maiores novidades - e também as bizarrices - da Wired NextFest, a principal feira de ciência e tecnologia do planeta
Texto Pedro Burgos
Em 1893, a cidade de Chicago, nos EUA, foi sede da Feira Mundial, um evento que reuniu inventores famosos e suas últimas criações. Estavam lá, ao lado da primeira roda gigante que mereceu esse nome, Thomas Edison exibindo um dos primeiros projetores cinematográficos e o físico Nikola Tesla, que demonstrava seu novíssimo modelo de corrente alternada.
Corta para junho deste ano, no mesmo local, na mesma cidade. Ali a revista Wired, bíblia do mundo high tech, organiza a 2a edição da Wired NextFest, o mais divertido e interessante evento de ciências e tecnologia do mundo atual. A vontade de reviver o clima das antigas Feiras Mundiais não é escondida pela produção – o que talvez seja um pouco de pretensão. Mas como havia acontecido 112 anos antes, o público que passa por lá sai com a sensação de ter visto o futuro. No imenso pavilhão estão gatos clonados, novidades da medicina, jogos controlados com o poder da mente. Há filas para conversar com um andróide, para jogar pac-man virtual. Crianças controlam robôs-sonda da Nasa, namorados usam um celular que transmite cheiros.
É preciso admitir que se deslumbrar com o que está exposto é fácil. Afinal, num piscar de olhos você é lançado para dentro da casa dos Jetsons. Mas vendo de perto você descobre que o carro voador não decola, a capa de invisibilidade funciona mal, os robôs humanóides servem apenas para animar a platéia.
Então vamos com calma. Testando as invenções e conversando com os expositores, deu para saber o que já é realidade, o que vai demorar um pouco para ser e o que só veremos em filmes de ficção científica – ou de comédia. De volta do futuro, em vez do clássico “como vai ser sua casa daqui a 20 anos”, compilamos um apanhado de invenções bacanas que podem – ou não – fazer parte da sua vida em algum tempo. Confira.
Transportes
O carro que lê a mente – O futuro é agora
Há 3 anos, a Segway apresentou o HT, alardeado como revolução no transporte humano. A engenhoca, uma espécie de patinete, trazia a tecnologia giroscópica, que “sente” para onde a pessoa está jogando o peso. Aproveitando o mecanismo, a mesma empresa apresentou o Centaur, um quadriciclo esperto, que “lê a mente” de quem o dirige. Mexa as costas para trás e ele levanta as rodas e sobe na calçada; incline o corpo para a frente e ele acelera.
É para quando? – Se a empresa que o fabrica estiver bem financeiramente (o HT ainda não decolou nas vendas), o Centaur deve estar à venda no fim do próximo ano.
Superavião por controle remoto – O futuro é agora
Controlado por satélite, este avião não-tripulado pode ficar mais de um dia no ar, fotografando inimigos e criando uma rede de comunicação sem-fio que conecta as tropas – uma espécie de internet portátil. Mas o Global Hawk está longe de ser um aviãozinho por controle remoto – ele é maior que alguns caças e tem estrutura para levar passageiros. Já se imaginou voando num avião sem piloto? Então pode começar.
É para quando? – 7 Global Hawks estrearam em guerras na invasão do Iraque. Alemanha e Austrália encomendaram unidades. A Força Aérea americana acredita que em 2010 existirão quase 1 000 aviões não-tripulados em serviço.
Vela espacial – O futuro é em 2015
Quanto mais se pesquisam maneiras de fazer humanos irem até Marte, mais se conclui que o velho método de lançar foguetes é muito caro. Por isso, ganha força a idéia de ter veículos espaciais empurrados por uma vela movida a radiação solar. Para voar, o aparelho precisará ser ultra-sensível e superfino – o apresentado na NextFest foi feito com fios de ouro e era 100 vezes menos espesso que uma folha de papel.
É para quando? – Um concórcio internacional pretendia lança a primeira sonda movida a vela em maio deste ano. Problemas técnicos, no entanto, provocaram o adiamento da missão experimental, que deve acontecer em breve.
Robôs
Hubo – O futuro é esquesito
O que seria de uma feira de tecnologia sem um robô humanóide que faz tudo o que o dono manda? O coreano Hubo tem 41 articulações, 2 olhos-câmeras independentes e anda com desenvoltura graças a um sistema de equilíbrio esperto. Se você o empurra, ele faz força e fica em pé. Se você apertar a mão dele, o chapa responde com o mesmo movimento.
