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O futuro do elevador — e o caso do homem que ficou 41 horas preso em um

Era tarde da noite, e o americano Nicholas White ainda estava no trabalho. Resolveu descer para fumar um cigarro — e embarcou no pior final de semana de toda a sua vida.

Por Juliana Sayuri e Bruno Garattoni
Atualizado em 28 jul 2021, 10h06 - Publicado em 24 jul 2018, 13h51

Sexta-feira, 11 da noite. A maioria das pessoas já foi embora para casa há muito tempo, mas o jornalista americano Nicholas White, 34 anos, continua no trabalho. Ele ainda tem bastante coisa para fazer, uma edição inteira da revista BusinessWeek para editar. Resolve descer para fumar um cigarro e criar coragem.

Pega maço e isqueiro, nem veste o casaco – estava frio, mas ele iria voltar rápido. Desce, fuma e chama o elevador para voltar ao escritório, no 43o andar do edifício McGraw-Hill, em Nova York. A porta fecha e a cabine começa a subir, mas aí algo estranho acontece. A luz pisca, o elevador para. Nicholas ainda não sabe, mas a pior experiência da vida dele está prestes a começar.

Provavelmente você já ficou preso num elevador – ou conhece alguém que ficou. Também pudera: se você mora e trabalha em prédios, passa em média cinco minutos por dia dentro de elevadores, o que dá duas horas e meia por mês (mais cinco horas esperando eles chegarem). Pode não parecer, mas o elevador é o principal meio de transporte nas cidades. Em São Paulo, há 81 mil elevadores, que fazem 16 milhões de viagens por dia. É mais do que os ônibus (8 milhões de viagens diárias), o metrô (4,5 milhões), carros e motos (que, somados, fazem 13,6 milhões de viagens por dia).

Só em São Paulo, os elevadores fazem 16 milhões de viagens por dia — mais que metrô, carros e ônibus somados

O elevador é onipresente, e por isso é inevitável que, cedo ou tarde, acabe dando algum probleminha. Na esmagadora maioria dos casos, não acontece nada grave: um levantamento dos acidentes de elevador ocorridos nos EUA durante 17 anos constatou que o risco de morrer num deles é de apenas 1 em 3,6 bilhões, ou seja, 360 vezes menor que num avião (o segundo meio de transporte mais seguro que existe).

Mas, durante muito tempo, elevador foi uma coisa perigosa. Isso fica claro pela insanidade de um de seus primeiros nomes: cadeira voadora.

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Sala ascendente

Acredita-se que os sumérios, por volta do ano 2.700 a.C., tenham construído um elevador primitivo para transportar material de construção. No século 3 a.C., o grego Arquimedes inventou um sistema mais sofisticado, com polias e roldanas. Os romanos aperfeiçoaram essa ideia e criaram uma versão movida a manivela para transportar carga – e, pela primeira vez, seres vivos também: no Coliseu, animais e gladiadores subiam até a arena de elevador. Séculos depois, o rei francês Luís 15 (1710-1774) decidiu construir um elevador no Castelo de Versalhes. Ele queria conectar seus aposentos, no térreo, até o quarto de sua amante, no segundo andar. Vossa Majestade batizou a engenhoca de chaise volante (cadeira voadora). Em 1845, o arquiteto Gaetano Genovese instalou um elevador similar no Palácio Real de Caserta, na Itália.

Com a Revolução Industrial, surgiram os elevadores a vapor, que transportavam madeira e carvão das minas inglesas e, em alguns casos, passageiros. Em 1823, os arquitetos britânicos Burton e Hormer construíram uma ascending room (sala ascendente) que levava turistas até uma plataforma no prédio Colosseum, com vista panorâmica do Regent’s Park, em Londres.

Mas andar de elevador era se expor a um enorme risco. Se os cabos se rompessem, o que muitas vezes acontecia, a cabine simplesmente despencava. Quem resolveu a questão foi o americano Elisha Otis (1811-1861), o inventor do elevador moderno. Em 1853, Otis criou o molinete de segurança, um sistema que impede a queda do elevador. É um conjunto de garras conectadas a molas, que são puxadas pelo cabo do elevador. Se por algum motivo o cabo se romper, as molas disparam e as garras se projetam para os lados, prendendo o elevador no poço e impedindo que ele caia. Otis demonstrou sua invenção da forma mais dramática possível. Na Feira Mundial de Nova York, em 1854, ele subiu sozinho num elevador de madeira e pediu que cortassem as cordas que o sustentavam. O mecanismo funcionou, Otis sobreviveu – e o elevador entrou de vez na vida das cidades. Em 1857, o primeiro modelo de passageiros foi instalado em Nova York.

