Os caçadores de ETs
Afinal, estamos sós ou acompanhados? A pergunta é quase tão antiga quanto a humanidade. Agora a ciência está procurando uma resposta. É o Projeto SETI, que rastreia o Cosmo em busca de sinais de vida inteligente.
Vanessa de Sá
Tão altos quanto um edifício de trinta andares, alguns deles lembram gigantescas tigelas de alumínio. Funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana. Com suas antenas parabólicas voltadas para o céu, os radiotelescópios são a peça essencial da busca da vida fora da Terra.
Há mais de trinta anos, uma confraria muito especial de astrônomos rastreia minuciosamente o Cosmo, na expectativa de encontrar uma mensagem, um ruído que seja – qualquer coisa que prove a existência de outros seres inteligentes além de nós. São os cientistas engajados no Projeto SETI (Search for Extraterrestrial Inteligence), que mobiliza 450 pesquisadores, em mais de trinta países.
Nada menos que 134 sinais, que podem ter sido emitidos por algum tipo de inteligência fora do nosso planeta, já foram captados. Um deles era tão convincente que o operador, eufórico, anotou na folha do computador a expressão “uau!”. Como esses sinais não se repetiram, continuamos sem uma prova de que eles vieram de uma civilização extraterrestre.
O jeito é continuar vasculhando o espaço, com nossos orelhões gigantes. Será que, em toda a vastidão do Universo, entre bilhões de galáxias, nós somos as únicas criaturas dotadas de raciocínio? Toda vez que deparam com essa pergunta, os cientistas do SETI dão a mesma resposta: se não tentarmos, nunca saberemos.
Um mutirão em busca dos extraterrestes
A idéia de que não estamos sozinhos no Cosmo acompanha a história da humanidade. No século 400 a.C., o filósofo grego Metrodorus de Chios observou que “a suposição de que há apenas um mundo vivo no Universo é tão antinatural quanto a existência de um único talo de trigo num vasto campo”. O holandês Christian Huygens, um dos precursores da moderna Astronomia, comentou, num livro de 1690: “Deus não iria preencher o Universo inteiro com planetas desprovidos de criaturas vivas e capazes de adorar com fervor o seu Arquiteto Divino”.
O primeiro a propor o envio de uma mensagem às civilizações extraterrestres foi o matemático alemão Carl Friedrich Gauss (1777-1855). Ele sugeriu que se plantasse, na Sibéria, um enorme campo de trigo, com o formato de um triângulo retângulo, que pudesse ser visto do espaço. Pinheiros enfileirados completariam a figura de um quadrado, para mostrar que na Terra há seres evoluídos que conhecem o Teorema de Pitágoras. A idéia ficou no papel.
A ciência se interessou pela busca de inteligência em outros planetas em 1959. Naquele ano, os pesquisadores Philip Morrison e Giuseppe Cocconi afirmaram que os sinais de rádio seriam o meio mais lógico de comunicação entre civilizações desenvolvidas. As ondas de rádio, argumentaram, viajam à velocidade da luz, estão disponíveis no Universo inteiro e não são distorcidas pela atmosfera dos planetas.
No ano seguinte, 1960, o astrônomo americano Frank Drake começou a esquadrinhar o céu em um radiotelescópio no Observatório Astronômico de West Virginia (leia entrevista na pág. 14) Era o início do Projeto SETI. O que os caçadores de ETs procuram, exatamente, não são os homenzinhos verdes, mas os sinais de sua tecnologia.
Ligação a cobrar
Atualmente quatro radiotelescópios espalhados pelo mundo trabalham 24 horas por dia na busca dos ruídos espaciais. A capacidade deles também aumentou muito. O computador Beta (Billion-channel Extraterrestrial Assay), da Universidade de Harvard, é capaz de fazer cerca de 40 bilhões de cálculos matemáticos por segundo e acompanhar 2 bilhões de canais de uma só vez. O equipamento pode identificar sinais dos ETs em qualquer ponto da galáxia.
O maior obstáculo do SETI é a falta de dinheiro. O projeto teve seus recursos cortados pelo Congresso americano em 1993, um ano depois de inaugurado. O deputado Ron Matchley fulminou o projeto com uma pergunta que entrou para a História como um símbolo da estupidez humana: “Se os extraterrestres são mesmo inteligentes”, ironizou Matchley, “por que vocês não fazem uma ligação a cobrar?”
Uma agulha no palheiro das galáxias
Vasculhar a Via Láctea em busca de uma mensagem de outro planeta é como procurar uma agulha num palheiro infinito. Acredita-se que um telefonema dos extraterrestres deverá vir codificado na forma de sinais de rádio. O problema é que existem centenas de milhares de freqüências de ondas de rádio. Em qual palheiro se deve procurar?
Em primeiro lugar, é preciso eliminar os palheiros indesejáveis, aqueles que apresentam excesso de ruídos. Do contrário, seria algo como querer escutar música numa freqüência onde existem dez emissoras transmitindo ao mesmo tempo. Os radiotelescópios são, assim, sintonizados em uma faixa de comprimento de onda silenciosa, entre 1 000 e 10 000 megahertz. Nessa faixa as emissões de origem cósmica, como as que vêm das estrelas, dos quasares e dos pulsares, são bem mais fracas. Quanto mais silenciosa a freqüência, menor o risco de o radiotelescópio se deixar confundir.
Ainda assim, sobram algumas centenas de palheiros. Os cientistas do Projeto SETI optaram por uma faixa relativamente estreita, entre 1 420 megahertz e 1 720 megahertz, para focalizar suas buscas. O primeiro número é o comprimento de onda emitido pela molécula do hidrogênio. O segundo, do radical hidroxila (OH), o mesmo que, em condições apropriadas, une-se ao hidrogênio para formar a água. Não é por acaso que essa freqüência foi denominada “buraco de água”.
