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O ataque da estrela

Em agosto, uma onda de energia eletrificou o topo da atmosfera e cegou satélites. Veja como os astrônomos tomaram consciência, pela primeira vez, de que havíamos sido alvo de um assalto estelar.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h34 - Publicado em 31 out 1998, 22h00

Flávio Dieguez, com Denis Russo Burgierman

Na manhã do dia 9 de setembro, um telefonema de Nova York, dado pelo astrofísico Gerald Fishman, da Nasa, atiçou a curiosidade do engenheiro-eletrônico americano Umran Inam, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Aos 48 anos, pai de duas crianças, Inam é o responsável por um sistema de vigilância da alta atmosfera mantido pela universidade para verificar até que ponto ela é afetada pelas tempestades solares. Por isso, ficou excitado ao ouvir de Fishman a informação de que, na madrugada do dia 27 de agosto, a camada de ar que envolve a Terra poderia ter sofrido arranhões sérios. A causa teria sido uma colossal detonação estelar, ocorrida muito além do Sol.

Segundo Fishman, a onda de energia varrera o Sistema Solar na forma de raios gama, que são muito mais violentos que a luz visível, e cegara sete satélites científicos preparados para captar esse tipo de radiação. O que o astrofísico queria saber era se, além dos satélites científicos, o planeta também tinha acusado o golpe cósmico. Se os instrumentos de Stanford confirmassem o choque, seria a primeira vez que se registrava o efeito de uma estrela distante sobre a Terra.

“Até aquele momento, ainda não tínhamos verificado nossos dados”, contou Inam à SUPER. “Mas, depois do telefonema, vimos que, no dia 27, o ar sobre o Oceano Pacífico, a uns 80 quilômetros de altitude, tinha, sim, sofrido um distúrbio elétrico bem forte, exatamente às 3h22 da madrugada.” Pelas contas de Inam, o jato de luz arrancou elétrons de uma infinidade de moléculas de ar, eletrificando-as em grande extensão. Todo o topo da atmosfera, da Ásia aos Estados Unidos, foi afetado, resultando em interferência pesada nas comunicações de rádio nessa parte do mundo. “Durante uns 5 minutos, as estações que transmitem em ondas longas ficaram mudas”, afirma o especialista de Stanford.

Era exatamente isso o que Jerry, como Fishman é conhecido, queria ouvir. Logo ao saber da cegueira dos satélites, levantou a suspeita de que a força da estrela deixaria uma marca memorável no planeta. Duas semanas mais tarde, os aparelhos de Inam lhe deram razão ao detectar o ataque cósmico desfechado de surpresa contra o topo da atmosfera.

Um vagalhão de luz engole meio planeta

Segundo o astrofísico americano Dale Frail, do Observatório Nacio-nal de Radioastronomia, nos Estados Unidos, a explosão foi colossal. Ela destruiu um astro ultradenso, situado na Constelação da Águia, conhecido pela sigla SGR 1900+14. “O estouro liberou, em 1 segundo, mais energia do que o Sol emite durante centenas de anos”, avaliou o cientista para a SUPER. Se tivesse ocorrido dentro do Sistema Solar, o desastre teria torrado a Terra e todos os outros planetas. Só que ela iluminou o Cosmo a 200 000 trilhões de quilômetros daqui, um bilhão de vezes mais longe que o Sol. Para se ter uma idéia, quando a luz saiu de lá, a civilização ainda não existia e o homem ainda andava seminu, decorando com pinturas as cavernas do mundo.

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Por isso, a pancada foi perdendo força e não chegou a ser uma ameaça para nós. No total, a energia que varreu o topo da atmosfera foi, mais ou menos, a que seria necessária para acender uns 50 milhões de lâmpadas comuns. Foi sorte a força da estrela ter se espalhado bastante, sendo absorvida por toda uma metade do nosso planeta. E só conseguiu eletrificar as camadas mais altas da atmosfera.

Assim, protegidos pelas distâncias astronômicas, mas um tanto escaldados, os terráqueos começam a refletir sobre a experiência inédita deste ano com os astros. A primeira conclusão é que não há motivo para alarme. “Os grandes desastres cósmicos são raros e a probabilidade de um deles ocorrer por perto é praticamente nula”, explica o astrofísico Kevin Hurley, da Universidade Berkeley, nos Estados Unidos. Calcula-se que as estrelas do tipo da SGR 1900+14 representem apenas 0,1% das existentes na Via Láctea, e que são, quase todas, tranqüilas como o Sol. Apesar disso, haveria por aí uns 100 milhões desses objetos malcomportados e de temperamento explosivo. Não é impossível que algum deles, um dia desses, volte a se intrometer nas comunicações, a queimar sensores de satélites ou até a chamuscar o traje de um astronauta distraído.

De um canto a outro da Via Láctea

A energia da estrela perdeu força ao cruzar o espaço e chegou à Terra rarefeita.

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Explosão estelar

Energia liberada: 1 bilhão de vezes mais do que o Sol

Sol

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Energia que chegou à Terra: equivalente à de 50 milhões de lâmpadas

Tempestade elétrica no ar

Esta ilustração, recriada a partir de um desenho divulgado pelo engenheiro-eletrônico Umran Inam, da Universidade Stanford, revela que a energia da estrela varreu metade do planeta. Os receptores de rádio do especialista acusaram corte de comunicação entre as quatro estações da Marinha americana assinaladas no mapa. As transmissões só têm longo alcance à noite, quando não sofrem interferência da luz do Sol (veja o quadro abaixo). “Do ponto de vista da radiocomunicação, o choque da estrela fez a noite parecer dia”, disse Inam à SUPER.