Imagem sem texto alternativo
(Mauro Girão/Superinteressante)

1. Propulsão magnética
Os trilhos do elevador são cobertos por eletroímãs, que ligam e desligam de forma sincronizada. Isso gera um campo magnético que repele outros ímãs, instalados na parte de fora do elevador – e faz a cabine subir ou descer.

2. Rotação do eixo
O elevador não tem cabos, e por isso também pode andar de lado. Para tanto, ele gira uma parte do trilho, o que leva alguns segundos. O elevador continua preso ao trilho por garras de aço – que giram junto com o trilho. A cabine em si não gira, ou seja, os passageiros não sentem nada.

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3. Movimento horizontal
A partir daí, o elevador passa a navegar pela rede de trilhos horizontais construída no prédio. Ele alterna automaticamente entre os modos vertical e horizontal, seguindo um itinerário determinado pela demanda de passageiros, para transportar as pessoas do modo mais eficiente possível.

4. Densidade e rapidez
A tecnologia permite que dois ou mais elevadores compartilhem o mesmo trilho, reduzindo a espera dos passageiros. E também viabiliza a construção de prédios bem diferentes dos atuais, com grandes blocos horizontais – caso do East Side Tower, em Berlim, que ficará pronto em 2020, inaugurando o sistema.

Os elevadores da época eram movidos a vapor, o que não era nada prático. Uma caldeira fervia água, cuja evaporação movimentava um mecanismo que puxava os cabos. Isso só mudou em 1881, quando o alemão Werner von Siemens inventou o elevador elétrico. Mais simples e confiável, ele deu origem à era dos arranha-céus – cujo maior símbolo foi o Empire State Building, com seus 102 andares (e 67 elevadores) inaugurados em 1931 em Nova York.

Até a 2a Guerra Mundial, a maioria dos elevadores tinha um ascensorista. Mas avanços tecnológicos como o botão de emergência e o interfone foram acabando com ele. Quando Nicholas White fica preso no elevador, seu primeiro impulso é justamente acionar o interfone. Ninguém responde, e ele aperta o botão de alarme.

O alarme toca, mas o resgate não vem. Nicholas tenta mais algumas vezes até que arranca o botão, para que o alarme toque de forma contínua. Ele está sem celular, não tem como pedir socorro. Também está sem relógio, não tem como saber há quanto tempo está preso. Apesar disso, procura ficar calmo.

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Nicholas deita no chão e resolve fumar. Logo consome os três cigarros que levava no bolso. Como não tem água, começa a ficar com muita sede – que se transforma em pânico. Depois de seis horas preso, ele decide abrir a porta à força. Consegue, mas não adianta nada.

O elevador está parado entre o 130 e o 140 andares, bem no meio, com a saída bloqueada pela laje. Nicholas solta a porta, que volta a se fechar, e começa a gritar por socorro. São 5h da manhã de sábado, o prédio está deserto, não há ninguém para ouvi-lo. O elevador tem uma câmera de segurança, que transmite imagens para o porteiro do prédio – mas ele, num suprassumo de desleixo, não se dá ao trabalho de olhar. O pesadelo de Nicholas ainda está longe do fim.

Metrô no prédio

Na essência, o elevador moderno ainda parece os modelos do século 19: ele nada mais é do que uma caixa puxada por cabos. Mas duas tecnologias prometem mudar isso. A primeira se chama ReGen e foi criada pela empresa Otis (que Elisha fundou há 165 anos para comercializar sua invenção). Ela tem um mecanismo que aproveita a descida do elevador para recuperar energia – e, com isso, reduz em até 75% o gasto de eletricidade [veja no infográfico abaixo]. A empresa já vendeu 500 mil elevadores com essa tecnologia.

Mais ousado, o sistema Multi repensa o próprio conceito de elevador: que deixa de ser puxado por cabos, e passa a andar também na horizontal. “Ele funciona como um metrô dentro do edifício”, diz Fábio Speggiorin, vice-presidente de desenvolvimento da ThyssenKrupp, inventora do sistema. O Multi é movimentado por um sistema de propulsão eletromagnética, e não tem nenhum cabo. Sua estreia está prevista para 2020, com a inauguração do East Side Tower, em Berlim, primeiro prédio a usar o elevador. Ele é três a cinco vezes mais caro que um modelo convencional, mas aumenta em até 25% a área útil do edifício – como anda na horizontal e na vertical, consegue atender uma área maior, exigindo menos poços. Segundo o fabricante, o Multi é ainda mais seguro que um elevador comum – pois a cabine é presa fisicamente aos trilhos e tem três sistemas de segurança, acionados automaticamente em caso de falta de energia.

