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O computador atômico

O que vai acontecer com os circuitos eletrônicos quando suas peças, de tanto diminuir de tamanho, virarem uma autêntica poeira de átomos?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h39 - Publicado em 28 fev 1997, 22h00

Cassio Leite Vieira e Joe Olmi, de Londres

No início dos anos 80, os cientistas começaram a alertar que a evolução dos computadores, da maneira como são construídos hoje, estava com os dias contados. O motivo era, e ainda é, a incrível transformação dos circuitos eletrônicos, que nos últimos trinta anos ficaram 3 milhões de vezes mais rápidos, enquanto os seus componentes básicos, que são os transístores, encolhiam na mesma proporção. Os primeiros transístores da década de 60 não eram menores que um grão de feijão, e os atuais já estão cem vezes menores que o diâmetro de um fio de cabelo.

Só que eles não podem diminuir muito mais. A miniaturização deve dar mais um salto de cem vezes, nos próximos dez ou quinze anos, mas aí os transístores já não funcionarão muito bem. E se em seguida forem divididos novamente por dez, deixam de existir: vão se desmanchar em uma nuvenzinha de átomos, 1 milhão de vezes menor que 1 centímetro. Ou seja, os computadores vão ter de virar máquinas atômicas, já que suas peças essenciais serão átomos soltos, em lugar dos transístores convencionais.

Por isso, o novo modelo de processar informações está sendo chamado de computador quântico, em referência à Mecânica Quântica, o ramo da Física que governa o comportamento dos átomos. Por enquanto, é quase tudo teoria. Ninguém sabe direito que estrutura a nova máquina vai ter. Mas os especialistas garantem que, se ela um dia chegar a operar, pode dar um show. É que em vez de executar um cálculo por vez, como os computadores atuais, ela vai raciocinar em bloco, compondo verdadeiras sinfonias inteligentes

Milhões de anos num piscar de olhos

Se algum dia chegar a ser construído, o computador atômico vai ser um aparelho esquisito. E para ter uma idéia do seu funcionamento é preciso recorrer a conceitos igualmente delirantes. Um desses conceitos são os “universos paralelos” do físico David Deutsch, da Universidade de Oxford, Inglaterra. A idéia só vale no mundo dos átomos, que é governado pelas leis da Teoria Quântica. Mas pode ser ilustrada por meio de uma história com personagens comuns. Imagine que um cidadão quer se casar e tem que decidir entre quatro mulheres.

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A conseqüência normalmente prevista pela teoria já é curiosa: assim que se escolhe uma mulher, as outras desaparecem como se nunca tivessem existido. Mas a versão de Deutsch é ainda mais interessante porque faz as mulheres reaparecerem, só que uma não toma o menor conhecimento da outra. O cidadão poderia tranqüilamente conviver com as quatro sem risco de ciúme ou de ser preso por bigamia.

Deutsch espera que o processador do futuro faça algo parecido, realizando várias tarefas como se existisse uma só. Hoje existem supercomputadores que dividem o trabalho entre vários processadores auxiliares, mas nesse caso o número de ajudantes, por maior que seja, não pode ser infinito. E no computador quântico, segundo Deutsch, não há limite. Quanto mais serviço existe, mais serviçais aparecem. É o que faz dele uma máquina impensavelmente veloz, finalizando num piscar de olhos empreitadas que demorariam milhões de anos, mesmo numa supermáquina capaz de executar trilhões de operações por segundo.

Nada disso significa que já é possível usar os átomos para fazer contas, mandar mensagens pela Internet ou imprimir um texto. O computador quântico, por enquanto, existe apenas no papel, como quase tudo o que os cientistas dizem a respeito do assunto. Mas as experiências recentes indicam que o sonho pode estar muito mais perto da realidade do que se imaginava alguns anos atrás. E tem muita gente de mangas arregaçadas tentando transformar ínfimos átomos em componentes eletrônicos de verdade (veja os infográficos abaixo e na página seguinte).

Mais de mil computadores derrotados

A grande mudança de expectativa com relação à máquina que usa átomos para calcular começou a acontecer há cerca de três anos por iniciativa de um especialista dos Laboratórios AT&T Bell, nos Estados Unidos. Seu nome é Peter Shor e seu mérito foi descobrir que o novo modelo de processar informações poderia facilmente realizar uma tarefa importante e tremendamente demorada nos computadores atuais: criar e decifrar códigos secretos ou senhas. Com esse fim, em 1994, Shor escreveu o primeiro software quântico da história.

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O programa tinha a ver com um formidável quebra-cabeças criado em 1977 por três pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Estados Unidos. Eles queriam saber quais eram dois números que, multiplicados entre si, davam um terceiro, indicado por eles. Acontece que o número apresentado tinha nada menos que 129 algarismos, ou seja, seria preciso quatro linhas desta revista para escrever o seu valor por extenso. Esse desafio, mais tarde, virou uma técnica largamente utilizada para gerar códigos secretos, ou senhas, e assim evitar que informações confidenciais fossem acessadas por intrusos.

