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O Leviatã: um raio X das forças armadas dos Estados Unidos

Tudo é superlativo na indiscutível mais bem armada e avançada força do mundo.

Por Fábio Marton
Atualizado em 20 set 2019, 18h36 - Publicado em 5 ago 2019, 18h43

Nove minutos. Foi o tempo que Osama bin Laden teve para pensar na vida, entre os helicópteros Blackhawk pousarem ao lado de sua fortaleza particular em Abbottad, Paquistão, e ser executado sem cerimônia. Menos de 10 horas depois, seu corpo encontraria o fundo do Oceano Índico, amarrado a 140 kg de correntes.

A mais espetacular ação de forças especiais neste século foi conduzida pelos Seals da Marinha, com helicópteros emprestados do Exército, a partir de uma base da Força Aérea, com suporte de uma unidade de inteligência dos fuzileiros navais. É um exemplo da capacidade de entrosamento da mais potente força militar do planeta, apoiada pela maior economia.

Dinheiro fala e metralhadoras gritam. Os US$ 716 bilhões investidos pelos americanos em 2018 representam mais de 30% de todo o gasto militar na Terra, são mais que o dobro que os US$ 224 bi da China, e mais que 15 vezes os US$ 44 bi da Rússia. E essa dinheirama é ainda assim apenas um dos elementos de seu real poder. Os Estados Unidos também são o número 1 em ciência e tecnologia, e, estando na América, possuem isolamento geográfico dos centros de conflito.

Também têm a maior população de qualquer país ocidental. Por fim, ainda que sua reputação esteja caindo – segundo o Pew Research Center, 25% do mundo considerava os EUA uma “grande ameaça” a seu país em 2013, versus 45% em 2018 –, 51% das pessoas do planeta têm uma visão positiva dos EUA. O soft power é inescapável. A familiaridade criada pela gigantesca indústria cultural americana ajuda a obter a colaboração de muitos países. Enfim, tudo conspira em favor dos EUA. Mas o fato é que nem sempre o cavalo favorito leva.

Team America

Não é exagero dizer que os Estados Unidos se acham a polícia do mundo. Desde 2000, a doutrina estratégica do país fala em full spectrum dominance – “dominância em espectro pleno”. Que basicamente quer dizer ser enormemente superior em tudo: em forças de terra, ar, mar, em domínio psicológico, em guerra biológica e cibernética, e até no espaço sideral, com Trump tendo proposto a “Força Espacial” – um nome que parece saído de desenhos animados dos anos 1980, mas que pode acabar se tornando realidade.

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Soa como um plano de dominação mundial? O falecido dramaturgo britânico Harold Pinter foi um dos que entenderam exatamente isso. Em seu discurso de aceitação do Nobel de literatura, em 2005, ele mencionou explicitamente a dominância em espectro pleno, dizendo que “os Estados Unidos agora são totalmente francos em colocar suas cartas sobre a mesa”.

Outro conceito fundamental da doutrina militar americana, mantido desde os anos 1980, é o win-hold-win (“vença-aguente-vença”, a capacidade de lutar duas guerras simultâneas, vencer uma primeiro, e depois dedicar-se à segunda.

De sua fundação até hoje, os EUA estiveram envolvidos em guerras por 226 de seus 243 anos.

Essa postura imperial é um pouco irônica de um país que, em sua fundação, sequer acreditava na necessidade de uma força militar. A famosa – ou famigerada, dependendo de que lado você está no debate sobre as armas – Segunda Emenda da Constituição afirma: “uma milícia bem regulada sendo necessária para a segurança de um Estado livre, o direito das pessoas de manter e portar armas não será infringido”. As milícias seriam forças civis estaduais, fazendo o papel de um exército – o Exército Continental, principal força na Revolução Americana, fora dispensado quase inteiramente em 1783. Quando a Segunda Emenda foi ratificada, em 15 de dezembro de 1791, já era obsoleta. A tentativa de usar milícias estaduais havia se provado um fracasso menos de um mês antes, quando o General St. Clair sofrera uma catastrófica derrota contra os indígenas na Batalha de Wabash, em 4 de novembro. Isso mudou a opinião e, em junho de 1792, o Exército seria recriado, como Legião dos Estados Unidos, ganhando o nome oficial de Exército em 1794.