Comunicação cortada

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Na ausência do Sol, à noite, o alto da atmosfera tem pouca eletricidade e, por isso, reflete muito bem as ondas de rádio. Rebatendo no topo, elas atravessam os continentes sem perder força. Mas, com a luz da estrela, a eletricidade subiu e o ar passou a absorver uma parte das ondas de rádio. O resto das ondas, repicando em regiões mais baixas, ficou com um alcance menor.

Hierarquia dos abalos

Compare a explosão de agora com outras catástrofes cósmicas.

Nova é o nome que se dá à detonação das estrelas médias, mais ou menos como o Sol. Ela libera cerca de 1 000 vezes menos energia do que o astro que atingiu a Terra. As novas são raras e, se uma delas estourasse a 20 000 anos-luz, seu efeito seria 1 000 vezes menor que o de agora.

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Estrelas gigantes morrem em grandes erupções chamadas supernovas, que têm intensidade dez vezes maior que a do desastre deste ano. Mesmo assim, a energia não teria força para atravessar o ar e chegar à superfície da Terra. São muito menos comuns do que as novas.

Tão portentosas quanto as supernovas seriam as colisões das chamadas estrelas de nêutrons, que são incrivelmente densas. Trombadas entre elas são eventos ainda hipotéticos, mas alguns cientistas acreditam que estremecem o Cosmo, vez por outra. Seriam raríssimos.

Umran Inam, engenheiro da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, detectou os estilhaços de luz da estrela

Incrível. Chuva de raios revela astro inédito

Até o início deste ano, o tipo de astro que bombardeou a Terra existia apenas no papel. Era uma possibilidade teórica imaginada para explicar estranhos flashes luminosos que, regularmente, se viam no Cosmo. Feitos de raios gama, que são uma forma de luz, só que muito mais energéticos que a luz visível, os flashes aparecem e desaparecem num átimo, não dando aos astrônomos tempo de investigar sua origem. Que espécie de personagem cósmico poderia estar emitindo essas fagulhas de radiação?

A resposta surgiu em 1992 com os astrofísicos americanos Robert Duncan, da Universidade do Texas, e Christopher Thompson, da Universidade da Carolina do Norte, ambas nos Estados Unidos. Para eles, os sinais de raios gama poderiam brotar de astros nunca vistos, mas possíveis em teoria, desde então batizados de magnetares. O traço central desses objetos seria uma força magnética 100 vezes maior do que qualquer outra medida no Universo.

A primeira sugestão de que os teóricos poderiam estar certos surgiu em 1996, quando a astrônoma Chryssa Kouveliotou, da Nasa, conseguiu localizar uma fonte de raios gama e medir, durante algum tempo, a sua energia. Era apenas um ponto, em outra galáxia, mas os dados indicavam que ele poderia muito bem ter as propriedades de um magnetar.

As dúvidas que restavam começaram a ser afastadas em junho deste ano. Foi quando Chryssa captou a cintilação de raios gama da estrela SGR 1900+14, desta vez na Via Láctea, e desconfiou que também era um magnetar. O que ainda não dava para adivinhar é que a SGR estava destinada a ter, em agosto, um espasmo mais forte – o bastante para cegar satélites e alvejar a atmosfera.

Foi essa a conclusão dos diversos cientistas que, em setembro, compararam os dados de junho com os de agosto. Para eles, a Astronomia marcou dois pontos num único lance, já que, ao registrar o primeiro efeito de um desastre estelar sobre a Terra, também comprovou, em definitivo, a existência desses novos personagens cósmicos. Os magnetares.

Os ímãs mais poderosos do Universo

Com um magnetismo 100 vezes maior que o de qualquer outro astro, os magnetares perdem o prumo e se despedaçam.

1. Velocidade estonteante

Dando uma volta a cada 5 segundos, a esfera gira a mais de 25 000 quilômetros por hora. As partículas subatômicas que recheiam seu corpo, dotadas de carga elétrica, geram uma força magnética colossal.

2. Perigo da força fora do lugar

Repare que o magnetismo da estrela, que é 800 trilhões de vezes maior que o da Terra, não se alinha com o seu eixo de rotação. Isso representa um desequilíbrio que, com o tempo, abala a estrutura do astro.

3. Temperatura em ascenção

A ameaça aparece porque, deslocada do eixo de rotação, a atração magnética provoca um rearranjo das partículas que se amontoam apertadas dentro da bola cósmica e se esfregam umas nas outras. A temperatura sobe.

4. A energia rompe os grilhões

Então, cedo ou tarde, o calor acumulado sob a crosta abrirá caminho para o espaço, provocando o equivalente a um terremoto na superfície. Quebradas as grades da jaula, a energia vem à tona, explosiva, e pode destruir a estrela.

Matéria em alta concentração

Os magnetares pertencem à turma dos astros superdensos, que inclui as estrelas anãs, os pulsares (ou estrelas de nêutrons) e os buracos negros. Todos espremem massas como a do Sol num volume incrivelmente menor. As anãs, como a Terra, medem cerca de 6 000 quilômetros de raio. Os pulsares cabem numa cidade pequena, de 6 quilômetros de raio.

São iguais aos magnetares, mas têm magnetismo 100 vezes menor. Os buracos negros, enfim, se apertam num raio de 1,5 quilômetro. Para se ter uma idéia da densidade desses corpos, veja que uma colher de matéria tirada do núcleo dos magnetares pesaria tanto quanto uma montanha como o Monte Everest.

Esta camada é feita de partículas subatômicas chamadas nêutrons. Tem densidade tão alta que uma única colher de matéria daqui pesaria tanto quanto um porta-aviões.

O núcleo contém quarks, partículas das quais são feitos os nêutrons. Sua densidade é imensa. Uma colher de matéria teria o peso do Monte Everest.

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