Mas a charada só foi resolvida 17 anos depois, em 1994. Para dar conta do recado montou-se uma rede de 1 600 computadores trabalhando 24 horas por dia, que ainda levaram oito meses para dar a resposta. Nessa mesma época, Shor idealizou o seu programa histórico, mostrando que o computador quântico, se já estivesse disponível, teria decifrado o mistério em menos de 1 minuto. O mundo da ciência ficou de boca aberta.

Armadilhas elétricas para prender átomos

A primeira peça eletrônica com a dimensão de um átomo, realmente capaz de entrar em operação, foi criada pelos americanos Dave Wineland e Chris Monroe, do Instituto Nacional de Padrões e Medidas, em Boulder, Estados Unidos. Em 1995, eles montaram um dispositivo que seria o equivalente de um transistor quântico. Vale lembrar que nos computadores convencionais os transístores servem para codificar uma unidade de informação (veja no infográfico ao lado como se codifica um número discando o telefone).

O componente de Wineland e Monroe faz a mesma coisa, mas mexe com um único elétron dentro de um átomo, enquanto as peças convencionais são relativamente grandes, feitas de trilhões e trilhões de átomos.

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Interruptor a laser

A idéia dos cientistas foi usar a rotação do elétron para gerar o código: se a partícula girava na direção dos ponteiros de um relógio queria dizer “sim” e na direção oposta, “não”. Para acionar esse dispositivo, foi preciso imobilizar o átomo com ajuda de forças elétricas dentro de uma câmara especial, chamada pelos físicos de “armadilha”. Quando queriam fazer o elétron girar numa direção ou na outra, os pesquisadores o acertavam com um raio laser. A energia da luz tem a capacidade de inverter a rotação da partícula. Ou seja, o laser faz as vezes do interruptor de eletricidade que todo mundo tem em casa.

Logo depois de Wineland e Monroe, Jeff Kimble, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, Estados Unidos, bolou e construiu um transístor parecido. Em vez de elétrons, Kimble usou um fóton, que é o átomo de luz. Da mesma forma que os elétrons, os fótons também podem girar em dois sentidos.

A montagem, na prática, desses primeiros componentes quânticos, por mais simples que sejam, aumentou o entusiasmo que já tinha sido despertado pelo trabalho de Peter Shor, autor do primeiro software para rodar em computadores quânticos (leia na página 69). Agora já existem pelo menos mais três programas. Eles contêm instruções bem simples, por enquanto, mas com o feito de Wineland, Monroe e Kimble os cientistas devem ficar cada vez mais ambiciosos. “Acho que novas aplicações vão começar a aparecer na medida que aprendermos mais sobre as máquinas quânticas”, disse Shor à SUPER.

“Eu adoraria estar errado”

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Segundo os especialistas, não demora muito vão aparecer pequenos protótipos contendo diversos transístores, e não apenas um, como aconteceu até agora. “Provavelmente, isso será verdade dentro de apenas dez

anos”, disse à SUPER o pioneiro Paul Benioff, do Laboratório Nacional Argonne, nos Estados Unidos. Benioff foi o primeiro cientista a pensar no computador quântico, na década de 40. Ele acha muito improvável que esses protótipos sejam mais potentes que os computadores de hoje. “Mas eu adoraria estar errado”. Shor tem opinião parecida. “Ainda vai levar muito tempo até um computador quântico ser capaz de fazer cálculos reais. Mas dez ou vinte anos é o prazo normalmente necessário para transformar uma boa idéia em realidade”.

Nem todos têm a mesma confiança. Os críticos afirmam, entre outras coisas, que seria preciso prender pelo menos 100 000 átomos em armadilhas elétricas para que um computador quântico pudesse funcionar. E isso a tecnologia de hoje está longe de ser capaz de ralizar. Para se ter uma idéia, só para fazer uma conta simples, como escrever o número 15 na forma de 3 vezes 5 já exigiria umas 20 000 armadilhas elétricas. Isso sem falar que vai ser muito difícil construir focos de laser com a precisão necessária para processar milhares de bits quânticos.

De quantas peças é feita a inteligência

Como todo invento que ainda está engatinhando, o computador quântico também divide as opiniões. O que alguns acham terrivelmente difícil, outros consideram relativamente fácil. É o que se vê no desafio de projetar os circuitos eletrônicos para uma nova máquina inteligente. O inglês David Deutsch rebate a avaliação de que seria preciso engaiolar 20 000 átomos só para fatorar o numero 15, isto é, escrevê-lo na forma de 3 vezes 5. E vai mais longe. Diz que apenas 2 000 peças quânticas bastariam para fatorar números com mais de cem algarismos. Esse tipo de operação, empregada na construção de códigos secretos ou senhas, é uma das tarefa em que os computadores quânticos poderiam superar largamente os convencionais. Daí o interesse de Deutsch na questão.