Para provar que seu elevador era 100% seguro, o inventor Elisha Ortis entrou nele — e mandou cortarem os cabos

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Os principais avanços dos elevadores estão, justamente, na segurança. Em caso de pane, os modelos mais modernos chamam imediatamente uma equipe de manutenção – que também é avisada sobre a necessidade de reparos preventivos. “É como na Fórmula 1: o carro está correndo e o pessoal do box está monitorando”, diz José Luis Soares, gerente de marketing da Atlas Schindler.

Porém, no caso de Nicholas, não foi assim.

Saída frustrada

Tarde de sábado. Nicholas está há 16 horas preso, e começa a ter alucinações auditivas: acha que o alarme do elevador forma padrões estranhos, como uma música. Para passar o tempo, tira e lê todos os papéis e notas da sua carteira. Deita no chão, dorme e acorda várias vezes. Faz xixi pela fresta da porta, e sente cada vez mais sede. Ele não sabe há quanto tempo está preso. Começa a achar que vai morrer de desidratação, e tenta sua última cartada. Recoloca o botão no painel, desligando o alarme, e decide tentar escapar – pela escotilha no teto do elevador. Sobe no corrimão do fundo da cabine, se equilibra e pula para cima com toda a força. A escotilha não abre; estava trancada. Nicholas cai no chão com tudo.

Desolado, ele deita  e se revira no carpete imundo. Alterna momentos de apatia e de desespero, até que tem um último lampejo de energia – grita e bate furiosamente nas paredes do elevador. Nada acontece, e então Nicholas entra em estado de choque. Deita com o rosto para baixo e não se mexe mais. É madrugada de sábado para domingo.

Até que às três da tarde, depois de 40 horas preso, ele ouve uma voz. “Tem alguém aí dentro?”, pergunta um segurança do prédio. Nicholas consegue responder, pede socorro, e o funcionário finalmente chama a equipe de manutenção. Uma hora depois, o elevador volta a se mover – o que Nicholas, completamente atordoado, só percebe pela entrada de um ventinho. Depois de algum tempo, o movimento para. Nicholas abre a porta com as mãos, e vê o lobby do prédio. Ele está livre. Acabou.

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(Mauro Girão/Superinteressante)

Como é hoje
Os elevadores possuem três elementos principais: a cabine, o motor e o contrapeso, que são interligados por cabos de aço. O contrapeso tem a mesma massa que o elevador tem quanto está com 50% da capacidade ocupada (neste exemplo, com cinco pessoas dentro).

1. A descida
Quando o elevador está com mais de cinco pessoas, ele fica mais pesado que o contrapeso – e desce. O contrapeso ajuda a frear e controlar essa descida, evitando que o motor tenha de fazer isso.

2. A subida
Quando o elevador está com menos de cinco pessoas, ele fica mais leve que o contrapeso – que então começa a descer, puxando o elevador para cima. A lei da gravidade faz parte do trabalho, economizando energia do motor.

3. A nova tecnologia
O segredo do sistema ReGen está num dínamo, que fica ao lado do motor e é acionado pelo movimento dos cabos. Ele converte esse movimento em energia, que alimenta o motor – reduzindo em até 75% o consumo de eletricidade.

Na verdade, não acabou. O caso, que aconteceu em outubro de 1999, foi destaque em todos os jornais e canais de TV de Nova York, e Nicholas passou a ser assediado pela imprensa, que acampou em frente à casa dele. Os chefes disseram que Nicholas podia tirar quantos dias de folga precisasse. Ele passou duas semanas de férias numa praia do Caribe. Ao voltar, processou o prédio e o fabricante do elevador, pedindo US$ 25 milhões. Não foi mais trabalhar – e perdeu o emprego, onde estava há 15 anos.

O caso se arrastou na Justiça até que, quatro anos depois, terminou em acordo: Nicholas recebeu pouco mais de US$ 100 mil. Ele acabou quebrado, perdeu seu apartamento e teve de aceitar o primeiro trabalho que apareceu, como vendedor numa loja de tênis.

Na próxima vez em que for pegar um elevador, você vai se lembrar da história de Nicholas White – e talvez sinta um certo medo. Calma. Elevador é seguro, e acima de tudo necessário (sem ele, as cidades como as conhecemos não existiriam). Mas, antes de embarcar, não se esqueça de uma coisa: “Verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar”.

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