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Réplica da Terra em Marte

Estatísticas sobre as dietas dos americanos segundo a revista Newsweek.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h35 - Publicado em 30 set 1992, 22h00

Os idealistas levantaram a bola. Agora os cientistas respondem: é possível alterar o planeta vermelho e torná-lo habitável. Não se sabe quanto tempo levará e o homem talvez nunca venha a respirar oxigênio marciano. Mas a perspectiva de implantar vida num mundo morto já não é mais um sonho.

É verdade: trata-se apenas de um exercício de horas vagas sem nenhum compromisso com a realidade. Mesmo porque não há dinheiro para pequenos ou grandes projetos. Apesar disso, a nova ciência da engenharia planetária está longe de ser uma simples brincadeira. Se houvesse alguma dúvida sobre isso, ela teria sido dissipada agora com o artigo de três craques publicado na revista inglesa Nature: o planetologista Chistopher McKay e os climatologistas Owen Toon e James Kasting. Toon resumiu sem modéstia a presente estatura dos esforços para reconstruir Marte. “Durante anos, muito do que foi escrito sobre o assunto era obscuro ou simples ficção científica. tentamos transformá-lo em algo sério. “Até onde isso corresponde à verdade foi motivo de uma grande reportagem assinada pelo jornalista Jeffrey Kluger, da revista americana Discover, que SUPERINTERESSANTE reproduz a seguir.

A idéia de “terraformar” o planeta Marte — transformá-lo em uma réplica da Terra — não é inteiramente nova. Ao longo dos últimos vinte anos, um poderoso time de escritores, entre os quais os celebrados Carl Sagan e James Lovelock, publicaram especulações sobre o que aconteceria se os ingredientes essenciais à vida, presentes em Marte, pudessem ser liberados e espalhados no meio ambiente marciano. A esse coro se reuniram as vozes de Christopher McKay e Owen Toon. do Centro de Pesquisas Ames, da NASA, e James Kasting, da Universidade do Estado da Pensilvânia. Os cientistas partem de um mundo inóspito, na melhor das hipóteses. Canais hidrográficos e outros traços na superfície sugerem que há 3,5 bilhões de anos Marte era quente, com água correndo sobre o chão e uma atmosfera relativamente densa.

Devido à maneira como os terrenos são estruturados, porém, uma parte da atmosfera provavelmente foi absorvida pelo solo e outra parte perdeu-se no espaço: a baixa gravidade marciana representa apenas 38% da terrestre e foi incapaz de reter o envelope de gases. A maior parte da água teria sido congelada no subsolo ou recuado para as calotas polares, o resto perdeu-se com o ar na forma de vapor. O planeta hoje em dia é essencialmente um árido e frígido deserto cor de ferrugem. A atmosfera é desanimadoramente tênue — sua espessura é 0,8% da terrestre — e se compõe de 95% de gás carbônico. As temperaturas médias marcianas atingem paralisantes 18 graus negativos, embora ao meio-dia subam para 75 graus positivos nas regiões equatoriais. O feito de dar vida a essa carcaça de mundo teria que ser realizado por meio de inúmeras etapas, e a primeira delas seria elevar sua temperatura.

“Logo de saída, Marte tem a desvantagem com relação à Terra de estar 1,52 vez mais longe do Sol. Isso significa que ele recebe somente 43% da luz que recebemos. Assim, mesmo em um mundo de atmosfera espessa, as coisas tendem a ficar incrivelmente frias”, diz Toon. No passado, os cientistas inventaram todo tipo de saídas para o dilema de aquecer Marte. Mas já existem os instrumentos mais eficientes e menos exóticos capazes de elevar a temperatura de um planeta: os gases causadores de efeito estufa. “Nossa atmosfera sempre pôde capturar boa parcela da enorme quantidade de energia emitida pelo Sol”, diz McKay. “Parcela ainda maior tem sido capturada pelo CO2 e pelo clorofluorcarbono (CFC) liberados pelas atividades humanas. Em Marte, o rarefeito gás carbônico retém apenas íntimas porções da luz do Sol. Por isso, a primeira coisa a fazer é aumentar a eficiência com que a atmosfera marciana absorve e acumula calor.