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Ele sabe muito bem que as máquinas potencialmente revolucionárias não vão ficar prontas depois de amanhã. Mas mas garante que, num futuro próximo, um garoto segurando uma máquina do tamanho de uma calculadora poderá tentar decifrar o código de acesso ao sistema do Pentágono, ou seja, a própria Secretaria da Defesa dos Estados Unidos. Deutsch não está apostando nisso sozinho. Algumas das maiores empresas japonesas acompanham muito de perto o assunto, e a Hitachi já está até investindo num codificador quântico. Isso não garante que a evolução do computador vai continuar depois que suas peças chegarem ao limite do átomo. Mas dá uma certa segurança de que, se existe um jeito de superar essa fronteira do conhecimento e da tecnologia, todo o possível será feito para descobri-lo.

Para Saber Mais

A Mente Nova do Rei, Roger Penrose, Editora Campus, São Paulo, 1991.

Black Holes and Time Warps, Kip Thorne, Norton, Nova York, 1994.

A nova lógica eletrônica

O átomo vai fazer o papel do transístor na hora de montar os bits do futuro.

Bit, como você já deve ter ouvido falar, é qualquer coisa capaz de representar um “sim” e um “não”, que dentro da máquina são traduzidos como “uns” e “zeros”. É assim que os computadores constroem a sua lógica. Uma corrente elétrica pode fazer o papel do bit: se ela corre num sentido quer dizer “sim” e no outro, “não”. Hoje isso é feito pelos transístores, que são peças capazes de controlar os movimentos da eletricidade. No computador quântico a função dos transístores tem que ser executada por um único átomo. Conseguir que essa partícula infinitesimal faça o papel de um componente eletrônico é um desafio que os cientistas estão apenas começando a vencer.

Palavras elétricas…

Neste esquema, se a pilha empurra a eletricidade para um lado quer dizer “sim”, se empurra para o outro, quer dizer “não”. É assim que os computadores de hoje montam a sua lógica.

…e atômicas

Dentro do átomo é a distância entre o elétron e o núcleo que representa o “sim” e o “não”. Se o elétron está perto é um “sim”, se está mais longe, um “não”.

Ondas de informação

Uma analogia ajuda a entender por que um computador atômico poderia processar dados com mais eficiência.

Imagine que duas informações são representadas por duas cores, num computador comum. Na escala dos átomos, as duas cores se combinariam para criar uma terceira, registrando três informações.

As partículas atômicas são como as cores. Elas se comportam como ondas. Assim, duas delas podem se juntar, da mesma maneira que as notas musicais, que também são ondas, se somam num acorde. Note como as ondas se somam para criar uma terceira.

Galeria dos visionários

As figuras que quebram a cabeça em busca de um novo cérebro artificial

O gênio maior

Richard Feynman, Instituto de Tecnologia da Califórnia. Um dos maiores gênios do século, ganhou o Nobel em 1965. Morreu em 1988 aos 69 anos. Em 1944, descreveu os princípios físicos dos computadores quânticos. Embora não tenha enxergado todos os problemas conceituais que poderiam ter, indicou a direção certa para os pesquisadores do futuro.

Primeira idéia

Paul Benioff, Laboratório Nacional Argonne, Illinois, Estados Unidos. Foi o primeiro a investigar a idéia de computadores que operassem somente em nível quântico. Parte de suas idéias foi usada por Richard Feynman. Demonstrou que os processadores desse tipo não sofrem perda de energia por resistência elétrica.

Código secreto

Peter Shor, dos Laboratórios AT&T Bell, Estados Unidos. Idealizou em 1994 o primeiro programa, chamado algoritmo de Shor, que poderia rodar num computador quântico, se este já estivesse disponível. Segundo os especialistas, o software quebraria em segundos a mais secreta das senhas criadas para proteger redes de computadores.

Código de luz

Compare um possível telefone quântico com um digital, ambos ligados a uma fibra ótica.

Cada algarismo de um número de telefone digital viaja pela fibra ótica na forma de um código de oito bits, isto é oito combinações de “zeros” ou “uns. O mesmo algarismo, num telefone quântico, pode ser codificado por apenas dois bits quânticos, formados por dois pares de partículas de luz. Com essa economia de ibits, os dados são transmitidos com velocidade muito maior.

A tecla acionada dispara oito pulsos de luz. A seqüência de “uns” e “zeros” representada pelos pulsos indicam que a tecla é a do algarismo 5.

Aqui, em vez de oito pulsos, a tecla gera apenas dois pares de fótons, que são partículas de luz. Combinados, os fótons indicam o mesmo algarismo 5.

Universos paralelos

As pesquisas avançam de especulações delirantes a experiências práticas.

Sem limite

David Deutsch, Universidade de Oxford, Inglaterra. Imaginou em 1985 uma arquitetura notável para fazer cálculos em quantidade ilimitada e em altíssima velocidade. De acordo com a noção de “universos paralelos”, desenvolvida por ele, os computadores fariam ao mesmo tempo todas as etapas de um cálculo muito complicado, ganhando tempo.

Rotação da luz

Jeff Kimble, Instituto de Tecnologia da Califórnia, Estados Unidos. Conseguiu construir um transístor em escala atômica utilizando partículas de luz, chamadas fótons. Ele mostrou que a rotação dos fótons pode ser usada como um símbolo. Se rodasse como os ponteiros do relógio, representaria um “sim”, no sentido contrário, um “não”.

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