De sua fundação até hoje, os EUA estariam envolvidos em guerras por 226 de seus 243 anos. O último ano de paz foi 2000. Os EUA têm cerca de 800 bases em 80 países, sem contar forças pequenas em embaixadas.

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Guerra à americana

Parece coisa de videogame. Durante a Segunda Batalha de Fallujah, em 10 de novembro de 2004, o sargento David G. Bellavia percebeu que seu grupo de combate estava preso numa casa sob fogo inimigo. Largou então seu fuzil M-16, tomou em mãos uma metralhadora leve M249 e deu cobertura para que seu grupo escapasse. Ao sair do bloco, percebeu que o veículo de combate de infantaria M2 Bradley que servia a seu grupo não seria capaz de vencer os insurgentes. Então pegou de novo seu M-16, entrou na casa sozinho, e foi matando um por um, até chegar ao telhado. Pela ação digna de Rambo, ele se tornou, em junho de 2019, a única pessoa a sobreviver à Guerra do Iraque condecorada com a Medalha de Honra, a mais importante comenda militar dos EUA.

Ainda que os filmes gostem de ressaltar histórias como essa, o Exército dos Estados Unidos da América não é formado por heróicos individualistas. É uma força massiva – a terceira maior do mundo em número de soldados, que são ajudados por uma grande vantagem tecnológica. É composta por dez divisões, além de diversos ramos menores independentes. O maior centro de comando é o FORSCOM – United States Army Forces Command, em Fort Bragg, Virginia.

As divisões são organizadas em brigade combat teams (BCT, “grupos de combate de brigada”), com cerca de 4 mil soldados de infantaria mais unidades de suporte e tanques. Os BCTs vêm em três tipos: infantaria, stryker e blindado. Todos contam com artilharia e suporte, como engenheiros e médicos. Um BCT de infantaria é o tipo mais rápido e básico, que se move em veículos com pouca proteção – os Humvees. Também conta com uma força de helicópteros e é capaz de invasão por paraquedas.

BCTs de blindados são, obviamente, forças focadas em veículos. O grosso aqui são os tanques M1A1 Abrams e o poderoso veículo de combate de infantaria M2 Bradley. E strykers são os BCTs formados em torno das diversas variações do transporte médio Stryker. A diferença principal de um Stryker para um Bradley é que usa rodas, não lagartas, então é bem mais ágil. Essa é uma tropa “média”, entre o BCT de infantaria e o blindado.

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Blindagem composta com trama de urânio esgotado – material que emite pouca ou nenhuma radiação, e tem a vantagem de ser ainda mais denso que o chumbo. Canhão de 120 mm, capaz de atingir alvos a 4 km – tão potente que dispensa explosivos, destrói tanques inimigos com a pura força cinética. Três metralhadoras, uma .50 e duas M240, com mais de 10 mil cartuchos na reserva. Um motor a turbina para alcançar respeitáveis (para um tanque de 72 toneladas) 67 km/h na estrada. Você se sentiria invencível. E estaria errado. Tanques nunca foram ideais para o combate urbano. Ataques podem vir de qualquer direção, inclusive de cima e por trás – o que é péssimo: como são feitos para enfrentar outros tanques, a proteção se concentra na frente. 530 Abrams foram incapacitados ou destruídos na Guerra do Iraque. O Exército dos EUA teve que adaptar seus Abrams com um Kit de Sobrevivência Urbana. Isso inclui blindagem reativa – uma placa que explode na direção contrária, neutralizando o impacto de projéteis inimigos. Mais proteção na traseira, trocar a metralhadora principal por uma controlada de dentro, e incluir uma proteção transparente (para mirar através dela) nas outras. Metralhadoras são as principais armas contra gente a pé. (Chung Sung-Jun/Getty Images)

Em 2018, em meio a um downsizing por conta da redução de orçamento e conflito, vários BCTs começaram a ser transformados em maneuver battalion task forces (“força-tarefa de manobras em batalhão”), que têm cerca de ¼ do tamanho de um BCT. A mudança não deve atingir a todos os batalhões e o resultado fica a se ver.

