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Um momento, por favor – O futuro quer falar com você

A SUPER foi aos Estados Unidos conhecer o quartel-general dos Laboratórios Bell. Ali, onde já foram concebidos o transistor, o satélite de comunicações e o celular digital, trabalha um time da pesada. Entre uma invenção e outra, eles deram uma paradinha para falar com você.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 30 set 1997, 22h00

Wanda Nestlhner e Ricardo Balbachevski Setti, de Murray Hill

Professor pardal do século XXI

Se não tomar cuidado, ao entrar no ambiente de trabalho de Gary Elko, 41 anos, você leva um tombo. O piso é uma tela de arame com uns buracões de 4 por 4 centímetros. O chão está 2 metros abaixo. Uns 4 metros acima, o teto. E tudo, chão, teto e paredes, é forrado com uns favos feitos de papelão. Enquanto você olha a estranha paisagem, Gary, que já viu muito visitante perder o equilíbrio, estende um tapete vermelho. “Aqui o tratamento é cinco estrelas”, brinca. Sua voz parece do além. É que estamos na câmara anecóica dos Laboratórios Bell, em Murray Hill, costa leste dos Estados Unidos, um lugar onde não há eco. Nenhum. Elko, engenheiro formado na importante Universidade de Cornell, no Estado de Nova York, é pago para entender o comportamento do som. Não pergunte para quê. Ele pode passar dias falando de possibilidades sem fim: microfones sem eco, realidade virtual com som perfeito, concertos no computador. Coisas para o futuro. Coisas dos Laboratórios Bell.

Com 24 000 pesquisadores, esse departamento da empresa americana Lucent Technologies, que inaugura este mês uma sede no Brasil, é um enorme ninho de professores pardais. Tem duas vezes mais cientistas do que o famoso Massachusetts Institute of Technology (MIT) e quatro vezes e meia o número de professores do campus principal da Universidade de São Paulo (USP). Com outras empresas, nem dá para comparar. A IBM conta com apenas 3 000 funcionários no setor. O Bell Labs, como é conhecido, engole cerca de 2,5 bilhões de dólares por ano, cinco vezes mais do que a USP, e já rendeu 26 000 patentes, entre elas a do transistor e a do primeiro satélite de comunicações.

O Bell sempre foi conhecido como parte da AT&T, uma das gigantes da telefonia americana, comprada em 1899 por Alexander Graham Bell (1847-1922), o inventor do telefone. No ano passado, a AT&T transformou a sua unidade que fabricava equipamentos em uma empresa independente, a Lucent, que é controlada pelos acionistas da AT&T.

Inventor ou cientista?

Sem o trabalho de craques como Elko você não poderia ver um jogo ao vivo pela TV ou ligar para outros países. E eles continuam lá, preparando supresas. Nem por isso se encaixam no figurino tradicional do inventor. Não têm cara de cientistas malucos e suas casas não são atulhadas de geringonças tecnológicas. Gary Elko abandona a câmara sem eco às 17 horas, hábito cultivado pela maioria dos colegas. Um deles, o engenheiro Tom Funkhouser, não tem sequer aparelho de CD em casa. Algo no mínimo esquisito para quem gasta os dias pensando em som. Atualmente, Funkhouser tenta fazer com que as vozes e barulhos da realidade virtual se pareçam mais com os da realidade de verdade. Ele trabalha no fim de um quilométrico corredor pontuado por salinhas equipadas com micros e telefones. Parece um colégio. Funkhouser, que é o chefe, tem 35 anos. Em torno dele há uma garotada na casa dos 20, metida em bermudas, camisetas e tênis. Pelas paredes, tirinhas do Dilbert, personagem que é o típico empregado de uma empresa de informática americana. Embora não pareça um, Funkhouser gosta do rótulo de inventor. “Não me apresento dessa maneira, mas é o que eu sou”, diz. Elko não pensa do mesmo modo. “Inventor é aquele que tem grandes idéias, mas não tem formação científica. Eu prefiro me considerar um cientista.”

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“Um dos grandes trunfos daqui é a infra-estrutura. A facilidade para testar na prática as simulações feitas em computador nos poupa anos de trabalho.”

