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Pompéia eletrônica

A partir de ruínas, programas de computação reconstituem, rua por rua, casa por casa, a antiga cidade sepultada pelo Vesúvio.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h35 - Publicado em 30 set 1990, 22h00

O turista passeia pelas ruas luminosas da cidade italiana de Pompéia, 24 quilômetros ao sul de Nápoles. Quase sempre, encontra jardins bem cuidados, decorados com chafarizes. De repente, uma casa chama-lhe a atenção por suas colunas imponentes ou pelos afrescos multicoloridos. O desejo de entrar é irresistível e, sem hesitar, o viajante começa a perambular pelos cômodos repletos de utensílios antigos bem conservados e peças de inestimável valor artístico. Até há três meses, uma situação como essa só poderia acontecer na fantasia de um forasteiro imaginoso: afinal, ali só existem as ruínas da cidade destruída no dia 24 de agosto de 79 d.C. pela mais furiosa erupção do Vulcão Vesúvio. No entanto, o passeio foi real, ainda que se trate de uma realidade eletrônica.

De fato, vinte computadores interligados permitiram aos visitantes de uma recente exposição em Nova York conhecer a paisagem e a vida cotidiana do célebre lugar, antes da catástrofe. O evento, chamado Redescobrindo Pompéia, prova que, além de tudo que os homens já os mandam fazer, os computadores podem desempenhar o papel de túnel do tempo. Foi uma operação de truz. Durante dois anos, 22 técnicos em Informática e 120 arqueólogos trabalharam lado a lado no projeto Consortium Neapolis, patrocinado pelo Ministério da Cultura da Itália e por duas empresas – a Fiat e a IBM, que desenvolveu os computadores.

“A Informática ajuda a contar a história de Pompéia ao público, que assim passa a valorizar mais esse patrimônio”, resumiu Ennio Presutti, presidente da IBM italiana, em entrevista a SUPERINTERESSANTE. “Ademais, todo o trabalho está agora à disposição dos arqueólogos”. Nunca havia se compilado um número tão grande de informações sobre Pompéia, onde as primeiras escavações ocorreram 1748. Os cientistas alimentaram a memória dos computadores com mais de 300 000 dados. O primeiro passo foi analisar toda a área queimada pelo Vesúvio, que depositou 5 metros de cinza não apenas sobre Pompéia, mas também na cidade vizinha, a aristocrática Herculano, exumada pelos arqueólogos em 1719.

Em seguida, desenhou-se o mais completo mapa de Pompéia, a partir de fotografias, desenhos, anotações de cientistas e, obviamente, estudos sobre o assunto. Com o mapa devidamente traçado na tela do computador, os técnicos passaram então a se concentrar nas habitações: onde na vida real existe apenas uma parede quebrada, a máquina faz aparecer na tela um edifício em perfeito estado, resultado de complexos cálculos matemáticos, capazes de deduzir qual seria o projeto de arquitetura original. “A Informática se transformou em grande aliada para se entender o passado”, reconhece o arqueólogo Norberto Luiz Guaranello da Universidade de São Paulo. Realmente, no mundo inteiro, cada dia mais arqueólogos trabalham em salas, repletas de computadores.

Para Guaranello, que há oito anos se dedica às escavações de Pompéia, nada melhor do que usar o computador para centralizar as descobertas dos cientistas. “O registro de qualquer observação feita em Pompéia, por mais simples que pareça, é fundamental”, nota o arqueólogo. “A cidade está desprotegida a céu aberto: algo que pode ser visto hoje talvez não seja encontrado na mesma situação no dia seguinte.” De qualquer modo, os visitantes da exposição nova-iorquina, ao atravessarem um longo corredor revestido de lava, lama e cinzas—simulando a camada que escondeu as ruínas por dezesseis séculos—, tinham a impressão de que o tempo parou nos primeiros anos da era cristã.