Explicado o Exército, não é possível falar dos EUA em combate sem mencionar sua especialidade desde a Segunda Guerra: o ataque pelo ar. Vamos a mais uma história.

Era o começo da noite de 13 de abril de 2017 quando os terroristas do Estado Islâmico se dedicavam ao que quer que seja que terroristas fazem depois do jantar. Instalados no complexo de túneis que cavaram na província de Nangarhar, Afeganistão, haviam sofrido dezenas de ataques de drones de bombardeiros americanos, nos dias anteriores, sem qualquer resultado. Então morreram.

Uma onda de pressão capaz de arrancar a pele e liquefazer os órgãos atingiu-os no fundo de suas cavernas – isso quem morreu rápido, não soterrado ou queimado. No dia da explosão, foram reportados 36 mortos. Conforme forças americanas e afegãs inspecionavam os túneis, corpo após corpo tirado, o número chegou a 96, incluindo quatro comandantes. Civis afegãos, que viram a explosão e sentiram o tremor e casas rachadas a quilômetros dali, destruindo as janelas de suas casas, falaram em “ver o céu cair”.

Foi o primeiro uso da maior bomba convencional da história – a MOAB, Massive Ordnance Air Blast (“Explosão aérea massiva de material”, carinhosamente apelidada de Mother Of All Bombs, “a mãe de todas as bombas”).

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Desde a Guerra do Iraque, o icônico perfil do Reaper (geralmente confundido com seu antecessor visualmente idêntico, mas muito menos potente, o Predator) tornou-se sinônimo de “drone militar” na imaginação popular. E, desde 2011, a Força Aérea dos EUA tem treinado mais “pilotos” de Reapers que de qualquer outro tipo de aeronave. O drone operou milhares de operações, inclusive de puro e cru assassinato pela CIA, disparando seus mísseis contra casas de supostos terroristas. E o drone, que em breve deve entrar em sua terceira versão, demonstra a razão por que, ainda assim, os EUA desenvolveram o F-35, o avião mais caro da história: ele absolutamente não pode ser operado como um caça. É um veículo a hélice, com um terço da velocidade de um F-35. Mesmo se drones fossem supersônicos – e já existem pesquisas nesse sentido –, as câmeras oferecem visão limitada a seus operadores e, muito pior, com atraso. O famoso lag conhecido pelos gamers. Operadores de drones baseados nos EUA recebem informações com segundos de atraso e a máquina leva os mesmos segundos para responder. Um drone, assim, é perfeito para ataques sem risco em situações desiguais, mas não em combate direto, frente a frente com o inimigo. Por isso, a aposta para o futuro da aeronáutica está mais para drones controlados de aviões que uma força totalmente remota. (Erik Simonsen/Getty Images)

Como manobra diplomática, não parece ter ido muito bem. O ex-presidente afegão, Hamid Karzai, afirmou que “isso não é a Guerra ao Terror, mas o inumano e extremamente brutal abuso de nosso país como campo de testes de novas e perigosas armas”. E o Taleban, vejam só, acusou os EUA de terrorismo.

Por certa definição, é mesmo. A proposta da MOAB é também causar pânico. A Força Aérea pode ter pouco contato com o inimigo – só se algo dá errado e um piloto termina capturado –, mas é a menos sutil de todas as armas. Sua função é ser o choque na doutrina do choque e pavor. Algo que tem precedente nas legiões romanas e teve seu maior exemplo em Hiroshima e Nagasaki, mas só entrou oficialmente nos manuais americanos em 1996: quebrar o moral inimigo antes que possa expressar reação.