Gary Elko, na câmera sem eco, onde pesquisa o som

“Estamos avançando numa velocidade nunca antes alcançada na compreensão de como o som se reflete nos objetos. Isso nos deixa cada vez mais perto da realidade virtual perfeita.”

Tom Funkhouser, em frente à sua máquina da Silicon Graphics

Gurus se reúnem às quintas-feiras

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Cientista ou inventor, Funkhouser também veio de uma importante universidade, a da Califórnia, em Berkeley. Ali é assim. Parece pronta-entrega. Professores de Princeton, Cornell, MIT, Harvard e outras das melhores escolas americanas ficam sabendo que tem uma vaga no Bell e mandam os alunos brilhantes. “Não sei como isso começou. É uma bola de neve. Não faltam bons profissionais para trabalhar conosco”, diz William (Bill) Brinkman, vice-presidente de pesquisas do Bell na área de Física.

Esse é o método mais comum, mas também tem gente que encontrou o emprego nos classificados. Está certo que não em quaisquer classificados. Dave Wittman, 29 anos, estava concluindo o curso de Astronomia na Universidade do Arizona quando deu uma olhadela nos anúncios de uma publicação da Sociedade de Astronomia dos Estados Unidos e viu uma oferta de emprego no Bell. Mandou o currículo, marcou uma entrevista e ganhou a vaga. Gente como Dave acaba ficando muitos anos por lá. Uns poucos voltam para as universidades. Outros assumem cargos burocráticos. Em torno dos 55 anos, se aposentam.

Patentes só rendem orgulho

Por ali, cabelos brancos são raridade. Se você quiser encontrar alguns, tem que procurar às quintas-feiras, lá pela 1 da tarde, numa mesa bem escondida do refeitório do Bell. É lá, no bucólico subúrbio de Murray Hill, a 1 hora de Nova York, que gurus como o matemático David Thomson, 55 anos, o astrônomo Lou Lanzerotti, 59 anos, e o físico Raju Raghavan, 48 anos, se sentam para trocar idéias. Os assuntos? Esporte, política e até alguma Matemática ou Física. Todos os comensais têm mais de dez patentes em seu currículo. Só Thomson registrou vinte. A maioria são códigos matemáticos usados em equipamentos de telefonia. É difícil encontrar um pesquisador no Bell que não tenha uma patente e eles se orgulham disso, embora não ganhem mais do que 100 dólares como prêmio pelos feitos. Quando ganham. Todas as patentes pertencem à Lucent.

Thomson se encaixa melhor naquele figurino tradicionalmente reservado ao professor pardal. Magro, pálido, barba comprida sem bigode, óculos grandes e meio careca. Por que não está na universidade? “Eu não sou bom professor”, julga, embora já tenha ensinado no MIT e em Princeton. “E os alunos também deixam a desejar.” Mas houve uma vez, diz, em que adorou dar um curso. Entende-se: entre os alunos estavam cinco membros da Academia de Ciências dos Estados Unidos, três integrantes da Sociedade Real de Ciência, da Inglaterra, e um candidato ao Prêmio Nobel.

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Ao contar a história, Thomson não revela arrogância, mas também não esconde a vaidade. Ele faz parte do grupo que trabalha mais solto dentro dos Laboratórios Bell, aquele que realiza a pesquisa pura, sem obetivos práticos. É o começo da linha de montagem da fábrica de invenções da Lucent (veja o quadro na página ao lado). Thomson não precisa pensar em produtos. É também o caso do astrônomo Lanzerotti, líder do grupo que investiga a matéria escura, massa invisível que ocupa 99% do Universo. Para quê, você pergunta, e a resposta revela os horizontes do Bell: “Tudo o que acontece no espaço pode interessar às telecomunicações”, explica Lanzerotti. “E tudo que interessa às telecomunicações interessa aos Laboratórios Bell. Não sabemos quando nem como vamos usar essas informações, mas é bem provável que precisemos delas um dia.” Coisas para o futuro.

“Se a matéria escura é 99% do Universo, claro que deve ter bastante dela circundando a Terra. É impossível que algo tão abundante não interfira nas comunicações.”