É para quando? – Para nunca. O Hubo serve para ser exibido em feiras e testar sistemas depois adaptados para máquinas menos complexas. A partir de outubro, por exemplo, robôs darão expediente em agências do correio coreano para, quando indagados, informar o CEP de endereços.
Lagosta marciana – O futuro é agora
A simpática lagosta é o mais útil dos robôs exibidos. Suas antenas rastreiam desde minas terrestres a odores. Colocada no fundo de um rio poluído, coleta amostras da água, verifica a composição química e caminha até o foco da sujeira. Também “rebola” por terrenos acidentados, graças às 8 patas com “músculos” que se adaptam a diferentes superfícies. Os pais da invenção acreditam que a lagosta seria uma sonda ideal para o solo marciano – desdenhando dos jipinhos da Nasa, expostos no estande vizinho.
É para quando? – O Departamento de Defesa dos EUA comprou a idéia e está bancando os testes.
Andróide gente fina – O futuro é esquesito
Homenagem a Philip K. Dick, autor de Minority Report, o projeto PKD Android é criação de especialistas em inteligência artificial, automação e escritores. O andróide é assustadoramente parecido com humanos: encara interlocutores, responde a perguntas (com um humor ácido) e reconhece conhecidos. Havia uma enorme fila para bater 5 minutos de papo com ele. Ao meu lado, uma mulher perguntou: “Você sabe que é um robô?”. Ele não respondeu – segundo o expositor, por culpa do barulho que os robôs-djs faziam ao lado.
É para quando? – “Andróides assim andando nas ruas só nos contos do Philip”, disse um dos criadores.
Robô fofinho – O futuro é agora
Esse é o futuro dos bichos de pelúcia. O robô fofinho da foto chama-se Paro e é feito à imagem e semelhança de um filhote de foca. Sob o pêlo estão sensores ativados com os afagos do dono. O bicho se mexe dependendo do carinho, faz barulho se é apertado muito forte e olha para a pessoa se quer mais carinho – uma versão ultratecnológica do Tamagochi. Além de agradar aos mais carentes, o Paro tem sido usado em asilos. Pesquisadores japoneses afirmam que a “companhia” da foca diminui a ansiedade e a depressão entre idosos.
É para quando? – Já é vendido no Japão. O fabricante pretende lançar outros bichos com a tecnologia.
Entretenimento
Jogos mentais – O futuro é esquesito
Que tal um jogo no qual você vence com a força da mente? Assim funciona o bizarro Mindball, invenção canadense. 2 jogadores são colocados nas extremidades de uma mesa com uma bola imantada ao centro. Cada um recebe um dispositivo que capta ondas cerebrais. A engenhoca transfere força à bola de acordo com o que (não) passa pela sua cabeça: quanto mais relaxado o cérebro, mais rápido a bola se move. O brinquedo é quase um “antijogo”: seja competitivo e sua chance de ganhar é quase zero. Preocupado em não fazer feio, perdi para uma garota de 9 anos. Não gostei. Mas 2 iogues devem fazer uma partida tão disputada quanto monótona.
É para quando? – É o primeiro passo para jogos em que a força da mente é transformada em ações. Mas ainda vai demorar até a tecnologia ser aplicada a algo divertido.
Jet ski de golfinho – O futuro é em 2015
A mistura de jet ski e submarino com pitadas de golfinho pode ser a nova onda (com o perdão do trocadilho) dos esportes radicais aquáticos. Vindo da Nova Zelândia, o veículo mergulha e dá grandes saltos quando sai da água. A cabine é emprestada de um caça F-16 e o vidro é imune a vazamentos. “Não estamos preocupados em fazer veículos úteis de exploração”, diz o inventor do negócio. “O propósito dele é divertir”.
É para quando? – Só há um modelo efetivamente funcionando, mas com o sucesso na NextFest o Dolphin deve começar a ser produzido por encomenda – e aparecer em alguns filmes de ação.
Dj mecânico – O futuro é esquesito
Essa é para colocar em xeque a idéia de que a música eletrônica é “artificial”: um estúdio de design de Karlsruhe, na Alemanha, construiu robôs capazes de selecionar vinis e executar os tradicionais truques dos djs, como mudar a velocidade da música e fazer scratches – a habilidade dos braços mecânicos é realmente invejável. O problema é que o robô não entende nada de festa: quando o público começa a gostar da música, o maldito vai lá e troca o disco.
É para quando? – Djs, fiquem tranqüilos. Se depender do Juke Bots, seu emprego está garantido. Mas quem sabe não está aí um bom parceiro?