A Força Aérea dos EUA, com 321 mil efetivos, é de longe a maior e mais avançada do mundo. Seus três bombardeiros principais – o supersônico B1, a “invisível” asa voadora B2 e o jurássico B-52 – são capazes de partir de casa, atacar em qualquer ponto do mundo e voltar numa só pernada. Isso é possível pelas bases espalhadas pela Europa (Reino Unido e Alemanha) e Ásia (Japão e Coreia do Sul), das quais partem cargueiros para suprir combustível no ar.

Cães do Diabo

Vamos à Marinha. Está ficando entediante dizer que é “a maior e mais avançada do mundo”. Mas, no caso da Marinha americana, dá para adicionar: quão maior? Maior que as 13 posições seguintes somadas – das quais 11, aliás, são de aliados.

Essa força não encontra oposição nos conflitos atuais. Então a Marinha funciona como uma segunda Força Aérea, disparando mísseis e mandando aeronaves contra posições inimigas. Literalmente, aliás: a Marinha dos EUA é a segunda maior força aérea do mundo, com 3.700 aviões, em 11 porta-aviões (o maior deles, o Gerald Ford, está em testes e não é considerado totalmente na ativa). Cruzadores, que atuam principalmente por mísseis. Submarinos são de dois tipos: ataque, contra submarinos e navios inimigos, e mísseis, convencionais e nucleares, contra alvos em solo. Por fim, destróieres e fragatas servem para defender o real poder de fogo nos outros navios.

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“O F-35 deve ser, e quase certamente será, o último caça de ataque tripulado que o Departamento da Marinha irá comprar ou pilotar”, afirmou o secretário da Marinha Ray Mabus em 2015, referindo-se aos drones substituindo os caças pilotados por humanos num futuro visível. Isso não é consenso. Se for o último, deve ir longe. Como prova o B-52, no ar há 64 anos, aviões são como carros cubanos: com a manutenção correta, continuam fazendo seu trabalho décadas após construídos. E o F-35, programado para durar até 2070, explica por que costuma ser assim: foi o projeto de aviação mais caro da história, superando US$ 400 bilhões – e com um custo estimado de operação, no futuro, de US$ 1,5 trilhão – 75% do PIB anual do Brasil, 7% dos States. É tanta grana que o projeto, custando mais que o dobro do previsto, por várias vezes quase foi tesourado pelo Congresso, e só terminou porque já tinham investido demais para desistir. O projeto se propôs a substituir todos os caças dos EUA, e foi praguejado por problemas, incluindo um motor explodindo já na fase de treinamento, em 2014, e tendo que ser modificado pelo fabricante. No ano seguinte, finalmente era introduzido o caça furtivo (stealth), difícil de ser detectado por radar, capaz de decolar e pousar na vertical. As informações são passadas no capacete do piloto, com o visor atuando como tela – cada capacete custa US$ 400 mil. O F-35 foi usado pela primeira vez por Israel, em 22 de maio de 2018, depois em dois ataques contra o Talibã e o Estado Islâmico. Por ora, está indo bem. (U.S. Navy/Getty Images)

Mas uma das funções mais importantes da Marinha é atuar como base para uma quarta força. Nos EUA, os Marines são um quarto braço militar, uma força à parte, com uma cadeia de comando própria e um efetivo, com 186 mil combatentes, menor que o das demais, mas quase do tamanho de todo o Exército brasileiro.

É uma força originalmente criada para ataques anfíbios, mas que vai muito além disso hoje. Na prática, o Exército também faz ataques anfíbios, e os Marines também atuam muito longe da água: ou não faria sentido terem se envolvido no Afeganistão. Os marines, porém, estão quase sempre entre os primeiros a chegar, com suas forças tendo a capacidade de se mobilizar contra qualquer lugar do mundo em questão de dias.