Dave Wittman, analisando fotos do Telescópio Espacial Hubble

“O inferno de qualquer pesquisador é um lugar onde tudo funciona, sem fazer barulho e na primeira tentativa. Eu gosto de problemas. E quanto mais difíceis melhor.

David Thomson, no seu escritório

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Indústria e ciência se entendem aqui

Nem todos no Bell podem se dar ao luxo de voar tão alto quanto David Thomson e Lou Lanzerotti. Alguém precisa manter os pés no chão. Transformar as idéias em produtos. E depois adaptá-los ao mercado. É isso que distingue o Bell de uma universidade. O esquema de trabalho é muito parecido com o adotado por Graham Bell no final do século passado. Especialista em audição, ele tinha muitas idéias a respeito de como usar a eletricidade para transmitir o som, mas contratou um mecânico para ajudar a desenvolver o telefone. Quando montou a Bell Telephone Company, em 1877, manteve o método, com mais funcionários, e os Laboratórios Bell, nascidos em 1925, até hoje insistem nele. Mas quem criou mesmo a fórmula da fábrica de invenções foi Thomas Edison, o inventor da lâmpada, que abriu seu laboratório, coincidentemente perto de Murray Hill, em 1868. Historiadores chegam a suspeitar que a idéia da invenção em série, e não a lâmpada, foi a sua maior invenção.

“Esses homens compreenderam a interessante conexão que pode haver entre a ciência e a indústria”, analisa Shozo Motoyama, professor de História da Ciência na USP. “Isso foi importante para o desenvolvimento científico e tecnológico dos Estados Unidos, principalmente porque as universidades americanas do fim do século XIX eram débeis, fracas.”

Transistor de plástico

Nessas fábricas de idéias, o começo do processo é o mais emocionante. Mas quem está no meio também se diverte. Robert Gaglianello, por exemplo, tenta criar um sistema para comprimir imagem e som de modo a transmitir vídeos mais rápido e com mais qualidade pela Internet. Para isso, ele usa o trabalho desenvolvido antes por matemáticos. São eles, afinal, que descobrem as técnicas de compressão.

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É gente como Gaglianello que vai descobrir o que fazer com o resultado do trabalho de pesquisadores como Ananth Dodabalapur, 34 anos, físico que conquistou três patentes em sete anos de Bell. Dodabalapur estuda uma liga plástica que transmite eletricidade quando impressa sobre uma folha de plástico comum. “Em cinco anos essa tecnologia deve estar no mercado”, prevê. Para quê? “Não estou preocupado com isso”, confessa. Podem ser cartões de banco, de telefone, agendas, brinquedos. Coisas para o futuro.

Talvez para um futuro mais distante ainda do que os chips imaginados por Dale Jacobson, 49 anos, que recebeu a SUPER dentro do seu acelerador de íons capaz de gerar 10 milhões de volts. A máquina, é claro, estava desligada. Com ela, o físico insere partículas estranhas no silício. Só para ver o que acontece. Algumas vezes ele modificou as propriedades do material, tornando-o mais eficiente, o que já rendeu à Lucent cinco patentes, porém nenhum produto. Antes, é preciso que o pessoal do marketing, que nem pertence ao Bell, embora trabalhe junto com ele, diga se há demanda, se a produção não será cara demais, coisas assim. Coisas para homens de negócios que também precisam entender de tecnologia e de ciência. Nas mãos deles estão agora produtos como o Inferno, um novo gerenciador de redes de computadores. Apesar do nome, adotado do italiano, o Inferno deverá levar o consumidor ao céu. Vai colocar computador, TV, Internet, TV interativa e telefone no mesmo aparelho. Mas para chegar ao que é hoje, foi barrado vária vezes pelo marketing quando já ia começar a ser fabricado.

Como se vê, tudo isso é muito diferente de uma universidade. No fundo, ninguém está ali fazendo pesquisa apenas pela pesquisa. O vice-presidente Bill Brinkman fala mesmo que vez por outra precisa cortar umas asinhas. Anualmente, confere se os projetos não estão fugindo do rumo das telecomunicações. Tarefa difícil, pois ali muita coisa é, você sabe, coisa para o futuro.

