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Marte 2018

Já faz 43 anos que o homem pisou na Lua. Depois disso, parecemos ter desistido de explorar o espaço. Mas um grupo de visionários quer ressuscitar a corrida espacial - e levar dois humanos a Marte daqui a cinco anos. Conheça os bastidores da missão mais ambiciosa desde o Projeto Apollo. E veja por que ela pode dar certo.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 28 jul 2013, 22h00

Reportagem: Pieter Zalis Edição: Bruno Garattoni

“Eu acredito que este país deva se comprometer a atingir o objetivo, antes do final desta década, de levar um homem à Lua. Não há nenhum projeto mais impressionante, ou mais importante (…). E nenhum tão difícil.” Com esse discurso, em 25 de maio de 1961, John Kennedy conclamou o Congresso e a população dos EUA a apoiar o Projeto Apollo – que, oito anos depois, seria responsável por uma das maiores realizações da história da humanidade.

O próximo passo na conquista do espaço, chegar a Marte, parecia apenas questão de tempo. Em 1965, os EUA enviaram, com sucesso, uma sonda até o planeta vermelho. Mas a missão tripulada não aconteceu. A URSS acabou, a corrida espacial murchou, a Nasa foi abalada por dois grandes acidentes com ônibus espaciais e ficou espremida por orçamentos cada vez menores. Hoje, sua melhor previsão é enviar astronautas a Marte em 2035. Mais duas décadas de estagnação e frustração. Mais uma geração à espera.

Ou não. O projeto Inspiration Mars, que reúne cientistas, engenheiros, empresas e investidores, pretende enviar uma missão tripulada a Marte daqui a menos de cinco anos, em janeiro de 2018, quando a Terra e o planeta vermelho estarão alinhados. Graças ao alinhamento, será possível ir e voltar em menos de um ano e meio, um prazo considerado seguro para a saúde humana (mais sobre isso daqui a pouco) e menos da metade do tempo que a viagem levaria normalmente. Segundo seus organizadores, a viagem em 2018 não é apenas possível, ela é necessária – se perdermos a chance, os planetas só voltarão a se alinhar em 2031. O idealizador da missão é o americano Dennis Tito, de 72 anos. Na década de 1960, ele trabalhou na Nasa escrevendo programas de computador que calculavam a trajetória de uma possível missão a Marte. Depois, criou softwares que analisam padrões do mercado financeiro – e hoje são usados pelos 600 maiores fundos de investimento do mundo, que somados controlam US$ 12,5 trilhões. Tito ficou muito rico. Tão rico que, em 2001, pagou US$ 20 milhões para se tornar o primeiro turista espacial: viajou numa cápsula Soyuz até a Estação Espacial Internacional, numa missão que durou sete dias.

Ele diz que vai pagar todos os custos do projeto Marte nos primeiros dois anos (até 2015), mas a partir daí precisará de doações e parcerias com outras empresas. A missão terá a consultoria técnica da Nasa, mas será toda conduzida pelo setor privado. A empresa americana SpaceX, criada pelo empresário Elon Musk (o mesmo que fabrica o supercarro elétrico Tesla), fornecerá o foguete e a cápsula. O foguete, que se chama Falcon Heavy, deve voar pela primeira vez ainda este ano. Ele irá acelerar a cápsula (que já foi testada com sucesso e fez uma viagem à Estação Espacial Internacional) a 17.500 km/h, dando impulso para que ela chegue até Marte. Ou seja: depois que se desconectar do foguete, a cápsula fará o resto da viagem no embalo, aproveitando o empurrão inicial. Ela até possui foguetes próprios, mas são pequenos – e só servem para pequenas correções de rota.

A cápsula reciclará parte de sua água e oxigênio, usando tecnologias que já são empregadas na Estação Espacial Internacional (ISS). Cerca de 75% da urina e da água usada para higiene pessoal, por exemplo, será filtrada e reaproveitada. Além disso, parte do estoque de água poderá ser usado para produzir oxigênio. Não irá faltar nada para os astronautas.