” Essa idéia foi um achado teórico e se pensa especificamente em usar os clorofluorcarbonos para elevar a temperatura de Marte, cujo solo parece ser rico em cloro, flúor, carbono, hidrogênio e outros elementos componentes dos CFCs. Desde que exista tecnologia para levar os químicos e seus equipamentos até Marte, aqueles gases poderiam ser manufaturados com bastante facilidade e então descarregados no céu marciano. “As estimativas mostram que não seria necessário mais do que a produção anual de CFCs terrestres — vários milhões de toneladas — para começar a esquentar as coisas em Marte”, diz Toon. “No primeiro ano, os gases adicionados à atmosfera poderiam, em tese, impulsionar a temperatura de menos 75 para menos 22 graus. É como passar da Antártida para o norte do Canadá no inverno.

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” Em teoria, é possível elevar a temperatura acima do ponto de congelamento e aumentar a pressão atmosférica até um nível próximo ao da Terra. Na prática, porém, não será tão fácil. Radiação ultravioleta do Sol tende a quebrar as moléculas de CFC em átomos e destruir todo o gás criado. Na Terra a quebra eventual das moléculas é ao mesmo tempo boa e ruim”, diz McKay. “Ruim porque o cloro liberado destrói a camada de ozônio; boa porque a quebra também impede o aumento do efeito estufa. Em Marte, precisaríamos desenhar moléculas que tivessem boa absorção na faixa da radiação infravermelho, mas também muito resistente ao ultravioleta. Mesmo assim, a produção de novos clorofluorcarbonos teria de ser contínua, para substituir aquilo que o Sol acaba destruindo.” Felizmente, os cientistas não precisam contar apenas com CFCs de encomenda: quando as temperaturas começarem a subir para a casa dos 20 graus positivos, o próprio planeta começará a liberar um outro gás estufa, o gás carbônico.

Além das reservas de CO2 existentes na atmosfera e nas calotas polares de inverno, também se poderia encontrá-lo no solo. Nos seus antigos tempos de calor, a atmosfera marciana era provavelmente densa em gás carbônico, e isso significa que o solo atual pode estar saturado com aquele material. Em experiências de laboratório, um tipo de solo de nome palagonite, vermelho como o de Marte e encontrado nos vulcões havaianos, absorve prontamente as moléculas de CO2, ligando-se frouxamente a elas. Constatou-se que a elevação gradual da temperatura faz o gás ferver e deixar o solo que o havia absorvido. Quanto mais sobe a temperatura, mais gás escapa.Uma vez no ar, o CO2, passaria a trabalhar com os CFCs e a elevar a temperatura mais acentuadamente. O ciclo continuaria até que a temperatura global ficasse um pouco acima do ponto de congelamento. A essa altura, graças ao vagaroso aquecimento, as reservas de água começariam a liberar vapor, ampliando o efeito estufa.

Então, se o CO2 do solo estiver perto da superfície, talvez o planeta se aqueça em um século — praticamente do dia para a noite, em termos planetários. Mas se estiver em camadas profundas, o prazo pode se dilatar para 100 000 anos. Seja como for, só depois desse estágio Marte poderia sustentar umas poucas e vigorosas espécies vegetais. E ainda haveria sérios obstáculos. Mesmo quando Marte já tiver gás carbônico para alimentar plantas, o solo pode não lhes fornecer bastante nitrogênio na forma de sais, também decisivos para o metabolismo vegetal. Além disso. os cientistas teriam que usar micróbios para absorver os sais e repassar o elemento vital às plantas. A água é outro problema. Estudos recentes sugerem que Marte é muito mais úmido do que jamais se imaginou, a ponto de formar lagos ou mesmo oceanos assim que a temperatura começar a subir. Para quem pretende estimular a vida, a água é realmente um bom sinal — com exceção de um aspecto. O CO2, atmosférico, que tem afinidade pelo H2O passaria a se dissolver na água e a formar depósitos de calcário. Quanto mais tempo as duas substâncias permanecessem em contato, mais gás carbônico se perderia.