Na maior parte dos países, o mais próximo dos marines são os fuzileiros navais, uma parte geralmente ligada à Marinha e com números, equipamento e escopo bem mais modestos que os dos marines. De fato, a tradução mais comum para os marines é Corpo dos Fuzileiros Navais dos EUA.

Mas ao se traduzir assim se perde algo de sua mística, a de uma força única no mundo. Em sua história, eles fizeram por merecer o apelido de Devil Dogs, tradução do alemão Teufel Hunden, como foram chamados na Primeira Guerra, em contraste ao Exército regular dos EUA.

EXOESQUELETOS – A força física não é inútil num soldado moderno. Uma limitação para o que ele pode fazer é o quanto de peso – munição, equipamentos e mantimentos – pode carregar. Os armamentos são limitados ao que um humano pode aguentar. E trabalhos como armar aviões com bombas e mísseis também exigem muque. Um exoesqueleto é um robô de vestir, replicando os membros humanos com força robótica. As Forças Armadas dos EUA e a Nasa vêm testando vários modelos, para usar na base em combate.

LASERS — Sim, eles têm lasers. Já funcionam: o AN/SEQ-3, instalado primeiro no navio de transporte USS Ponce e depois movido para o USS Portland, com mais encomendados para 2022, é um sistema capaz de derrubar drones, mísseis de cruzeiro e paralisar pequenos barcos destruindo seus motores. Projetos de lasers letais, capazes de exterminar veículos e soldados inimigos, estacionaram na fase de testes. Isso porque, não deixe a ficção científica te enganar, o laser é, em geral, uma arma problemática. Uma mera cortina de fumaça, absorvendo parte da luz, o torna ineficiente. Mas essa não é uma opção em pleno ar. Como funciona à velocidade da luz, é ideal para tirar mísseis supersônicos do ar.

ARMAS MAGNÉTICAS – Uma coisa que um navio movido a gerador nuclear produz de sobra: energia elétrica. Uma que não tem: espaço, ocupado por munições, milhares de toneladas de explosivos que tornam navios de guerra passíveis de serem destruídos com um só ataque. Do lado ofensivo, mísseis, a principal arma antinavio atual, estão se tornando obsoletos por medidas antimíssil, como metralhadoras computadorizadas e lasers. Solução: voltar aos tempos do canhão, com um projétil sem explosivo. Acelerado a até dez vezes a velocidade do som, o que o torna mais poderoso que explosivos químicos típicos. Canhões magnéticos já foram aprovados em laboratório. Espera-se que devam equipar navios na próxima década.

Mad Men

Dito o que havia a ser dito sobre como os Estados Unidos fazem guerra, vamos terminar dizendo como eles a evitam – o que, é consenso entre historiadores militares, impediu o país de precisar travar guerras contra outras potências tecnológicas nos últimos 74 anos. A doutrina da Mutual Assured Destruction (“Destruição Mútua Assegurada”) – MAD – manteve e mantém a paz com a garantia de que é impossível vencer uma guerra nuclear. Ambos os lados terminariam incinerados.

Para garantir a MAD, existe a tríade nuclear: a capacidade de entregar essa destruição por mísseis lançados por terra ou submarinos, e bombas de aviões. Os mísseis de terra são instalados em silos nucleares, bases subterrâneas mantidas em alerta constante. São a parte mais óbvia do arsenal. Os silos são equipados com mísseis LGM-30, que, cruzando o espaço a mais de 24 mil km/h, são capazes de sair de qualquer ponto dos EUA e atingir a Rússia ou a China em meia hora. Em sua ponta, uma ogiva única W87, com capacidade de 300 quilotons (kt; 20 vezes a bomba de Hiroshima), ou três W78, de 350 kt cada uma. Os EUA já tiveram mísseis bem mais potentes – o LGM-18 Peacekeeper, um projeto de 1986, 16 anos mais novo que o Minuteman III, podia levar até dez ogivas W87. Acordos com a Rússia levaram à sua aposentadoria.