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Mas eles enfrentarão alguns problemas, a começar pela radiação espacial. Quando saírem da atmosfera terrestre, estarão expostos a partículas solares e raios cósmicos, que podem causar mutações no DNA, alterações celulares e problemas no sistema nervoso central. Toda viagem espacial é assim. Mas, como a missão até Marte é muito mais demorada, os astronautas irão receber muito mais radiação. “A tripulação terá de saber a quais riscos está se submetendo”, afirma o médico-chefe da missão, Jonathan Clark. Ele trabalhava na Nasa e perdeu a esposa, a astronauta Laurel Clark, na explosão do ônibus espacial Columbia, em 2003.

O Sol estará calmo em 2018. “Ele estará no momento menos ativo dentro do seu ciclo natural, que dura 11 anos”, explica Helio Jaques Pinto, professor de astronomia da UFRJ. Mesmo assim, durante a viagem até Marte, estima-se que os tripulantes recebam 1,2 sievert de radiação – o equivalente a fazer 12 mil exames de raio-X. E pode ser mais ainda. “Até hoje, todas as missões americanas excederam os limites de radiação”, diz o cientista Francis Cucinotta, da Nasa.

Além de elevar a probabilidade de câncer, níveis muito altos de radiação podem ter efeitos imediatos, como dores de cabeça e mal-estar. “Precisamos minimizar os efeitos na performance da tripulação”, diz Clark. Por isso, a nave receberá um escudo reforçado. As paredes da cápsula terão fundo falso e serão preenchidas pelos estoques de água e comida, boas blindagens contra a radiação. Conforme esses estoques forem sendo consumidos, eles serão substituídos pelas fezes dos astronautas (que deverão embalá-las em sacos plásticos e colocar esses sacos em compartimentos nas paredes da cápsula).

Também haverá problemas psicológicos para enfrentar. Não é fácil passar quase um ano e meio trancado num espaço pequeno. Entre 2007 e 2011, seis astronautas ficaram 520 dias confinados em uma nave espacial de mentira na Rússia. O objetivo era simular uma viagem a Marte e saber como eles reagiriam. Quatro dos seis apresentaram distúrbios. Um deles começou a dormir cada vez menos, e teve problemas de memória e raciocínio. Outro começou a viver em dias com 25 horas de duração e se afastou dos colegas. Também houve casos de depressão. Por isso, a missão pretende enviar um casal – um homem e uma mulher, que realmente sejam casados na vida real. “Além de o companheirismo ajudar, as dificuldades de privacidade comuns em viagens espaciais também poderão ser superadas”, diz o psiquiatra Mathias Basner, da Universidade da Pensilvânia, que estudou a missão russa.

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Apesar da linguagem sutil, não é difícil perceber do que ele está falando: sexo. Segundo os organizadores da missão, relações sexuais estarão liberadas – o que poderá resultar no primeiro ato sexual no espaço (a Nasa afirma que nunca houve algo do tipo em seus voos). Mas dependerá da vontade e da técnica do casal. A falta de gravidade afeta a circulação sanguínea, o que pode dificultar a ereção do pênis, e é difícil controlar os movimentos do corpo. “O casal precisará treinar e encontrar um espaço para se fixar”, afirma John Millis, professor de física e astronomia da Universidade de Anderson (em Indiana, EUA). Não será fácil conservar o desejo. Porque não será fácil fazer algo muito importante para se manter atraente: tomar banho. Enquanto a Estação Espacial Internacional tem uma espécie de chuveiro (um tubo dentro do qual o astronauta se lava com água e sabão), na cápsula marciana será necessário se virar com esponjas.

Os nomes dos astronautas não foram definidos, mas os favoritos para a viagem são Taber MacCallum, diretor-técnico da missão, e Jane Poynter, desenvolvedora de sistemas de tripulação e suporte de vida. Eles são casados, têm experiência no setor espacial e em confinamento também: entre 1991 e 1993, participaram do projeto Biosphere 2, em que um grupo de pessoas ficou dois anos trancado num ambiente autossuficiente, que tentava recriar o ecossistema da Terra.