“Sim. Eu trabalho em casa. E muito. Mas lá prefiro um trabalho sem equipamentos. Uso o porão, que não tem janelas. É o lugar perfeito para pensar.”

Ananth Dodabalapur, entre miscroscópios e produtos químicos.

“Minha máquina não é a única, mas foi a primeira desse tipo. Eu mesmo desenhei algumas peças. E vem gente do mundo inteiro para conhecê-la e utilizá-la.”

Dale Jacobson, com uma “bolacha” de silício

Para saber mais

Na Internet

https://www.lucent.com

As duas faces da moeda

Jovens prodígios e professores convivem no Bell.

Experiência

• Tem mais de 40 anos

• Ganha cerca de 100 000 dólares por ano

• Vai trabalhar de carro

• Tem filhos na universidade

• Gosta de criticar a falta de recursos e o excesso de política dentro das universidades

• Nunca trabalha à noite

• Passa o fim de semana lendo

• Não tem pressa em se aposentar

• Não gosta de high tech

• Nunca vai se tornar um executivo

• Dá cursos eventuais fora do Bell

• Tem pelo menos 10 patentes no currículo

Novas idéias

• Tem menos de 40 anos

• Vai trabalhar de bicicleta

• Ganha cerca de 50 000 dólares por ano

• É casado e tem filhos pequenos

• No fim de semana corta a grama, faz trabalhos domésticos e passeia com os filhos

• Não tem muita tecnologia em casa

• Nunca trabalha à noite

• Estudou nas melhores universidades americanas

• Saiu da faculdade direto para o Bell

• Deve se aposentar aos 55 anos

• Às vezes deixa a empresa para ir fazer pesquisa ou dar aulas em alguma universidade

• Já tem duas ou três patentes no currículo

• Pode se tornar um executivo da empresa

Impulso criativo

Idéias e invenções dos Laboratórios Bell.

1925

Fax. Primeira imagem via telefone

1927

Primeira transmissão de TV ao vivo

1933

Radioastronomia. Novo olho do homem

1936

Síntese da voz. O atendimento eletrônico

Linha de montagem de invenções

Idéias luminosas ajudam, mas o sucesso vem da organização do trabalho.

Pesquisa básica

Os 3 000 profissionais dessa área buscam novos materiais, novas técnicas e novas idéias. Sem pensar em produtos. É a parte que mais se parece com uma universidade.

Desenvolvimento

Aqui, 21 000 pesquisadores transformam as idéias, técnicas e materiais descobertos em produtos, podendo, eventualmente, encomendar experimentos para a pesquisa básica.

Mercado

Profissionais da Lucent trabalham junto com os pesquisadores de um certo produto para ver como introduzi-lo no mercado. A idéia pode vingar, voltar à pesquisa ou ser abandonada.

Descobertas premiadas

Pesquisador do Bell não ganha royalties. Ganha o Nobel.

Onda de matéria

Em 1927, Clinton J. Davisson demonstrou que a matéria pode se comportar como onda. Levou o Nobel de Física em 1937.

Transistor

A invenção do transistor, em 1947, deu a John Bardeen, Walter H. Brattain e William Shockley o Nobel de Física em 1956.

De olho no vidro

Philip W. Anderson desenvolveu a aplicação de vidro na eletrônica. Ganhou o Nobel de Física em 1977.

Radioastronomia

O Nobel de Física de 1978 foi para Arno Penzias. Ele descobriu a radiação de fundo do Big Bang remanescente no Universo.

Entre o sol e a eletrônica

Produtos do Bell além das comunicações.

1947

Transistor. Hoje são feitos 500 milhões por segundo

1954

Célula solar. A luz vira eletricidade

1958

Participação importante na descoberta do laser

1962

Telstar. Primeiro satélite de comunicação

A era do computador

Contribuições do Bell à tecnologia digital.

1969

Sistema UNIX. O bisavô do Windows

1983

C++, a mais popular linguagem de computador

1988

Celular digital. Agora chegando ao Brasil

1989

TV de alta definição. Quase nas lojas

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