O computador levanta vôo
Supercomputadores testam aviões da virada do século, dez vezes mais rápidos que o Concorde, antes que começem a ser fabricados
Após uma decolagem tranqüila, o piloto se prepara para ganhar altura. Aos poucos, o avião vai subindo, até chegar as fronteiras da atmosfera, a 30 mil metros, três vezes além dos jatos atuais. Ele voa depressa – bem mais depressa do que o mais rápido jato em operação comercial no mundo, supersônico Concorde, que cobre 2.1 mil quilômetros numa hora. Sem se perturbar com a turbulência e as ondas de choque provocadas pelo fluxo de calor em torno da fuselagem por causa da rapidez do vôo, o piloto inicia os preparativos para alcançar velocidades de tirar a respiração – primeiro, sete; depois, quatorze; enfim, 25 vezes a velocidade do som, ou seja, 30 mil quilômetros por hora, o suficiente para entrar em órbita em torno da terra. A medida que sobe, o aparelho envolvido por uma série de fios de cores brilhantes que mostram a direção das correntes de ar e zonas de maior turbulência.
Tudo isso é ficção. Esta viagem não aconteceu – ainda. Mas o cientista de verdade, que tomou o lugar do nosso piloto imaginário, pode simular o vôo no vídeo de um supercomputador antes mesmo que o projeto desse avião chamado Hipersônico tenha saído das pranchetas dos desenhistas.
Esse faz-de-conta, tão realista, é possível graças a um sofisticado sistema automatizado – NAS (Sigla em inglês para simulação numérica aerodinâmica)-criado para agência espacial norte-americana NASA, pelo Ames Research Center, em Mountain View, na Califórnia.
O NAS tem em seu coração uma maravilha comparável ao avião supersônico. Um dos mais rápidos supercomputadores do mundo, o Cray-2 , capaz de fazer até dois bilhões de cálculos (2 gigaflops) por segundo. A NASA investiu 120 milhões de dólares neste programa para revolucionar o modo de testar e desenhar os veículos aeroespaciais da próxima geração. A prioridade do NAS e o projeto do avião aeroespacial Expresso do Oriente, capaz de voar quatorze vezes mais depressa do que o som, ou 17 mil quilômetros por hora.
Projetado para transportar quinhentos passageiros, quase o dobro, portanto, dos atuais jumbos, Expresso do Oriente deverá estar voando por volta do ano 2000. Como o próprio nome indica, ele será utilizado principalmente nas rotas entre América do Norte e a Ásia. Com a velocidade para a qual está programado, poderá ligar, digamos, Washington a Tóquio num piscar de olhos – três horas, treze a menos que os jatos atuais.
Cálculos a Jato
Entre o pioneiro 14-Bis de Santos Dumont e os projetos dos jatos hipersônicos, muito do charme e da aventura de se construir um avião se perdeu. Em compensação, o avanço da indústria e a revolução da informática abriram possibilidades de investir em aparelhos inimagináveis no começo do século. Ganhou-se em velocidade, resistência, potência do motor. De seu lado, os velocíssimos supercomputadores já são ferramentas obrigatórias para investigar fenômenos do mundo físico que exigem a interpretação de milhões de dados combinados.
Para se ter uma idéia, um cálculo que num microcomputador Apple 11 leva 80 horas, num IBM/PC 35 horas e num computador de grande porte, como o VAX 11 /780, sete minutos, é feito num supercomputador como o Cray-2 em menos de dois segundos. Embora funcione como um supercérebro, o Cray é pequeno: tem pouco mais de um metro de altura e outro tanto de diâmetro. Devido à rapidez com que opera, ele aquece como um plugue submetido à excesso de corrente ligado a uma tomada. Por causa disso, seus circuitos são imersos em um fluido, do mesmo tipo usado no plasma artificial que substitui o sangue humano. O local onde ele se encontra “lembra um aquário”, compara Ron Bailey, diretor do projeto NAS da NASA.
Capaz de armazenar 256 milhões de palavras em sua memória, o Cray-2 de Mountain View está sendo usado ao mesmo tempo por 37 centros de pesquisa dos Estados Unidos. Ele serve a várias áreas, além da aviação. Por exemplo, ajuda no estudo da formação das galáxias, na modelagem dos padrões de clima da Terra, na decodificação dos códigos genéticos e na simulação de reações químicas. Devido ao preço, que pode chegar a 20 milhões de dólares, e à sofisticação, a família dos supercomputadores ainda é pequena. Existem apenas uns trezentos, concentrados nos Estados Unidos, Canadá, Japão e países da Europa. Quem tem, não quer vender. Quem não tem, espera a vez de poder comprar. No Brasil há pelo menos seis empresas e instituições de pesquisas interessadas, da Petrobrás ao CTA (Centro Técnico Aeroespacial).