Ao chegar a Marte, a cápsula irá fazer um sobrevoo de aproximadamente dez horas. Ela não irá pousar. “Seria preciso levar mais combustível e mais um foguete para decolar de Marte. A missão ficaria bem mais complexa em estrutura e dinheiro, tornando-a impraticável”, diz Antonio Bertachini, diretor de mecânica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). E também há o fator cautela – antes de tentar um pouso, é vital fazer uma missão de sobrevoo. Foi assim com a Lua e, se tudo der certo, será assim com Marte. “Precisamos fazer missões para ganhar experiência. Temos que aprender antes de pousar em Marte”, afirma Dennis Tito.

Mesmo não pousando, a cápsula corre um risco considerável nessa etapa da viagem, pois precisa se aproximar de Marte num ângulo exato. Do contrário, ela pode ficar perdida por lá, sem conseguir voltar à Terra [veja no infográfico]. Os astronautas morreriam sufocados após alguns meses, com o fim do suprimento de oxigênio. “É o tipo de risco que os EUA costumavam ser capazes de assumir. Nós não fazemos mais isso”, diz Taber.

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“A missão Inspiration Mars é uma prova da audácia da indústria americana e do espírito aventureiro dos cidadãos americanos”, contemporiza o porta-voz da Nasa, David Steitz. Ele coloca panos quentes porque, na verdade, a agência está, sim, envolvida com o projeto. Ela não vai assumir nenhum risco – mas irá fornecer uma parte crucial da tecnologia necessária.

Se tudo der certo, a nave dará a volta em Marte e começará o caminho de volta para a Terra. O retorno deverá ser tranquilo, exceto pela última parte: a reentrada na atmosfera terrestre. Ninguém sabe exatamente como será esse processo, que ainda está sendo planejado. A melhor opção seria mergulhar de uma vez na atmosfera. Mas a cápsula chegará muito depressa, a cerca de 51 mil km/h. É o dobro da velocidade de reentrada do ônibus espacial, por exemplo.

Por isso, é possível que ela tenha de desacelerar primeiro. A nave ficaria até dez dias sobrevoando a Terra, para perder velocidade aos poucos, e só então faria seu mergulho final.

Seja qual for a estratégia, a nave sofrerá atrito contra a atmosfera terrestre, e isso irá produzir uma quantidade enorme de calor – a temperatura na superfície externa do ônibus espacial chegava a 1.650 graus centígrados, e na cápsula marciana deverá ser ainda maior. “Tudo pode fritar”, lembra Bertachini, do INPE. E é aí que a Nasa entra: ela irá fornecer uma nova tecnologia de escudo térmico para proteger a nave. Mas há quem duvide que a Nasa seja capaz de desenvolver a tecnologia necessária, e em tão pouco tempo – até porque ela tem um retrospecto ruim em escudos térmicos. Foi justamente uma falha nesse isolamento que explodiu o ônibus espacial Columbia, em 2003.

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“Falta liderança à Nasa”, diz Dennis Wingo, presidente da empresa de tecnologia espacial SkyCorp e principal crítico da missão a Marte em 2018. Na opinião dele, o foguete Falcon Heavy não será suficiente para empurrar a cápsula, que é pesada demais e precisaria de pelo menos dois foguetes. “Enquanto eles ignorarem essa falha, estarão perdendo tempo e não haverá sucesso. É simplesmente impossível fazer o que eles pretendem.” Wingo também critica a rota da missão. Segundo ele, existe um caminho que passa por Vênus e depois segue até Marte e seria mais curto. “Por que não tentar conhecer dois planetas em vez de um?”, pergunta. Os organizadores da missão dizem que vão pensar nisso, mas não devem mudar de estratégia.

“Nossa missão será a nova Apollo 8”, diz Clark, se referindo à primeira missão tripulada a sobrevoar a Lua, em 1968. Se a ida a Marte der certo, irá encantar a humanidade – e poderá marcar o começo de uma nova era de exploração do Cosmos. “Eu vou ficar bem mais pobre depois dessa missão. Mas os meus netos vão ficar mais ricos. De inspiração”, diz Tito.

Veja mais detalhes da viagem no vídeo abaixo:

[youtube=://www.youtube.com/watch?v=SDLUHgXpuQg&w=560&h=315]

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Para saber mais:

Feasibility Analysis for a Manned Mars Free-Return Mission in 2018

Dennis Tito e outros, 2013.

abr.io/INzl

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