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O poder também abre portas para o delito

Nos crimes do colarinho branco, o domínio econômico ou político protege os fora-da-lei, diz criminologista americano.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 31 mar 2002, 22h00

Os crimes do colarinho branco, como fraude e sonegação fiscal, dão um prejuízo à sociedade 12 a 14 vezes maior que do que os crimes de rua (roubos e furtos), segundo pesquisas americanas. Mas são pouco estudados, como explica nesta entrevista o sociólogo e criminologista Robert J. Sampson, da Universidade de Chicago.

Premiado no ano passado pela Sociedade Americana de Criminologia por sua contribuição à teoria criminológica, Sampson acredita que a escassez de dados sobre os crimes do colarinho branco deve-se, em parte, à dificuldade de descobrir, processar e condenar esses criminosos. Mas falta também às autoridades interesse para desvendar esse tipo de crime, muito comum entre quem tem poder e acesso aos caminhos da fraude. O poder está diretamente ligado ao crime, diz.

Por que as pessoas cometem crimes?

Crime é parte normal da vida social. Na verdade, o que nós temos que entender é por que as pessoas não cometem crimes todo o tempo, e a resposta é que as pessoas se socializam, se ligam às normas de uma cultura, se atrelam a instituições e aos outros. É o que se chama teoria do controle social: quem tem menor controle social acaba cometendo crimes. Há duas concepções de controle social. A primeira é a informal. As pessoas se preocupam com o que a sociedade, em geral, pensa delas. Entram aí vergonha, preocupação com sua reputação. Essas pessoas se afastam do crime não porque têm medo de serem presas, mas por causa das conseqüências sociais em relação a seus amigos, empregadores, familiares.

Como se mede isso?

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Perguntamos às pessoas o quanto elas se preocupam com a opinião dos outros, quanto tempo elas gastam conversando com seus pais. Quanto maior for a ligação entre essas pessoas e os vínculos sociais importantes – o mercado de trabalho ou o casamento –, maior o controle social sobre elas.

Qual é o outro tipo de controle social?

O outro é o controle social formal, legal. E há dois fatores que influem aí. O primeiro é o funcionamento do sistema legal, a probabilidade de ser pego. Isso importa. Em outras palavras, a eficiência do sistema criminal importa. O outro fator, e eu acho que isso tem importância no caso brasileiro, é a legitimidade que as pessoas percebem no sistema legal. Ou seja, a percepção da população sobre o sistema – se ele não é corrupto, se é justo – é incrivelmente importante. Você pode ter um sistema legal muito rigoroso, que tenha execuções, mas, se for implantado por um governo considerado ilegítimo, as pessoas pensarão que essas leis não são aplicáveis a elas, e haverá muito desrespeito às normas, isto é, crime – apesar das sanções severas.

E o que acontece quando faltam os dois controles?

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Em geral, ocorre uma explosão de criminalidade. Não há nada que impeça as pessoas de cometer crimes. O que ocorre é que os cidadãos ficam com uma sensação de “Por que não cometer um crime?”. E quanto mais pessoas infringem a lei, mais pessoas se sentem injustiçadas por estar seguindo as regras.

No Brasil o sistema legal é visto como injusto, corrupto e tendencioso. Como vencer essa situação?

Isso tem que começar pelo alto, pelo governo. Fazer valer a lei para todos deve ser a prioridade, para que ela seja percebida como “justa” e “legítima”. Uma boa maneira de começar isso é por meio de declarações de líderes de que é importante respeitar a lei. Mas isso pode não adiantar muito, se você tiver muita injustiça social. Em uma sociedade com alto grau de desigualdade socioeconômica, é difícil para um indivíduo desfavorecido enxergar justiça e legitimidade, a ponto de ele decidir respeitar as regras. E eu acredito que no Brasil isso acontece bastante. Os cidadãos vêem o sistema formal com um certo cinismo, e isso não favorece o respeito à lei. As sociedades européias funcionam melhor nesse aspecto: o bem-estar das pessoas é grande, o que faz aumentar seu compromisso com a sociedade.

Qual a causa dos crimes do colarinho branco?

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Não há muita informação sobre crimes do colarinho branco, como há sobre crimes de rua. Parte disso é pela complexidade de muitas dessas fraudes financeiras. Porque o crime do colarinho branco é mais complexo, em termos de sua organização, mais difícil de processar. A maioria dos governos não tem dados a respeito dele. E também porque os autores desse tipo de crime estão no poder. Assim, não é possível estudá-lo tão bem quanto os crimes de rua. Há mais especulação. Mas, isso dito, eu afirmaria que os fatores gerais podem explicar também os crimes do colarinho branco. A falta de regulação, a ambição e a motivação financeira existem mesmo entre as pessoas que têm muito dinheiro. Não há um limite natural para o ser humano. As pessoas podem ter dinheiro e ser invejosas, querer ainda mais.

Mas não é mais propenso ao crime quem está à margem da sociedade?

O poder, paradoxalmente, está ligado ao crime nas duas pontas. As pessoas que estão à margem da sociedade, sem poder nenhum, não têm nada a perder e não são alcançadas pelo controle social. Do outro lado, os que estão no topo, que quase não têm regulação, também estão livres do controle. Isso precisa ser estudado, mas não há dados disponíveis, em grande parte porque esse conhecimento não é do interesse de quem está em altas posições no governo. A história é conhecida: a motivação principal de quem chega ao poder parece ser reter seu status. Eles são o controle social.

Penas mais duras reduzem o crime do colarinho branco?

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Não. A certeza da punição é o que reduz a criminalidade. Os Estados Unidos têm penas muito duras, como execução e prisão perpétua, mas a probabilidade de você ser condenado é mínima. Nesse caso, não adianta nada ter penas duras. O que importa, portanto, é: 1) aumentar a probabilidade de ser pego; 2) uma mudança cultural que crie uma situação em que cometer crime seja vergonhoso, e não motivo de orgulho.

Há causas diferentes para os crimes contra o patrimônio e os delitos contra a vida?

Sim. Os crimes contra o patrimônio são mais guiados pela oportunidade. Então, quanto mais carros, quanto mais dinheiro, mais coisas há para roubar, e crescem os crimes contra o patrimônio. Os crimes violentos tendem a ser mais concentrados em áreas específicas. A violência é uma coisa associada à juventude e à presença de pessoas do sexo masculino. Nos crimes contra o patrimônio, há participação de pessoas mais velhas, especialmente quando eles são mais organizados. Mas, genericamente, onde há um há o outro. A maioria dos criminosos não se especializa em uma infração.

No Brasil há uma lei informal, a Lei de Gérson, que diz: é correto levar vantagem em tudo. Qual o efeito disso?

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É interessante, porque uma das perguntas que se faz em pesquisas para medir o cinismo da sociedade é: “É normal levar vantagem sobre os outros?” ou “Você acha que estão levando vantagem sobre você?”. Quanto mais positiva for a resposta a essas perguntas, maior é o cinismo da população em relação à lei e mais provável que cometam crime. Quando uma cultura incentiva esse pensamento, isso faz as pessoas pensarem que, se elas não levarem alguma vantagem, ficarão para trás. E então cada vez mais gente viola a lei.

Frases

As pessoas se preocupam com o que a sociedade pensa delas e se afastam do crime não por medo de serem presas, mas pelo que os amigos, familiares e empregadores podem pensar delas se forem flagradas

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