Vizinho íntimo
A nave Near-Shoemaker voou 200 milhões de quilômetros para fotografar um vizinho da Terra, o asteróide Eros. Agora, a apenas 50 quilômetros dele, seus closes revelam a privacidade do astro e contam seus segredos.
Flávio Dieguez
Depois de voar quatro anos pelo espaço à velocidade de 40 000 quilômetros por hora, a nave espacial americana Near-Shoemaker neste momento parece um carro em busca de uma vaga de estacionamento em um supermercado. Manobrando a 5 quilômetros por hora, ela desloca-se com cuidado para não sofrer um acidente justamente agora, quando está a apenas 50 quilômetros do seu alvo. O Eros será o primeiro asteróide estudado minuciosamente. Só que, para fazer isso, a Near-Shoemaker terá de se arriscar mais, pois vai descer e parar a 15 quilômetros da superfície. Não é fácil. O astro tem a crosta tão deformada que o menor erro de cálculo pode jogar a nave contra uma das suas imensas protuberâncias, montanhas-calombo de 5 quilômetros de altura e depressões de 4 quilômetros de profundidade.
O relevo tortuoso se destaca nas imagens que a Near-Shoemaker enviou à Terra. São fotos históricas, pois o Eros é um asteróide especial. Ele faz parte de um grupo de 250 megapedregulhos que, por terem órbita anômala (veja ao lado), volta e meia passam perto da Terra. Na teoria, alguns podem cair sobre nós, criando pesadelos como os do filme Armagedon. Mas a ameaça só vale para os primos menores do Eros. Comparado com 95% dos asteróides, que voam ainda mais longe, perto de Júpiter, o astro fotografado é um vizinho que nunca saiu da linha. Sua trajetória já foi esmiuçada. Descoberto em 1898 pelo astrônomo alemão Gustav Witt, o mais perto que passou de nós foi em 1975, a 22 milhões de quilômetros – sessenta vezes mais longe do que a Lua.
Segundo o físico americano Andrew Cheng, da Universidade Johns Hopkins, se a Near-Shoemaker prosseguir com cautela na abordagem, enviará dados preciosos sobre a composição do Eros. “Essas informações serão úteis se algum dia quisermos extrair minérios dos asteróides”, disse Cheng ao jornal americano The New York Times. “Mais ainda se precisarmos desviar um deles de uma colisão com a Terra.”
Viagem a um planeta de brinquedo
Enquanto procura uma órbita colada a Eros, a nave Near-Shoemaker não pára de enviar observações importantes sobre a estrutura interna do miniplaneta. Antes de mais nada, fez medidas precisas de sua gravidade, revelando que ela é quase 6 000 vezes menor do que a da Terra. Isso significa que, se um cidadão tem 75 quilos aqui, lá pesaria apenas 47 gramas. Trata-se de uma leveza perigosa, pois fica fácil escapar da atração de Eros e ir parar no espaço, sem possibilidade de retorno.
Para ter uma idéia, imagine que um astronauta resolva explorar o planetinha em um jipe, rodando a 36 quilômetros por hora. Se o veículo trombar com uma pedra, o impulso será suficiente para jogar o motorista no espaço – sem volta. Ele jamais cairia porque a força gravitacional de Eros seria incapaz de puxá-lo. O motivo é que a gravidade depende da massa, e a de Eros é de apenas 7 trilhões de toneladas, muito pouco para os padrões astronômicos. Para isso contribui decisivamente a composição química do asteróide, que se acredita feito principalmente de silício, um material arenoso e leve. Há também piroxênio e olivina, os dois minerais mais comuns do manto da Terra, ricos em magnésio e ferro. O minimundo também sofreu tantas pancadas poderosas de outros corpos no passado que é possível que os choques, além de deformar a sua crosta, tenham moído o seu cerne, dando-lhe uma consistência porosa. Ele é fofo.
Todos esses dados são preliminares e deverão ser confirmados pela Near-Shoemaker dentro de dois meses, quando a nave conseguir encontrar uma órbita suficientemente segura e próxima ao asteróide. As imagens que você vê nestas páginas são só uma amostra do que vem por aí.
Para saber mais
O Impacto Cósmico, John K. Davies, Edições 70, Rio de Janeiro, 1986.
Na Internet
fdieguez@abril.com.br
Algo mais
Não vai acontecer, mas, se o Eros caísse na Terra, seria uma catástrofe. À velocidade de 100 000 quilômetros por hora, seu impacto equivaleria ao de 10 bilhões de bombas atômicas como a de Hiroshima. Não destruiria a Terra, mas acabaria com a civilização.
Mundo pequeno
Longe da Terra a maior parte do tempo, Eros às vezes rodopia pelas vizinhanças. Sua área, de 1 500 quilometros quadrados, equivale à do município de São Paulo.
A menor distância que Eros passa da órbita da Terra é 22 milhões de quilômetros.
Por ter uma órbita meio alongada, Eros cruza o caminho de Marte. No total, leva 21 meses e três dias terrestres para dar uma volta em torno do Sol.
Ele agora está a 200 milhões de quilômetros da Terra.
As dimensões do asteróide são menores que as de São Paulo, mas, como a cidade é plana e ele é tridimensional, ambos têm a mesma área.