Qualquer civilização que tenha desenvolvido a tecnologia de emissão de ondas de rádio, acreditam os cientistas, também terá descoberto que a melhor forma de enviá-las para o espaço é pela freqüência silenciosa entre 1 000 e 10 000 megahertz. Apostou-se no tamanho de onda do hidrogênio por ser este o elemento mais comum no Universo. Já a escolha da hidroxila se baseia na idéia de que os ETs também consideram a água como base da evolução e da existência de vida. “A freqüência do hidrogênio é uma freqüência mágica”, explica, em entrevista à SUPER, o diretor-executivo da Liga SETI, Paul Shuch. “Uma freqüência recebe este nome quando a probabilidade de encontrar civilizações tecnologicamente avançadas é maior do que seria se sintonizássemos nossos radiotelescópios ao acaso.”
Vários cientistas refutam essa idéia, por considerarem que os ETs não têm a menor obrigação de aplicar uma lógica humana nas suas emissões de sinais pela Galáxia. Shuch admite que a escolha do “buraco de água” é apenas um palpite dentre os milhões de canais disponíveis. “Não há freqüências erradas”, diz. Mas alguma escolha tinha de ser feita, como ponto de partida para a grande procura. O importante é que os ETs façam a ligação e que nós sejamos capazes de recebê-la. Mesmo que seja a cobrar.
Mensagem na garrafa
Uma viagem ao infinito com imagens e sons da Terra.
Quatro pequenas espaçonaves avançam neste momento pela imensidão do Cosmo. O Sol, para elas, é apenas uma estrelinha alaranjada, que não emite mais nenhum calor. Essas naves são sondas espaciais que já cumpriram sua missão no Sistema Solar e agora, vagam pela Via Láctea com mensagens para possíveis habitantes de outros planetas.
As sondas mais distantes são as Pioneer 10 e 11, que estão viajando desde 1972. Elas carregam placas de ouro com figuras gravadas: a imagem de um homem e uma mulher, a silhueta da nave, o desenho de duas moléculas indicando o hidrogênio e um diagrama do Sistema Solar, com a posição da Terra assinalada.
Lançadas cinco anos mais tarde, as naves Voyager 1 e 2 carregam, cada uma, um disco de ouro com os sons da Terra. Se alguma civilização extraterrestre encontrar esse disco (e conseguir reproduzi-lo), ouvirá o barulho de um beijo, o som das baleias, um discurso do secretário-geral das Nações Unidas, Kurt Waldheim, os acordes da Nona Sinfonia de Beethoven e os Rolling Stones cantando Satisfaction, além de saudações em 60 línguas.
Quando a Terra deixar de existir, daqui a bilhões de anos, as Pioneer e Voyager ainda estarão flutuando no espaço, como garrafas lançadas ao mar por algum náufrago desesperado numa ilha perdida.
Wow! Alguém está chamando
O dia em que os ETs telefonaram.
No dia 15 de agosto de 1977, um sinal misterioso chamou a atenção do radioastrônomo Jerry Ehman, da Universidade do Estado de Ohio. Ele estava analisando os dados do computador plugado ao radiotelescópio que buscava sinais de extraterrestres em microondas vindas do espaço. Ao observar a folha cheia de números, deparou-se com uma seqüência lógica de letras. Uma mensagem dos ETs? Ehman estava eufórico. O sinal tinha características de um chamado ET: a freqüência estava próxima da emitida pelo hidrogênio, 1 420 megahertz – faixa de onda em que todas as transmissões de rádio são proibidas por acordos internacionais. Ao lado, numa folha de computador, ele escreveu a palavra “WOW!” (uau!) em letras garrafais – e saiu em busca da confirmação. Nada. Nenhum outro satélite teve tempo suficiente para confirmar a fonte do sinal. Esperou-se que o chamado se repetisse. Em vão. Ainda não seria desta vez que se comprovaria a existência de outra civilização inteligente.
Etiqueta cósmica
Os integrantes do Instituto SETI assinaram uma declaração de princípios sobre como se deve agir ao primeiro contato com uma civilização de outro planeta. A seguir, os principais trechos da declaração:
1. Qualquer indivíduo ou governo que detecte o sinal de uma inteligência extraterrestre deve certificar-se de que se trata de um sinal alienígena antes de anunciar a descoberta.
2. Antes de anunciar ao público a evidência de que inteligência ET foi detectada, o descobridor deve informar imediatamente outros observadores e organizações de pesquisa, bem como os governos nacionais, para que a procedência do sinal possa ser confirmada.
3. A detecção confirmada de inteligência extraterrestre deve ser disseminada imediatamente a todos os canais científicos e órgãos de imprensa, para que seja comunicada a toda a humanidade.
4. Apenas se enviará um sinal de resposta à inteligência ET após estudo minucioso de sua mensagem.
Emoções baratas
O custo de se procurar ETs é insignificante, comparado ao que se gasta em armamentos (confira os preços no quadro abaixo). Diante de decisões como o corte das verbas para o Projeto SETI, é até possível se perguntar: existe mesmo vida inteligente na Terra?
Se quatro mísseis Patriot tivessem deixado de ser disparados na Guerra do Golfo, dois radiotelescópios poderiam continuar rastreando o espaço por um ano inteiro com todas as despesas pagas.
Apenas um helicóptero de combate Black Hawk custa mais do que os 10 milhões de dólares do orçamento anual do Projeto SETI, que o Congresso dos Estados Unidos vetou em 1993, por achá-lo caro demais.
Com o que se gasta para fabricar um bombardeiro B-2 daria para se construir 260 radiostelescópios, capazes de vasculhar na imensidão do Cosmo milhares de freqüências por segundo.