Na entrada, um computador programado por pesquisadores italianos do Grupo Nacional de Vulcanologia mostrava a evolução do Vesúvio, de hora em hora, nos dois dias que durou a tragédia. Em outro equipamento estava a planta da cidade, funcionando como uma espécie de guia: um simples toque em seu teclado era suficiente para localizar separadamente, por exemplo, as padarias, os palácios ou os templos. Ou, ainda, selecionar verdadeiras atrações conforme o estilo arquitetônico ou sua função. Conseguindo localizar os pontos de interesse no mapa, o visitante devia escolher por qual quarteirão gostaria de caminhar —na verdade, a decisão implicaria acionar computadores diferentes, um para cada região. Depois, bastava apontar na tela a rua desejada, um edifício e, até mesmo, no interior deste, um objeto qualquer.

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Assim, ao entrar no templo conhecido como Casa dos Ritos Mágicos, podia-se ver sob todos os ângulos, como se estivesse sendo manipulada à vontade, uma mão de bronze. O computador é capaz de se comportar como um bom cicerone, fornecendo informações extras: aquela mão, por exemplo, costumava ser usada em cultos típicos da Ásia Menor, cuja influência religiosa sobre os habitantes de Pompéia era notável. Da mesma maneira, o computador informa quais os alimentos preferidos pelos antigos romanos ao apresentar a imagem de um vasilhame ou de uma magnífica peça de bronze, sempre presente nas mesas dos banquetes para conservar o calor da comida.

Os cientistas reuniram 200 objetos, escavados recentemente; ao computador coube a tarefa de colar cacos, projetar os pedaços ausentes, pintar as áreas descascadas ou descoloridas pelo tempo. O trabalho se estendeu às pinturas e afrescos, o que pôde ser notado nas famosas termas estabianas, onde os antigos habitantes aproveitavam os momentos de lazer, e no chafariz decorado com mosaicos—foi, aliás, a primeira vez que se viu um dos chafarizes de Pompéia, que, por isso mesmo, mereceu um lugar de honra, na saída da exposição. Os computadores conseguiram mesmo tornar legíveis papiros carbonizados. Programados para detectar a menor diferença no tom de uma imagem, destacaram os riscos de tinta escondidos sob a cor do carvão.

Esse tipo de programa, na verdade tem como principal objetivo ajudar a tarefa dos restauradores. A equipe italiana reconstruiu, por exemplo, um quarto com paredes revestidas por afrescos. “Uma espécie de palheta eletrônica com 64 000 tonalidades permitiu que testássemos no vídeo diversos tons de pigmento para cobrir as partes destruídas e completar o desenho”, conta o arqueólogo Baldassare Conticelli, atual supervisor das ruínas de Pompéia. A restauração fica perfeita, pois o equipamento descobre qual era exatamente a tonalidade original. Isso, porém, não é o mais importante, lembra Conticelli: “Antes da Informática, os restauradores testavam os materiais diretamente em peças delicadas, que muitas vezes não suportavam as sessões de experimentação”.

Para saber mais:

A salvação da torre

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(SUPER número 8, ano 5)

Veneza vai virar mar?

(SUPER número 1, ano 9)

Expedições ao computador

A Informática e a Arqueologia ensaiaram os primeiros passos em sincronia ainda no final da década de 70, em centros de pesquisa europeus dedicados à Pré-História. Mas a idéia, na época, era usar o computador apenas como um tremendo arquivo, para guardar os relatos das expedições arqueológicas. Dez anos mais tarde, contudo, estava claro que nenhum cientista era capaz de relacionar dados, fazer cálculos e criar mapas tão depressa quanto a máquina. Os computadores, por exemplo, têm sido usados sistematicamente para orientar escavações na Garganta de Olduvai, no oeste da Tanzânia, África, onde foram achados restos dos mais antigos ancestrais da espécie humana.

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O grande salto, no entanto, foi o avanço dos chamados computadores gráficos, capazes de desenhar plantas de cidades desaparecidas como Pompéia e até de projetar a restauração de ruínas. Atualmente, o recurso é aproveitado por cientistas da Universidade de Paris que trabalham com ruínas de pirâmides em Saara, no Egito. Eles pretendem recuperar a Cidade dos Mortos dos antigos egípcios com a tecnologia de Informática criada para realizar modernos projetos de urbanização—uma aventura que nem mesmo o cineasta americano Steven Spielberg ousou imaginar para seu arqueólogo Indiana Jones.

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