Cotidiano
Camaleão urbano – O futuro é esquesito
Essas saias mudam de cor dependendo do ambiente. Uma é sensível ao barulho (fica escura no meio de um engarrafamento, clara na calmaria de casa), outra, ao ar (muda de cor em ambientes enfumaçados) e a terceira, ao toque. Os inventores parecem não dar bola a um detalhe: com essas roupas, uma pessoa pode sair de casa com uma combinação na cabeça e ao chegar à festa perceber que o sapato não tem a ver com a saia. Mas os irlandeses responsáveis pelo tecido dizem que por trás da moda há um estudo sobre “como o ambiente urbano afeta o comportamento das pessoas”. Para você ver como andar na moda está cada vez mais complexo.
É para quando? – Ainda não apareceram interessados em produzir as roupas em larga escala – vai demorar para as saias saírem dos museus de ciência e serem penduradas em um guarda-roupa. E não se anime: tanta tecnologia não vai fazer com que finalmente seja possível misturar roupa branca e colorida na máquina de lavar.
Cortina solar – O futuro é agora
Outra invenção do estilo “por que ninguém pensou nisso antes?”. Como o nome sugere, a “cortina de energia” capta a luz do sol de manhã e ilumina a casa à noite. São 2 camadas coladas. Virados para o lado externo estão painéis coletores de energia solar. Para dentro, tecido e fibra ótica. A intensidade da luz também é controlada pelo usuário. Quanto mais fechada você deixa a cortina – e mais forte é o sol – mais claro estará à noite na sua sala.
É para quando? – A tecnologia é razoavelmente simples e pode ser comercializada a qualquer momento. Basta algum decorador ecologicamente correto se interessar.
Telefone com sensações – O futuro é em 2015
A idéia desse aparelho é trocar sensações. Cada terminal é capaz de registrar a batida do coração, pressão cardíaca, suor e até o cheiro de quem o utiliza. Do outro lado da linha, o aparelho reproduz as sensações através de um (a definição é do fabricante) “mecanismo micro-bio-eletroquímico” que imita cheiros, liga um ventilador e fica úmido. Ao encerrar a conversa, dá para mandar um beijo. Literalmente molhado.
É para quando? – Os franco-japoneses responsáveis pelo projeto ainda precisam diminuir o dispositivo para colocá-lo nos telefones. Mas, com a velocidade em que os fabricantes investem em tecnologia, talvez o futuro chegue mais rápido.
Ciência / medicina
Scanner de veia – O futuro é agora
Não é exatamente uma revolução na medicina, mas não deixa de ser algo bastante útil. O aparelho aqui escaneia o corpo do paciente e projeta nele próprio, como uma caneta marca-texto, uma imagem de suas veias em tempo real. Assim, o alvo da injeção fica claro e não há como a enfermeira errar a agulhada – o que tem sido celebrado nos EUA como um incentivo à doação de sangue. Por isso, o Veinviewer (“visor de veias”, em inglês) entrou na lista de “invenções mais bacanas do ano” da revista Time.
É para quando? – A empresa começa a entregar as primeiras unidades no começo do ano que vem nos hospitais dos EUA.
Digital do cérebro – O futuro é em 2015
Sempre que identifica imagens arquivadas na memória o cérebro humano emite um sinal. A idéia deste aparelho é captar as ondas cerebrais, batizadas de “Mermer”, e depois usá-las em investigações criminais, como uma espécie de “detector de verdades”. Outra aplicação é o diagnóstico precoce do mal de Alzheimer. Funcionaria assim: imagens de pessoas conhecidas são mostradas ao possível doente. Se a máquina não captar sinais de Mermer, então há algo de errado com a memória da pessoa examinada.
É para quando? – O primeiro protótipo foi apresentado há 2 anos, e sua última versão já está pronta para comercialização.
Gatos clonados – O futuro é agora
Com 32 mil dólares é possível fazer uma cópia do seu gato. O serviço é oferecido pela GSC – única empresa do mundo a explorar comercialmente o filão. Várias pessoas fecharam negócio ali mesmo na NextFest. Funciona assim: os clientes coletam material genético do gato (normalmente uma pequena raspagem da boca) e enviam o DNA para a empresa. O bichano-cópia chega em casa em 6 meses. Há até garantia contra defeitos. Se você não gostar do animal, recebe o dinheiro de volta. Se ele desenvolver alguma doença nos primeiros 2 anos, a empresa manda outro igualzinho, sem custo. A GSC afirma que o método de clonagem utilizado – transferência de cromatina – gera filhotes mais saudáveis que o transplante nuclear, usado na pioneira dos clones, a ovelha Dolly.
É para quando? – Desde o ano passado a firma clona gatos. No final deste, eles prometem começar a trabalhar com cachorros.