Na Terra, esse problema é resolvido pelo movimento dos continentes, que mergulham uns sob os outros e levam o calcário consigo. Ao longo dos milênios, o calor interno desfaz as rochas e devolve o CO2 ao ar pela boca dos vulcões. Em Marte, essa tarefa ficaria a cargo dos próprios terraformadores. Embora seja necessário preservar o gás carbônico atmosférico, certos processos que o destroem são altamente desejáveis. O metabolismo das plantas é um exemplo. Assim que os primeiros vegetais fossem introduzidos no ambiente marciano, começariam imediatamente a retirar CO2 do ar e a quebrá-lo em átomos de carbono e oxigênio. Os terraformadores ficariam contentes: para que animais e homens pudessem sobreviver, a atmosfera teria de ser modificada até a parcela de oxigênio alcançar cerca de 20% — mais ou menos na proporção do ar terrestre. O problema é complicado: como os vegetais produzem oxigênio de maneira altamente ineficiente, precisariam de pelo menos 100 000 anos para criar um lugar agradável aos animais.

Para acelerar o processo, os engenheiros planetários teriam de entregar o problema aos engenheiros genéticos. “Seria a tarefa mais difícil de todas”, diz McKay. “As plantas vivem na Terra há bilhões de anos e é possível que já tenham atingido o limite máximo de produção de oxigênio. Nesse caso, é improvável que possamos melhorá-lo.” Mesmo que a manipulação genética leve a uma população de plantas excepcionais. ainda seriam necessários 1 000 anos para elevar o oxigênio marciano aos níveis desejados, alerta o cientista. Uma vez que se consigam tais níveis, porém, se poderia começar a ocupação do antigo planeta vermelho pelos mamíferos terrestres. No entanto, a teoria científica não responde a uma questão fundamental: o homem deve mesmo tentar realizar tal projeto? Ele teria o direito de fazer isso? Toon, McKay e Kasting têm séries dúvidas. Na minha opinião, procurar vida extinta ou ainda presente em Marte é, de longe, a única justificativa importante de uma visita a esse planeta”, diz Kasting.

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“Antes disso, não se deve sequer considerar a possibilidade de reformá-lo. Imagine se a terraformação destruir locais que contiveram espécies vivas ou micróbios ainda vivos.” Os argumentos de McKay são de ordem abstrata. “Na Terra, o conceito de vida é inseparável do conceito de natureza. Mas em Marte e no resto do sistema solar vida e natureza são coisas distintas: Marte parece estar morto, mas nem por isso deixa de ser um belo e valioso planeta. Devemos alterar este estado natural? Pessoalmente, creio que sim, mas concordo que isso envolve toda uma nova dimensão da ética ambientar.” Toon usa argumentos parecidos contra a terraformação de Marte, pelo menos por enquanto. “Não devemos alterar outro planeta só porque tornamos a Terra tão desconfortável que não desejamos mais viver aqui. Nosso motivo teria que ser o oposto: se já tivermos resolvido os problemas na Terra e quisermos viver em Marte também ” Seja como for, o interesse científico por Marte pode crescer. Não está claro se isso significa que algum dia cientistas e políticos convencerão os Estados Unidos a visitarem Marte, para não falar na terraformação.

O certo é que pelo menos alguns cientistas acreditam que tais proezas estão ao alcance do homem. Basta ter visão clara. “Nessas questões, antes de mais nada temos que decidir porque queremos ir a Marte”, diz o historiador e analista político John Logsdon, chefe do Instituto de Política do Espaço da Universidade George Washington. “Se o objetivo é uma simples visita, não há necessidade de pensar na terraformação. Mas se pensamos ficar por algum tempo, temos que alterar o planeta de alguma forma; do contrário, não podemos sobreviver. Construir um simples domo, afinal, já é um tipo de terraformação. E preciso lembrar também que, dependendo do grau das modificações feitas, podemos estar destruindo o próprio objeto de nossos estudos.”

Para saber mais:

Lua nova

(SUPER número 7, ano 6)

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