A Aniquilação Mútua assegurada manteve a paz com a garantia de que é impossível vencer uma guerra nuclear.

As armas nucleares modernas são menos potentes que as antigas. No lugar disso, vêm em grupos. O conceito de MIRV (sigla em inglês para “Míssil de Reentrada Múltipla Independente Direcionada”) estreou em 1970, com o próprio Minuteman III carregando três ogivas menos potentes, as hoje aposentadas W68. A carga se divide no espaço, e cada projétil independente pode ter seu próprio alvo. Um único míssil, assim, pode atingir até 14 deles. Além da economia na criação e manutenção de silos nucleares, um MIRV torna difícil o uso de contramedidas – um escudo antimíssil. É preciso um número de antimísseis nucleares muito maior que o de mísseis lançados. Ou um que os abata antes de se dividirem, muito mais complexo.

A própria existência dos MIRVs explica por que existem submarinos nucleares e aviões. No caso de guerra, o primeiro alvo são os silos nucleares inimigos. Se cada míssil pode destruir dez deles, atacar primeiro se torna altamente atraente. Lá se vai a MAD.

Por que os Estados Unidos decidiram lançar o maior navio de guerra já visto pela humanidade em 2017? Resposta chata: custos. (E irônica, porque, a US$ 13 bilhões, também é o mais caro já feito.) Os porta-aviões da classe Gerald R. Ford foram projetados para durar incríveis 90 anos, e só virar sucata em 2105, usando de 25% menos tripulação e sendo capazes de lançar 25% mais ataques por dia (até 270) que os também gigantes da Classe Nimitz, criados num tempo em que a Guerra Fria tornava mais fácil justificar ao Congresso os gastos. Mas há também a resposta menos chata: os caças se tornaram pesados demais para sair com carga máxima de porta-aviões projetados nos anos 1970. Com sua catapulta magnética, os Gerald Ford põem no ar qualquer avião naval de hoje em dia. Também produzem mais eletricidade para uso interno – o que pode vir a calhar se sistemas de defesa por laser ou armas eletromagnéticas se tornarem comuns. Têm computadores de bordo mais modernos e fáceis de atualizar. Os gigantes do século 21 foram batizados em homenagem ao presidente que assumiu como vice de Richard Nixon em 1974 e perdeu as eleições em 1977, e é considerado pela Marinha um grande herói da Segunda Guerra. (U.S. Navy/Getty Images)

Assim surge a doutrina do Segundo Ataque. A de que um país consiga destruir o inimigo mesmo depois de atingido. Um submarino nuclear é difícil de detectar e pode permanecer meses sem voltar à terra. Com isso, eles se mantêm em posições desconhecidas nos oceanos. Mesmo se o inimigo conseguisse destruir todos os silos e todas as bases aéreas, ainda assim receberia sua resposta pelo mar. No caso dos EUA, por 18 submarinos da Classe Ohio, capazes de carregar 24 mísseis Trident I e II cada, que por sua vez levam até 8 ogivas W76 (100 kt) ou W88 (475 kt).

Os aviões – principalmente a asa voadora furtiva B2 e os antigões B-52 – também cumprem a função de segundo ataque. E têm outra vantagem: um avião com armas nucleares não pode ser diferenciado de um sem. Não carrega uma mensagem óbvia, como um míssil cruzando o espaço, facilmente detectável. Eles também são mais flexíveis em tipos de munição, incluindo a mais potente arma nuclear dos EUA, a bomba B83, com 1,2 megaton (mt), equivalente a 80 bombas de Hiroshima.

A manutenção da MAD é um assunto extremamente tenso. Acordos da época da União Soviética foram rasgados. O desenvolvimento de escudos antimísseis pelos EUA também tem recebido críticas da Rússia, porque podem dar aos americanos o poder de atacar sem retaliação. Particularmente quando os EUA ameaçam instalá-los na Europa, o que permite atacar a Rússia sem tempo de reação. Ironicamente, a manutenção da paz deixa o mundo à beira da guerra.

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